FACULDADE DE TEOLOGIA
TESTEMUNHAS HOJE
CURSO LIVRE
HISTÓRIA DA IGREJA
E
A VIDA
DOS APÓSTOLOS
PRIMEIRA PARTE
HISTÓRIA
DA IGREJA
E A VIDA DOS APOSTOLOS
INTRODUÇÃO
Começamos
este trabalho de pesquisa, para apresentar algo fidedigno e em consonância com
as sagradas letras, e mostrar com fundamentação a história do começo da igreja do
Senhor Jesus Cristo, e seu desenvolvimento pelos séculos. E de maior importância,
como você pode saber no meio de tantas representadas, igrejas e denominações
qual será realmente a verdadeira Igreja de Cristo, vou te dar algumas boas dicas
e um estudo todo com muitas referências bíblicas e secular a partir de agora, não
deixe de ler e pesquisar as referencias. Se você estiver desejoso de buscar as
características da verdadeira Igreja de Cristo como era no principio a Igreja
Primitiva. Preliminarmente deixo alguns pontos que julgo importantes nesta
busca boa pesquisa;
-
Em primeiro lugar a Igreja Verdadeira Você Não precisa pagar para receber uma
benção.
-
Em Segundo Lugar a Igreja tem que dar expansão ao Espírito Santo de Deus,
acreditar no seu poder e na sua manifestação e não reprimir os irmãos que Deus
quer usar porque Deus usa quem quer na hora que quer e com quem Ele quer.
-
Em terceiro lugar ter como Pastor em sua
Igreja aquele que seja realmente um Pastor segundo o coração de Deus, e Não um
ditador. Mas que ande guiado, e deixe o Espirito Santo ser o guia da igreja.
-
Em quarto lugar ajudar os que necessitam em nosso meio, pois bom exemplo nos
deu Jesus que devemos sentir as necessidades dos outros e se colocar em seu
lugar.
-
Em quinto e último lugar a verdadeira Igreja de Cristo é aquela que não se
deixa levar pela posição social ou financeira que o membro possui mais sim se
deixa levar pelo mover do Espírito Santo de Deus agindo conforme a sua vontade.
(Não se conforma com esse mundo faça a diferença, pois você e um escolhido de
Deus para pelejar nesses últimos dias contra as forças do mal, Deus sempre
levanta homens e mulheres encorajados para pelejar contra as forças do maligno
seja mais um a entrar nessa batalha e você realmente fará parte da verdadeira
Igreja de Cristo a coluna e firmeza da verdade.
As
obras que foram escritas ao longo do tempo sobre a história da igreja. Aquela
que tem sido a morada de Deus nos últimos 2000 anos deve ser objeto do mais
profundo interesse de Seus filhos. Não estamos falando, aqui, da igreja como é
geralmente representada na história, mas de como ela é definida nas Escrituras.
Ali, ela é vista em seu verdadeiro caráter espiritual, como o corpo de Cristo,
e como a "morada de Deus em Espírito" (Efésios 2).
Devemos
sempre ter em mente, ao ler tudo o que é relacionado à história da igreja, que,
dos dias dos apóstolos até os dias de hoje, sempre existiram duas classes
distintas e amplamente diferentes na igreja professa: os meramente nominais, e
os reais - os verdadeiros e os falsos. Isto havia sido predito. "Porque eu
sei isto", disse o apóstolo, "que, depois da minha partida, entrarão
no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho. E que de entre vós
mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os
discípulos após si." (Atos 20:29-30). Sua Segunda Epístola a Timóteo é
também cheia de alertas e direções referentes às várias formas de mal que
foram, então, claramente manifestas. Uma rápida mudança para pior tomou conta
desde a vez que sua primeira epístola tinha sido escrita. Ele exorta aos
verdadeiros crentes para andar em separação daqueles que tinham aparência de
piedade, mas que negavam a eficácia dela. "Destes", diz ele,
"afasta-te". Tais exortações são sempre necessárias, semple
aplicáveis - tanto hoje quanto antes. Não podemos nos separar da Cristandade
professa sem deixarmos de lado o Cristianismo; mas podemos e devemos nos
separar do que o apóstolo chama de "vasos para desonra". A promessa é
que, "se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra,
santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa
obra." (2 Timóteo 2:21).
É
interessante - apesar de também doloroso - destacar a diferença, neste ponto,
entre a Primeira e a Segunda Epístola a Timóteo. Na primeira, é falado da
igreja de acordo com seu verdadeiro caráter e com sua bendita posição na Terra.
Lá ela é vista como a casa de Deus - a coluna e a firmeza da verdade para o
homem. A Segunda Epístola mostra o que ela se tornou graças às falhas daqueles em
cujas mãos ela foi confiada.
Vamos
tomar uma passagem de cada Epístola como ilustração: (1) "Escrevo-te estas
coisas, esperando ir ver-te bem depressa. Mas, se tardar, para que saibas como
convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza
da verdade." (1 Timóteo 3:14-15)
(2)
"Numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de
pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra." (2 Timóteo
2:20). Aqui tudo mudou - infelizmente mudou. No lugar da ordem divina há uma
incorrigível confusão; no lugar da "casa de Deus, a coluna e firmeza da
verdade", há uma" grande casa" - praticamente "o mistério
da iniquidade". Em vez da casa ser mantida de acordo com a vontade de
Deus, e adequada a Ele, ela é organizada e ordenada de acordo com a vontade do
homem, e para sua própria vantagem e exaltação pessoal. Assim, sem muita demora,
o mal, que tem sido o pecado e a desgraça da Cristandade até então, fez suas
primeiras aparições. Mas isto é posto de lado quando o Espírito de Deus, em
grande misericórdia, nos fornece as mais claras direções para o dia mais
sombrio da história da igreja, indicando o caminho da verdade para os piores
tempos; deste modo, ficamos sem desculpas. Os tempos e circunstâncias mudam,
mas nunca a verdade de Deus.
OS ERROS DOS HISTORIADORES EM GERAL
Alguns
historiadores, infelizmente, não levaram em consideração esta triste mistura
dos vasos bons e ruins - dos verdadeiros e falsos cristãos. Eles mesmos não
eram homens com mentes espirituais. Portanto fizeram, e ainda fazem, de seu
objetivo principal, registrar os vários caminhos anticristãos e perversos dos
meros professos. Eles se delongam minuciosamente nas heresias que perturbaram a
igreja, nos abusos que a desgraçaram, e nas controvérsias que a distraíram.
Nós, pelo contrário, nos esforçaremos para perscrutar pelas longas páginas
escuras da história em busca da linha prateada da graça de Deus nos verdadeiros
cristãos, embora muitas vezes a liga seja tão predominante que o minério puro é
quase imperceptível.
Deus
nunca deixou a Si mesmo sem um testemunho. Ele sempre manteve Seus amados e
queridos, mesmo que ocultos, em todas as eras e em todos os lugares. Nenhum
olho a não ser o dEle poderia enxergar os sete mil em Israel que não tinham se
curvado à imagem de Baal, nos dias de Acabe e Jezabel. E não há dúvida que
dezenas de milhares, mesmo nas épocas mais sombrias do Cristianismo, serão
encontrados, afinal, na "gloriosa igreja", que Cristo apresentará a
Si mesmo, no tão esperado dia de Sua alegria nupcial. Muitas pedras preciosas
encontradas em meio ao lixo da "idade média" refletirão Sua graça e
glória naquele dia sem par.
Que
bendito pensamento! Mesmo agora enche a alma de júbilo e deleite. Senhor,
apresse aquele dia tão feliz por amor de Teu próprio nome!
Diferente
de muitos falsos, os verdadeiros crentes são humildes por instinto. Eles são
geralmente reservados, e a maioria são pouco conhecidos. Não há humilhação tão
profunda e real como aquela que o conhecimento da graça produz. Tais pessoas
modestas e ocultas encontram pouco espaço nas páginas históricas. Mas o
convincente e zeloso herege, e o barulhento e visionário fanático, são
barulhentos demais para escapar à vista. Por isso, também, que os historiadores
vêm recordando tão cuidadosamente os tolos e insensatos princípios e as más
práticas de tais homens.
Vamos
agora mudar um pouco de assunto, e tomar uma visão geral da primeira parte de
nosso assunto: as sete cartas às igrejas da Ásia.
AS SETE IGREJAS DA ÁSIA
Estas
sete cartas às igrejas das Ásia servirão de base para nossos futuros estudos.
Cremos que elas não sejam apenas históricas, mas também proféticas. Sem dúvida,
elas são terminantemente históricas, e este fato deve pesar no que diz respeito
ao estudo de seu caráter profético. As sete igrejas realmente existiram nas
sete cidades aqui citadas, e nas condições aqui descritas. Porém, é igualmente
claro que elas foram destinadas, por aquEle que sabe tudo do início ao fim, a
ter um significado profético, assim como sua aplicação histórica. Estas igrejas
locais foram selecionados em meio a muitas, e assim dispostas e descritas de
modo a prenunciar o que havia de vir. Limitar sua aplicação apenas às sete
igrejas literais que se encontravam na Ásia seria estragar a unidade do livro
de Apocalipse, e perder de vista as bênçãos prometidas. "Bem-aventurado
aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia"(Apocalipse 1:3).
O caráter de todo o livro é profético e simbólico. O segundo e oterceiro
capítulo não são exceções. Eles são introduzidos pelo próprio Senhor em seu
caráter místico: "O mistério das sete estrelas, que viste na minha destra,
e dos sete castiçais de ouro. As sete estrelas são os anjos das sete igrejas, e
os sete castiçais, que viste, são as sete igrejas." (Apocalipse 1:20)
O
número sete é característico. Ele marca um círculo completo dos pensamentos e
modos de Deus quanto ao tempo. Daí vêm os sete dias da semana, as sete festas
de Israel e as sete parábolas do reino dos céus em mistério. Este número é
frequentemente usado no decorrer do livro de Apocalipse ao tratar de judeus,
gentios e a igreja de Deus como responsáveis diante de Deus sobre a Terra. Por
isso vemos sete igrejas, sete estrelas, sete castiçais, sete anjos, sete selos,
sete trombetas, sete taças e as sete últimas pragas. Apenas nos capítulos 2 e 3
vemos a igreja como responsável diante de Deus sobre a Terra, e como objeto do
governo divino. Nos capítulos 4-19 a igreja está no Céu, {*portanto não sendo
mencionada nesses capítulos}. Então ela aparece novamente em plena glória
manifesta com seu Senhor apenas no capítulo 19: "E seguiam-no os exércitos
no céu em cavalos brancos, e vestidos de linho fino, branco e puro."
(Apocalipse 19:14). {*E aparece no mesmo capítulo também como a esposa já
pronta para o casamento: "Regozijemo-nos, e alegremo-nos, e demos-lhe
glória; porque vindas são as bodas do Cordeiro, e já a sua esposa se aprontou."
(Apocalipse 19:7)}
No
corpo do livro, especialmente a partir do capítulo 6, é feita menção a judeus e
gentios, que são tratados judicialmente a partir do trono de Deus no Céu. Porém
isto não acontecerá até que a igreja - a verdadeira noiva do Cordeiro - seja
arrebatada para o Céu, e as coisas meramente nominais e corruptas sejam finalmente
rejeitadas.
Esta
divisão do livro em três partes, vinda do próprio Senhor, torna a ordem dos
eventos bastante clara, e deve ter um imenso peso como princípio de
interpretação no estudo de Apocalipse. No capítulo 1:19 Ele nos fala do
conteúdo e plano do livro inteiro: "Escreve as coisas que tens visto, e as
que são, e as que depois destas hão de acontecer". "As coisas que
tens visto" se referem à revelação de Jesus como vistas por João no
capítulo 1; "as coisas que são", como a condição presente do corpo
professante como apresentado nos capítulos 2 e 3. "As coisas que depois
destas hão de acontecer" são referentes ao capítulo 4 em diante. A
terceira divisão começa no capítulo 4. Uma porta no Céu é aberta, e o profeta é
chamado para subir até lá. "Sobe aqui, e mostrar-te-ei as coisas que
depois destas devem acontecer." É a mesma frase encontrada no capítulo
1:19. As coisas que são, e as coisas que devem acontecer depois destas, não
poderiam, de maneira alguma, acontecerem ao mesmo tempo. Uma deve terminar antes
que a outra comece.
Quando
o número sete é usado, não em sentido literal, mas simbolicamente, sempre tem o
significado de completude. É evidente, portanto, que seja utilizado nos capítulos
2 e 3. Como sabemos, havia outras igrejas além daquelas mencionadas, mas sete
são selecionadas e associadas a fim de apresentar um quadro completo do que se
desenvolveria posteriormente na história da igreja sobre a Terra. Os mais
importantes elementos morais que existiam naquelas igrejas naquele momento, o
Senhor previu que reapareceriam no decorrer do tempo. Assim temos uma figura
sete vezes perfeita - isto é, divinamente perfeita - dos sucessivos estados
pela qual passaria a igreja professa durante todo o período de sua responsabilidade
sobre a Terra.
Vamos
agora resumir rapidamente o que é apresentado sobre essas sete igrejas, e dar
uma ideia geral dos diferentes períodos da história aos quais elas se aplicam.
UM RESUMO DAS SETE IGREJAS
• Éfeso: Em Éfeso o Senhor detecta a raiz de
todo o declínio. "Deixaste teu primeiro amor". Ela é ameaçada a ter
seu castiçal removido a menos que se arrependa. Período: da era apostólica até
o final do segundo século.
• Esmirna: A mensagem a Éfeso é geral, mas
para Esmirna é específica. E, apesar de aplicada àquela assembleia naquele
tempo, ela prefigura, de forma muito marcante, as repetidas perseguições pela
qual a igreja passou sob os imperadores pagãos. No entanto, Deus pode ter usado
o poder do mundo para deter o progresso do mal dentro da igreja. Período: do
segundo século até Constantino.
• Pérgamo: Aqui temos o estabelecimento do
Cristianismo por Constantino como a religião do Estado. Em vez de perseguir os
cristãos, ele os patrocina. A partir daí a queda da igreja avança rapidamente.
Sua aliança profana com o mundo resultou em sua mais triste e profunda queda.
Foi então que ela perdeu o verdadeiro sentido de sua relação com Cristo no Céu,
e de seu caráter como peregrina e estrangeira na Terra. Período: do começo do
quarto século até o sétimo século, quando o papado foi estabelecido*.
• Tiatira: Em Tiatira vemos o papado da idade
média, em semelhança à Jezabel, praticando todo o tipo de maldade, e
perseguindo os santos de Deus, sob o disfarce de zelo religioso. No entanto,
havia um remanescente temente a Deus em Tiatira, a quem o Senhor conforta com a
brilhante esperança de Sua vinda, e com a promessa de poder sobre as ações,
quando o próprio Senhor reinará. Mas a palavra de exortação ao remanescente é: "Mas
o que tendes, retende-o até que eu venha"(Apocalipse 2:25). Período: do
estabelecimento do papado até a vinda do Senhor. Este período vai até o fim,
mas é caracterizado pela idade das trevas (idade média).
• Sardes: Aqui vemos a parte Protestante da
Cristandade que surgiu após a grande Reforma. As características falhas do
papado desaparecem, mas o novo sistema não tem vida em si mesmo. "Tens
nome de que vives, e estás morto" (Apocalipse 3:1). Mas há, ainda,
verdadeiros santosdentro desses sistemas sem vida, e Cristo conhece a todos.
"Mas também tens em Sardes algumas pessoas que não contaminaram suas
vestes, e comigo andarão de branco; porquanto são dignas disso"
(Apocalipse 3:4). Período: do século XVI até hoje. Período marcado pelo início
do Protestantismo após a Reforma.
• Filadélfia: A igreja da Filadélfia
apresenta um remanescente fraco, porém fiel à palavra e ao nome do Senhor
Jesus. O que os caracterizava era o fato de guardarem a palavra da paciência de
Cristo, e de não negarem Seu nome. A condição deles não era marcada por
qualquer exibição de poder, nem de coisa alguma grande externamente, mas de uma
próxima, íntima e pessoal comunhão com o Senhor. Ele está no meio deles como o
Santo e o Verdadeiro, e é representado como sendo o dono da casa. Ele possui
"a chave de Davi". Os tesouros da palavra profética estão disponíveis
para aqueles que estão dentro. Eles estão também desfrutando de Sua paciência,
e na expectativa de Sua vinda. "Como guardaste a palavra da minha
paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo
o mundo, para tentar os que habitam na terra." Período: especialmente a
partir da primeira parte do século XIX.
• Laodiceia: Em Laodiceia temos mornidão -
indiferença, latitudinarismo** ou ecumenismo - mas com altas pretensões, um
espírito arrogante, e grande auto-suficiência. Este é o último estado daquela
que leva o nome de Cristo sobre a Terra. Mas, que lástima! Isso é intolerável
para Ele. Sua condenação final é chegada. Tendo separado, para Si mesmo, cada
verdadeiro crente das corrupções da Cristantade, o Senhor os vomita de Sua
boca. Aquilo que deveria ter sido doce a Seu paladar se tornou enjoativo, e é
lançado fora para sempre. Período: começando quase em paralelo ao período de
Filadélfia, mas especialmente próximo à cena final. Está ativa no período em
que vivemos agora.
Tendo
assim tomado uma visão geral das sete igrejas, devemos agora nos esforçar, com
a ajuda do Senhor, a traçar brevemente estes diferentes períodos da história da
igreja. Nosso propósito é examinar mais detalhadamente cada uma das sete
epístolas enquanto avançamos com nosso estudo para que possamos verificar, à
luz da Palavra, os diferentes períodos por elas referidos, e o quanto os fatos
da história da igreja ilustram a história apresentada nas Escrituras nesses
dois capítulos. Que o Senhor possa nos guiar, para o refrigério e bênção de
Seus queridos.
(*
O título "Papa" foi primeiramente adotado por Higino no ano de 139, e
o Papa Bonifácio III induziu Focas, Imperador do Leste, a concedê-lo ao prelado
de Roma em 606. Ainda com a conivência de Focas, a supremacia do papa sobre a
igreja cristã foi estabelecida - Dicionário de Dados de Haydn)
Nota: latitudinarismo
é uma seita inglesa que sustenta a máxima tolerância religiosa e a doutrina de
que todos os homens se salvarão. Similar ao universalismo.
A PEDRA DO FUNDAMENTO
Ao
iniciar o estudo de qualquer assunto, é bom que se conheça seus princípios - a
intenção ou plano original, e o primeiro passo em sua história. Temos tais
princípios da maneira mais clara e completa, em relação à igreja, nas Sagradas
Escrituras. Lá temos, não somente a intenção original, mas os planos e
especificações do grande Construtor, e o início da história do trabalho de Suas
próprias mãos. O fundamento foi colocado, e o trabalho estava em andamento, mas
o próprio Senhor era ainda o único Construtor: portanto, a este tempo, tudo era
real e perfeito.
No
final da dispensação dos judeus, o Senhor acrescentou o remanescente salvo de
Israel à recém-formada igreja. No entanto, no final da presente dispensação - a
dispensação da graça, ou dos cristãos - Ele levará todos os que creem em Seu
nome para o Céu em corpos glorificados. Nenhum dos que pertencem à igreja serão
agregados à congregação dos santos do milênio. "Porque o mesmo Senhor
descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e
os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos
vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor
nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor." (1 Tessalonicenses
4:16-17).
Este
será o feliz fechamento da história da igreja na Terra - a verdadeira esposa de
Cristo: os mortos ressuscitarão, os vivos serão transformados, e todos, em
corpos glorificados, arrebatados juntamente nas nuvens para se encontrarem com
o Senhor nos ares. Assim temos todo o limite da igreja definido, e todo o
período de sua história diante de nós. Retornemos, porém, ao alvorecer de seu
dia na Terra.
Sob
a figura de um edifício, o Senhor introduz, pela primeira vez, o assunto acerca
da igreja. E tão infinitamente precisas são Suas palavras, que podemos
adotá-las como o texto, ou lema, de toda sua história. Elas têm sustentado os
corações e esperanças de Seu povo em todas as eras, e em todas as
circunstâncias, e serão sempre o baluarte da fé. O que pode ser mais bendito,
mais tranquilizador, mais apascentador, que estas palavras? "SOBRE ESTA PEDRA EDIFICAREI A MINHA
IGREJA, E AS PORTAS DO INFERNO NÃO PREVALECERÃO CONTRA ELA."
Em Mateus 16, o Senhor questiona Seus
discípulos acerca do que andavam dizendo os homens sobre Ele. Isto leva à
confissão de Pedro, e também à graciosa revelação do Senhor referente à Sua
igreja. Pode ser interessante transcrever toda a conversa para nossas páginas,
pois nos leva diretamente ao nosso assunto.
"E,
chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe, interrogou os seus discípulos,
dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem? E eles disseram: Uns, João
o Batista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou um dos profetas. Disse-lhes
ele: E vós, quem dizeis que eu sou? E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo. E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado
és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai,
que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra
ela." (Mateus 16:13-18)
Aqui
temos as duas principais coisas que estão conectadas ao edifício proposto - a
Pedra do Fundamento* e o divino Construtor. "Sobre esta pedra edificarei a
Minha igreja". "Mas, quem é, ou o que é, 'a pedra'?", alguns
poderiam questionar. Claramente, a resposta é: a confissão de Pedro; não o próprio
Pedro, como ensina a apostasia. Verdadeiramente, ele era uma pedra - uma pedra
viva no novo templo; "Tu és Pedro" - tu és uma pedra. Mas a revelação
do Pai, por Pedro, da glória da Pessoa de Seu Filho, é o fundamento sobre a
qual a igreja é edificada - "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". A
glória e a Pessoa do Filho ressurreto é a verdade revelada aqui. "To não
revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus". Imediatamente
após a confissão de Pedro, o Senhor dá a entender Sua intenção em edificar Sua
igreja, e afirma sua segurança eterna. "Sobre esta pedra edificarei a
minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela."
Ele
mesmo, a fonte da vida, não podia ser vencido pela morte. Mas, ao morrer como o
grande Substituto pelos pecadores, Ele triunfou sobre a morte e a sepultura, e
está vivo para sempre, como disse ao apóstolo João após Sua ressurreição:
"E [sou] o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o
sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno."(Apocalipse 1:18).
Quão majestosas e triunfantes são estas palavras! São palavras de um
conquistador - de Alguém que tem poder, mas um poder sobre as portas do hades-
o lugar dos espíritos separados de seus corpos. As chaves - símbolo de
autoridade e poder - estão penduradas em Seu cinto. O golpe da morte pode cair
sobre um cristão, mas o aguilhão dela se foi. Ela, agora, vem como uma
mensageira de paz para conduzir o cansado peregrino para o descanso eterno da
casa celestial. A morte não é mais mestre, mas sim serva do cristão.
"Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso; seja Paulo,
seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o
presente, seja o futuro; tudo é vosso, e vós de Cristo, e Cristo de Deus"
(1 Coríntios 3:21-23)
A
Pessoa de Cristo, então, o Filho do Deus vivo - em Sua ressurreição e glória -
é o fundamento, o sólido e imperecível fundamento, sobre a qual a igreja é
edificada. Como vivo dentre os mortos, Ele comunica vida em ressurreição a
todos que são edificados nEle como a verdadeira pedra do fundamento. Pedro
deixa isto claro em sua primeira Epístola: "E, chegando-vos para ele,
pedra viva... sois vós também quais pedras vivas, edificados como casa
espiritual" (1 Pedro 2:4-5). E mais adiante, no mesmo capítulo ele diz:
"E assim para vós, os que credes, é preciosa", ou "uma
honra", em outras versões (1 Pedro 2:7). Que possamos entender essas duas
preciosas verdades em conexão com nossa "Pedra do Fundamento" - a
vida divina e a preciosidade divina. Ambas são dadas e se tornam posse de todos
os que colocam sua confiança em Cristo. "Chegando-vos a Ele", não a
qualquer outra coisa; é à Pessoa de Cristo que devemos ir, e com a qual devemos
estar ligados. Sua vida - vida em ressurreição - se torna nossa. A partir desse
momento, Ele é nossa vida. "Chegando-vos para ele, pedra viva... sois vós
também quais pedras vivas, edificados como casa espiritual". A própria
vida de Cristo, como o Homem ressuscitado, e tudo o que é Sua herança é também
nossa. Oh, que surpreendente, maravilhosa e bendita verdade! Quem não
desejaria, acima de todas as coisas, essa vida, e essa vida além do poder da
morte - além das portas do hades? Uma vitória eterna está gravada na vida
ressurreta de Cristo, que não pode nunca mais ser testada; esta é a vida do
crente.
Porém,
há mais que vida para cada pedra viva no templo espiritual. Há também a
preciosidade de Cristo. "E assim para vós, os que credes, é
preciosa". Portanto, do mesmo modo como a vida de Cristo se torna nossa
quando cremos nEle, assim também é Sua preciosidade. O princípio é o mesmo para
ambos. A vida pode ser vista como nossa capacidade de desfrutar, e a
preciosidade, como nosso título de possessão e herança nas alturas. Suas
honras, tútilos, dignidades, privilégios, possessões, glórias, são nossas - tudo
é nosso nEle. "Para aqueles que creem Ele é a preciosidade". Que
pensamento maravilhoso! "Ele amou a igreja, e a si mesmo se entregou por
ela" (Efésios 5:25). Tal é nossa Pedra do Fundamento, e tal a
bem-aventurança de todos os que estão sobre a Rocha. Assim como Jacó, sendo
peregrino e estrangeiro, descansou sobre a pedra no deserto, e todo o panorama
das riquezas celestiais em graça e glória passaram diante dele (Gênesis 28).
PEDRA PRINCIPAL DA ESQUINA
(Ef.2:20 e 1Pe 2:6)
Pedra
principal da esquina, ou pedra do fundamento. Do grego lithos akrogoniaios:
pedra pertencente à esquina (extremo canto), ou pedra principal (aparece em
Efésios 2.20 e 1 Pedro 2.6). Do hebraico eben pinnah: pedra angular, ou
principal da esquina (aparece em Isaías 28:16 e Salmo 118:22). (Dicionário
Strong de Grego e Hebraico) )
CRISTO, O ÚNICO CONSTRUTOR DE SUA IGREJA
Cristo,
porém, é também o Construtor de Sua igreja. O edifício contra o qual nenhuma
artimanha ou poder do inimigo poderia jamais prevalecer é a própria obra de Cristo,
embora muitas vezes lemos sobre outros edificadores que participaram dela.
"Sobre esta pedra edificarei a Minha igreja". É bom ser claro nesse
ponto para que não confundamos o que o homem edifica com o que Cristo edifica.
Isto pode trazer uma imensa confusão para a mente, tanto em relação à verdade
de Deus quanto ao presente estado da Cristandade, a menos que a distinção entre
elas seja claramente entendida. Não há a nada mais importante do que notar que
aqui é Cristo o único Construtor de Sua igreja, apesar de Paulo, Apolo e todos
os verdadeiros evangelistas terem sido pregadores que levaram pecadores a crer.
A obra do Senhor nas almas dos crentes é perfeita. É uma obra real, espiritual
e pessoal. Por meio de Sua graça em seus corações eles vão até Ele, como a uma
pedra viva, e são edificados sobre Ele que está ressurreto dentre os mortos.
Eles provaram que o Senhor é gracioso. Assim são as pedras vivas com as quais o
Senhor edifica Seu templo santo, e as portas do inferno nunca poderão
prevalecer contra isto. Assim, o próprio Pedro, e todos os apóstolos, e todos
os crentes são edificados como uma casa espiritual. Quando Pedro fala desse
edifício em sua primeira epístola, ele não diz nada sobre ele mesmo ser um
construtor. Aqui Cristo é o Construtor. É a obra dEle, e dEle somente.
"Edificarei a Minha igreja", disse Ele.
Vejamos
agora, a partir da Palavra de Deus, o que o homem edifica, que materiais usa, e
o modo como trabalha. Em 1 Coríntios 3 e 2 Timóteo 2 temos isto diante de nós.
"Uma grande casa" é levantada pela instrumentalidade humana: que, de
certo modo, é também a igreja, e a casa de Deus, como lemos em 1 Timóteo 3:15da
"casa de Deus, a igreja do Deus vivo". É também chamada de casa de
Cristo em Hebreus 3, "a qual casa somos nós". Mas a casa em breve se
tornou tristemente corrompida pela fraqueza e maldade humana.
A
autoridade da Palavra de Deus foi deixada de lado por muitos, e a vontade do
homem se tornou de máxima importância. O efeito da filosofia humana nas simples
instituições de Cristo foi rápida e dolorosamente manifesta. Porém madeira,
feno e palha nunca poderiam ser "bem ajustados" com o ouro, a prata e
as pedras preciosas. A casa se tornou grandiosa no mundo, assim como a árvore
de mostarda, em cujos galhos se encontra uma inconveniente morada para toda
"ave imunda e odiável". A conexão com a "grande casa" dá ao
homem um status no mundo, muito diferente do Mestre, que foi desprezado e
rejeitado. O arquebispo está ao lado da realeza. Mas a igreja professa não é
apenas exteriormente grande, sendo ainda mais pretensiosa ao tentar colocar o
selo de Deus sobre sua própria obra ímpia. Essa é sua maior perversidade, e a
fonte de sua cegueira, confusão e mundanismo.
Paulo,
como um homem escolhido pelo Senhor para Sua obra, lançou os alicerces do"edifício
de Deus" em Corinto, e outros edificaram sobre ele. Mas nem todos
edificaram com material divino. O fundamento correto estava posto, e cada um
deveria ver como edificava sobre ele. Em conexão com o verdadeiro fundamento,
alguns podiam edificar com ouro, prata e pedras preciosas, e outros com
madeira, feno e palha. Isto é, alguns podiam ensinar a sã doutrina e procurar
por uma fé viva em todos os que desejassem entrar em comunhão, e outros podiam
ensinar doutrinas erradas e receber à comunhão da igreja pessoas nas quais não
havia fé verdadeira, mas sim a mera observância externa de ordenanças. Aqui a
instrumentalidade, responsabilidade e falha do homem entram. No entanto, o
próprio edificador pode ser salvo pela fé em Cristo, todavia sua obra é destruída.
Mas
há ainda uma outra e pior classe de edificadores, que corrompe o templo do
Senhor, e são eles mesmos destruídos. Citamos aqui, para a conveniência do
leitor, a passagem integral. Nada poderia ser mais claro. "Segundo a graça
de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro
edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode
pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. E, se
alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras
preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade o
dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a
obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse
receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o
tal será salvo, todavia como pelo fogo... Se alguém destruir o templo de Deus,
Deus o destruirá." (1 Coríntios 3:10-17)
Podemos
ainda observar nas palavras do Senhor, "sobre esta pedra edificarei a
Minha igreja", que Ele não havia começado a construir ainda: Ele está
dizendo aos discípulos o que Ele ainda iria fazer. Ele não diz que já a
edificou, ou que a está edificando, mas que irá edificá-la. Isto ele começou a
fazer no dia de Pentecostes.
Mas
há uma outra verdade ainda mais intimamente conectada com a história da igreja,
e ligada à sua condição e caráter na Terra, que devemos observar antes de
darmos prosseguimento à sua real história. Referimo-nos à verdade contida na expressão:
"As chaves do reino dos céus".
AS CHAVES DO REINO DOS CÉUS
Isso
nos leva à já mencionada "grande casa" da profissão de fé cristã
meramente externa. No entanto, devemos ter em mente que, apesar de intimamente
conectados, o reino dos céus e a grande casa referem-se a coisas um tanto
distintas. O mundo pertence ao Rei. "O campo é o mundo". Seus servos
devem ir a semear. Como resultado, temos "uma grande casa", ou
Cristandade.
Os
termos "igreja", "reino dos céus", e "grande
casa" são bíblicos, e diferem um pouco em seus significados, como usados
pelo Senhor e Seus apóstolos. O termo "minha igreja", como usado pelo
Senhor, engloba apenas membros vivos e verdadeiros. O pensamento principal da
expressão "reino dos céus" claramente se refere à autoridade do
Senhor tendo ascendido às alturas. Todos os que professam sujeição a Ele
pertencem a esse reino. Na "grande casa" vemos o mal em atividade,
infiltrado no corpo professante por meio das falhas do homem, resultando em sua
co-existência com o reino dos céus e com a igreja professante. Mas há ainda
outro termo usado constantemente, e que não é encontrado nas Escrituras - a
Cristandade. Trata-se de um termo eclesiástico, e originalmente indicava todos
os que foram cristianizados, ou aquelas porções do mundo em que o Cristianismo
prevalecia, distinguindo-as das terras pagãs ou maometanas. Mas agora, essa
palavra tem sido usada como sinônimo dos outros três termos já mencionados. De
modo geral, os quatro termos são usados para se referir à mesma coisa, apesar de
serem originalmente diferentes em seu significado e aplicação. Mas onde não há
confusão hoje em dia?
Porém,
quando tudo aquilo que é meramente nominal na Cristandade for varrido pelo
juízo de Deus, o reino será estabelecido em poder e glória. Esse será o
milênio.
Enquanto
ainda falava com Pedro sobre a igreja, o Senhor acrescentou: "E eu te
darei as chaves do reino dos céus". A igreja sendo construída por Cristo,
e o reino dos céus sendo aberto por Pedro, são coisas muito diferentes. É um
dos grandes porém comuns erros da Cristandade usar os termos como sinônimos,
como se significassem a mesma coisa. Escritores teológicos de todas as eras, ao
assumir que eles são iguais, escreveram sobre a igreja e o reino da maneira
mais confusa possível. A menos que tenhamos algum conhecimento dos modos
dispensacionais de Deus, não poderíamos jamais manejar, ou dividir, bem Sua
palavra (2 Timóteo 2:15). Não podemos confundir aquilo que o próprio Cristo
edifica com aquilo que o homem edifica instrumentalmente, por meio de coisas
como pregação e batismo. A igreja que é o corpo de Cristo é edificada sobre a
confissão de que Ele é o Filho do Deus vivo, glorificado em ressurreição. Cada
verdadeira alma convertida deve tratar com o próprio Cristo antes de ter algo a
falar à igreja. O reino é algo muito mais amplo, e se aplica a cada pessoa
batizada - isto é, todo o cenário da profissão cristã, seja ela verdadeira ou
falsa.
Cristo
não diz a Pedro que lhe daria as chaves da igreja ou as chaves dos céus. Se o
tivesse feito, poderia realmente haver algum motivo para o sistema maligno do
papado. Mas Ele simplesmente diz: "Te darei as chaves do reino dos
céus" - isto é, de uma nova dispensação. Chaves, como já foi dito, não
servem para construir templos, mas para abrirem portas, e o Senhor concedeu a
Pedro a honra de abrir a porta do reino, primeiramente aos judeus (Atos 2), e
depois aos gentios (Atos 10). Mas a linguagem que Cristo utiliza ao falar de
Sua igreja é de uma outra ordem. É simples, bonita, enfática e inconfundível.
"Minha igreja". Que profundidade, que plenitude há nessas palavras.
"Minha igreja"! Quando o coração encontra-se em comunhão com Cristo
em relação à Sua igreja, existe uma compreensão de Suas afeições que palavras
não têm o poder de expressar. Mas assim como são, gostamos de ponderar nestas
duas palavras, "Minha igreja!", mas quem pode falar do quanto do
coração de Cristo que está aí revelada? Novamente, pense nessas outras duas
palavras: "Esta pedra", como se Ele tivesse dito: "A glória da
Minha Pessoa, e o poder da Minha vida em ressurreição formam o sólido
fundamento da 'Minha igreja'". E de novo: "Eu a edificarei".
Vemos, assim, nessas sete palavras, que tudo está nas próprias mãos de Cristo,
pois Ele é a "cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos."(Efésios 1:23)
A ABERTURA DO REINO DOS CÉUS
O
Senhor, de maneira especial, concedeu a Pedro a administração do reino, como
vemos nos primeiros capítulos de Atos. O termo é tirado do Antigo Testamento
(vejaDaniel 2 e 7). No capítulo 2, temos o reino; no capítulo 7, temos o Rei. A
frase "reino dos céus" aparece apenas no Evangelho de Mateus, no qual
o evangelista escreve principalmente para Israel.
A
vinda do reino dos céus em poder e glória à Terra, na Pessoa do Messias, era a
natural expectativa de todo judeu fiel. João Batista, como precursor do Senhor,
apareceu pregando que o reino dos céus estava próximo.
Mas,
em vez de receberem o Messias, os judeus O rejeitaram e crucificaram. Consequentemente,
o reino, de acordo com as expectativas judaicas, foi deixado de lado. No
entanto, ele foi introduzido de uma outra forma. Quando o rejeitado Messias
ascendeu ao Céu, e tomou Seu lugar à direita de Deus, triunfante sobre todos os
inimigos, o reino dos céus começou. Agora o rei está no Céu, e como Daniel diz,
"o Céu reina", embora não abertamente. E, a partir do tempo em que
Ele subiu até Seu retorno, este é o reino em mistério (Mateus 13). Quando Ele
voltar novamente em poder e grande glória, será o reino manifesto. A Pedro foi
dado o privilégio de abrir esse reino para ambos judeus e gentios. Isto foi
feito em sua pregação aos judeus, em Atos 2, e em sua pregação aos gentios, em
Atos 10. Mas, novamente, devemos prestar atenção ao fato de que a igreja de
Deus e o reino dos céus não são a mesma coisa. Sejamos claros, para começar,
quanto a este ponto fundamental. A identificação falha das duas coisas têm
produzido grande confusão de ideias e pode ser vista como a origem do puseísmo(Movimento
ritualista que visava a aproximar do catolicismo a igreja anglicana), do
papado, e de todo o sistema humano da Cristandade. Os comentários da próxima
seção sobre a parábola do joio tratam diretamente desse assunto, apesar de se
referirem a um período posterior ao dos primeiros capítulos de Atos.
A PARÁBOLA DO JOIO
"Mateus
13:24,25. 'Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O reino dos céus é semelhante
ao homem que semeia a boa semente no seu campo; Mas, dormindo os homens, veio o
seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e retirou-se' - isso é exatamente
no que se tornou a profissão cristã. Há duas coisas necessárias para a invasão
do mal entre os cristãos. A primeira é falta de vigilância dos próprios
cristãos. Eles se tornam descuidados, dormem, e o inimigo vem e semeia joio.
Isto começou a acontecer logo no início da história da Cristandade. Encontramos
essas sementes mencionadas até no livro de Atos dos Apóstolos, e cada vez mais
nas Epístolas. A Primeira Epístola aos Tessalonicenses é a primeira que o
apóstolo Paulo escreveu, e a segunda foi escrita pouco tempo depois. E nesta
ele já fala que o mistério da iniquidade ja operava, e que se seguiriam outras
coisas, como a apostasia e o homem do pecado, e que, quando a impiedade fosse
plenamente manifesta (e não como opera agora, em segredo), então o Senhor colocaria
um fim no iníquo e em todos os envolvidos com ele. O mistério da iniquidade
parece ser semelhante ao joio mencionado aqui. Algum tempo depois, 'quando a
erva cresceu e frutificou', quando o cristianismo começou a avançar rapidamente
sobre a Terra, 'então apareceu também o joio'. Mas é evidente que o joio foi
semeado quase imediatamente depois da boa semente. Sempre que Deus realiza uma
obra, Satanás fica no pé. Quando o homem foi feito, ele deu ouvidos à serpente
e caiu. Quando Deus deu a lei, ela foi quebrada antes mesmo de ser entregue nas
mãos de Israel. Assim é sempre a história da natureza humana. "
"Assim
o mal está feito no campo, e nunca reparado. O joio não deve ser retirado do
campo no tempo presente: não há juízo para ele por enquanto. Isso significa que
deve haver joio na igreja? Se o reino dos céus fosse a mesma coisa que a igreja
não deveria haver nenhum tipo de disciplina: deveríamos permitir a imundície da
carne ou do espírito ali. Eis a importância de saber distinguir a igreja do reino.
O Senhor proíbe que o joio seja tirado do reino dos céus: 'Deixai crescer ambos
juntos até à ceifa' (Mateus 13:30), isto é, até que o Senhor venha em juízo. Se
o reino dos céus fosse a mesma coisa que a igreja, repito, então implicaria em
nada menos que isso: que nenhum mal, seja ele flagrante ou simples, deveria ser
colocado para fora da igreja {*no sentido de assembleia local em seu caráter
terreno, uma vez que não é possível perder a salvação e ser tirado do corpo de
Cristo. Ver http://aguapelapalavra.blogspot.com/2013/01/a-posicao-e-o-estado-do-crente.html}
até o dia do juízo. Vemos, então, a importância da fazer essas distinções que
tantos desprezam. Elas são totalmente importantes para a verdade e santidade.
Não existe nem mesmo uma única expressão na Palavra de Deus que possamos ignorar.
"Qual
é, então, o significado dessa parábola? Não tem nada a ver com a questão da
comunhão da igreja. É do 'reino dos céus' que é falado aqui - o cenário da
confissão cristã, seja verdadeira ou falsa. Assim gregos, coptas, nestorianos,
católicos romanos, assim como evangélicos protestantes fazem parte do reino dos
céus; não apenas os crentes, mas também as más pessoas que professam o nome de
Cristo. Um homem que não é judeu nem pagão, e que professa exteriormente o nome
de Cristo, está no reino dos céus. Ele pode até ser muito imoral e herege, mas
não deve ser tirado do reino dos céus. Mas, seria correto recebê-lo à mesa do
Senhor? Deus o proíbe! Se uma pessoa caída em pecado aberto estiver na
assembleia, deve ser colocado para fora dela, mas não será colocada para fora
do reino dos céus. De fato, isto só poderia ser feito tirando sua vida,
arrancando o joio pela raiz. E é nisto que o cristianismo mundano caiu, em um
espaço de tempo não muito longo após os apóstolos partirem da Terra. Punições
temporais foram introduzidas para disciplina: leis foram criadas com o
propósito de entregar o refratário para o poder civil. Se não honrassem a assim
chamada igreja, aos desobedientes não seria permitido viver. Deste modo, o mesmo
mal contra o qual o Senhor estivera protegendo seus discípulos continuou; o
Imperador Constantino usou a espada para reprimir os ofensores da
"igreja". Ele e seus sucessores introduziram penas temporais para
lidar com o joio, tentando arrancá-los. Tome a "igreja" de Roma, onde
vemos tamanha confusão entre a igreja e o reino dos céus: eles clamavam que, se
um homem for herege, deveria ser entregue às cortes do mundo para ser queimado.
Eles também nunca confessam ou corrigem o erro, pois fingem ser infalíveis.
Supondo que as vítimas fossem realmente joio, isto seria tirá-los do reino. Se
você arranca o joio do campo, você o mata. Podem haver homens lá fora
profanando o nome de Deus, mas devemos deixar que Deus lide com eles."
"Isso não anula
a responsabilidade cristã referente àqueles que estão à mesa do Senhor. Você
encontrará instruções sobre tudo isso no que foi escrito sobre a igreja. 'O
campo é o mundo', a igreja engloba apenas aqueles que acredita-se serem membros
do corpo de Cristo. Tomemos 1 Coríntios, onde temos o Espírito Santo mostrando
a verdadeira natureza da disciplina eclesiástica. Suponhamos que haja cristão
professos vivendo na prática do pecado; tais pessoas não devem ser
consideradas, enquanto continuarem no pecado, como membros do corpo de Cristo.
Um verdadeiro santo pode cair em pecado aberto, mas a igreja, sabendo disto, é
responsável por intervir com o propósito de expressar o juízo de Deus sobre o
pecado. Se deliberadamente permitissem tais pessoas a estar à mesa do Senhor,
estariam efetivamente fazendo do Senhor cúmplice do pecado. A questão não é se
a pessoa é convertida ou não. Se não convertidos, os homens não têm nada a ver
com a igreja, e se convertidos, o pecado não deve ser ignorado. O culpado não deve
ser tirado do reino dos céus, mas deve ser colocados para fora da assembleia
(igreja local). Assim, o ensinamento da palavra de Deus é muito clara sobre
essas duas verdades. É errado usar de punições do mundo para lidar com um
hipócrita, mesmo que ele seja detectado. Devemos procurar o bem de sua alma,
mas isso não é motivo para puni-lo. No entanto, se um cristão está em pecado, a
igreja não deve suportá-lo, apesar de ser exortada a ser paciente no juízo. Mas
devemos deixar os não convertidos para serem julgados pelo Senhor em sua vinda.
"
"Este
é o ensinamento da parábola do joio, que fornece uma visão muito solene da
Cristandade. Assim como o Filho do homem semeou a boa semente, Seu inimigo
semeou a má, que cresceu junto com o resto, e este mal não pode ser arrancado
no momento presente. Existe uma solução para o mal que entra na igreja, mas não
ainda para o mal no mundo."(Trecho
retirado dos Estudos sobre o Evangelho de Mateus, de William Kelly)
É
perfeitamente claro, tanto das Escrituras quando da história, que o grande erro
no qual caiu o corpo professante é a confusão quanto a essas duas coisas - o
joio e o trigo; ou, de maneira prática, aqueles que foram admitidos, pela
administração do batismo, a possuir todos os privilégios oficiais e temporais
da igreja professa com aqueles que realmente se converteram e foram ensinados
por Deus. Mas a vasta diferença entre o que podemos chamar de sistema
sacramental e sistema vital deve ser claramente entendida e cuidadosamente
distinguida, se quisermos estudar a história da igreja corretamente.
Outro
erro, igualmente sério, segue como consequência. O grande e professo corpo se
tornou, aos olhos e na linguagem dos homens, a "igreja". Homens
piedosos foram atraídos por essa armadilha, de modo que a distinção entre a
igreja e o reino foi, muito cedo, perdida de vista. Todos os lugares e
privilégios mais sagrados da igreja professa foram, então, compartilhados tanto
por pessoas piedosas quanto por ímpios. A Reforma falhou completamente em
limpar a igreja dessa triste mistura, que tem sido transmitida a nós por
sistemas como os Anglicanos, Luteranos e Presbiterianos, como fica claro pela
forma do batismo. Em nossos dias, o sistema sacramental prevalece em um nível
alarmante, e cresce rapidamente. O real e o formal, o vivo e o morto, são
indistinguíveis nas várias formas do protestantismo. Infelizmente, e como isso
é sério, há muitos na igreja professa - no reino dos céus - que nunca entrarão
no Céu propriamente dito. Aqui encontramos tanto joio como trigo, servos maus e
fiéis, virgens néscias e sábias. Embora todos os que foram batizados são
contados no reino dos céus, apenas aqueles que forem vivificados e selados com
o Espírito Santo pertencem à igreja de Deus.
Mas
há ainda outra coisa ligada à igreja professa que exige um breve estudo aqui. É
o princípio divino do governo na igreja, sobre o qual falaremos no próximo
capítulo.
O PRINCÍPIO DIVINO DO GOVERNO NA IGREJA
Deus
não apenas dá a Pedro as chaves que poderiam abrir as portas da nova
dispensação, mas também lhe confia sua administração interna. Esse princípio é
totalmente importante no que tange à
igreja de Deus. As palavras da comissão são estas: "E tudo o que ligares
na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado
nos céus." A questão é, o que estas palavras significam? Claramente cremos
que é a autoridade e o poder do Senhor a ser exercitada na igreja, porém
limitada, em seu resultado, a este mundo. Não há nas palavras do Senhor
pensamentos sobre a igreja decidindo qualquer coisa nos céus. Esta é a falsa
interpretação e o poder nefasto da apostasia. A igreja na terra pode não ter
nada a dizer ou fazer sobre o que é feito nos céus no que diz respeito a ligar
e desligar. A esfera de sua ação está dentro de seus próprios limites e, quando
feita de acordo com a comissão de Cristo, há a promessa da ratificação nos
céus.
Também
não há aqui qualquer pensamento sobre a igreja, ou qualquer de seus oficiais,
estando no papel de intermediários entre uma alma e Deus no que diz respeito ao
perdão eterno ou juízo eterno. Essa é a ousada blasfêmia de Roma. "Quem
pode perdoar pecados, senão Deus?" Ele reserva esse poder somente a Ele
mesmo. Além disso, os indivíduos que estão sujeitos ao governo da igreja já são
perdoados, ou, ao menos, têm direito ao perdão. "Não julgais vós os que
estão dentro?" Isto apenas se aplica àqueles que estão dentro dos limites
da igreja. "Mas Deus julga os que estão fora" (1 Coríntios 5:12-13).
De cada crente no amplo campo da Cristandade é dito: "Porque com uma só
oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados." (Hebreus.10:14).
Assim, a retenção ou remissão dos pecados por parte da igreja vale apenas para
o tempo presente, e é estritamente administrativa em seu caráter. É o princípio
divino de receber pessoas na assembleia de Deus {*aqui no sentido da igreja de
Deus, e não de uma denominação que possa levar esse nome}, com base no
testemunho adequado de suas conversões, solidez na doutrina e santidade de
vida; e também de colocar para fora os ofensores impenitentes até que sejam
restaurados pelo verdadeiro arrependimento.
Mas
alguns de nossos leitores podem ter a comum impressão de que esse poder foi
dado apenas a Pedro e ao resto dos apóstolos, e consequentemente deixou de
existir após eles. Isto é um erro. Realmente, isso foi dado a Pedro em primeira
instância, como já vimos, e sem dúvida um poder maior foi exercitado durante os
dias dos apóstolos como nunca foi visto depois, mas não havia uma autoridade
maior. A igreja possui a mesma autoridade agora, em relação à disciplina na
assembleia, embora com menos poder. A palavra do Senhor permanece intacta.
Apenas um apóstolos, nós cremos, poderia falar como Paulo falou em 1 Coríntios
5: "Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, juntos vós e o meu espírito,
pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo, seja, este tal, entregue a Satanás
para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor
Jesus."
Isto
era poder espiritual em um indivíduo, e não o julgamento da igreja {* ver nota
de rodapé}. O mesmo apóstolo, em referência ao mesmo caso, diz à assembleia:
"Tirai pois dentre vós a esse iníquo." (1 Coríntios 5:13). O ato de
tirar foi o ato, não somente do apóstolo, mas de toda a assembleia. Nesse caso,
e dessa maneira, os pecados da pessoa excomungada foram retidos, embora seja,
evidentemente, um homem convertido. Na Segunda Epístola, capítulo 2, o
encontramos totalmente restaurado. Seu arrependimento é aceito pela assembleia
e seus pecados são remidos. O transbordamento do coração do apóstolo nessa
ocasião, e suas exortações à igreja, são lições valiosas para todos os que
estão envolvidos com o governo da igreja, e se destinam a remover a terrível
desconfiança com a qual na maioria das vezes que os irmãos que erraram são
recebidos de volta aos privilégios da assembleia. "Basta-lhe ao tal esta
repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes
perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de
demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso
amor." (2 Coríntios 2:6-8). Aqui temos um caso pontual, ilustrativo do
governo da assembleia de acordo com a vontade de Cristo. "Tudo o que
ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que tu desligares na terra será
desligado nos céus".
"Entregar
a Satanás é um ato de poder; expulsar uma pessoa é um dever ligado à fidelidade
da assembleia. Sem dúvida, a exclusão da assembleia de Deus é algo muito sério
e nos deixa expostos à tristeza e vários transtornos vindos do inimigo. Mas
entregar diretamente a Satanás é um ato de poder positivo. Isso foi feito no
caso de Jó para seu bem. Também foi feito por Paulo em 1 Coríntios 5, embora
agindo no contexto de uma assembleia estabelecida, e para a destruição da
carne. E outra vez, sem referência à assembleia, em 1 Timóteo 1, quanto à
Himeneu e Alexandre, para que aprendessem a não blasfemar. Toda a disciplina é
para a correção do indivíduo, e também para a manutenção da santidade da casa
de Deus, e da pureza da consciência dos próprios santos" - trecho extraído
do livro Present Testimony, volume 1
ESSE PRINCÍPIO DO GOVERNO NA IGREJA AINDA É
APLICÁVEL
Mas
"como esses princípios podem ser realizados em nossos dias?" é ainda
a questão e a dificuldade de muitos. Bem, basta voltarmos à palavra de Deus.
Devemos ser capazes e dispostos a dizer: "Nada podemos contra a verdade,
senão pela verdade." (2 Coríntios.13:8)
A
autoridade e poder administrativos da qual falamos não foram dados apenas a
Pedro e aos outros apóstolos, mas também à igreja. Em Mateus 18 temos a
elaboração do princípio estabelecido no capítulo 16: "... dize-o à igreja;
e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano. Em
verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o
que desligardes na terra será desligado no céu... Porque, onde estiverem dois
ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles." (Mateus
18:17-20)
Assim
aprendemos que os atos de dois ou três reunidos ao nome de Cristo têm a mesma
aprovação divina que a administração de Pedro. E novamente, em João 20, o
Senhor ressurreto apresenta o mesmo princípio do governo aos discípulos, e não
apenas aos apóstolos, onde a assembleia está vividamente unida a Cristo como o
Homem ressuscitado. Isto é totalmente importante. O espírito da vida de Jesus
Cristo torna os discípulos livres - todos eles - da lei do pecado e da morte.
A
igreja é construída sobre "esta pedra" - Cristo em ressurreição, e as
portas do hades* não podem prevalecer contra ela. "Chegada, pois, a tarde
daquele dia, o primeiro da semana, e cerradas as portas onde os discípulos, com
medo dos judeus, se tinham ajuntado, chegou Jesus, e pôs-se no meio, e
disse-lhes: Paz seja convosco. E, dizendo isto, mostrou-lhes as suas mãos e o
lado. De sorte que os discípulos se alegraram, vendo o Senhor. Disse-lhes,
pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco; assim como o Pai me enviou, também eu
vos envio a vós. E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes:
Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados lhes são
perdoados; e àqueles a quem os retiverdes lhes são retidos." (João
20:19-23)
Podemos
dizer que aqui o Senhor estabelece e dá início à nova criação. Os discípulos
estão cheios e vestidos de paz, e com o Espírito da vida de Cristo Jesus. Eles
devem seguir adiante como Seus mensageiros, partindo de Seu túmulo vazio devido
à ressurreição, levando a bendita mensagem de paz e vida eterna a um mundo
inclinado ao pecado, à tristeza e à morte. O princípio de seu próprio governo
interno é também claramente estabelecido, e sua devida administração sempre
dará à assembleia cristã um caráter distintivo e celestial, tanto na presença
de Deus quanto na presença do homem.
O PRINCÍPIO DE RECEBER PESSOAS NO INÍCIO DA IGREJA
Como
o princípio apresentado é a base adequada para todas as reuniões cristãs, pode
ser interessante olhar por um momento para sua operação nos dias dos apóstolos.
Certamente eles entendiam seu significado e como aplicá-lo.
No
dia de Pentecostes, e algum tempo depois, não parecia que os jovens convertidos
eram submetidos a qualquer prova quanto à realidade de sua fé. "De sorte
que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia
agregaram-se quase três mil almas" (Atos 2:41). Assim, receber a palavra
já os colocavam no terreno do batismo e da comunhão; mas a obra estava, até então,
inteiramente nas próprias mãos de Cristo. "E todos os dias acrescentava o
Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar." (Atos 2:47). Podemos
também mencionar a tentativa de enganar os apóstolos por Ananias e Safira, que
foi detectada de imediato. Pedro age em seu lugar de direito, mas o Espírito
Santo estava lá em majestade e poder. Por isso ele diz a Ananias:
"Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao
Espírito Santo?" (Atos 5:3)
Mas
tal estado virgem das coisas logo acabou. A falha se instala - o Espírito Santo
foi entristecido, e tornou-se necessário examinar aqueles interessados em estar
em comunhão a fim de verificar se seus motivos, objetivos e estado de alma
estavam de acordo com a mente de Cristo. Estamos agora na condição das coisas
descrita em 2 Timóteo 2. Devemos estar em comunhão apenas com "os que, com
um coração puro, invocam o Senhor" (2 Timóteo 2:22).
Depois
que a igreja se tornou tão misturada com adeptos meramente nominais, um grande
cuidado tornou-se necessário ao receber pessoas à comunhão. Não é suficiente
que a pessoa diga que é convertida e exija admissão na assembleia com base em
suas próprias declarações: ela deve se submeter ao exame por parte de cristãos
experientes. Quando alguém professa ter sido despertado para a consciência do
pecado, e ter sido levado ao arrependimento diante de Deus, e fé no Senhor
Jesus Cristo, sua confissão deve ser examinada por aqueles que passaram, eles
próprios, pelos mesmos tipos de experiência. E mesmo onde a conversão é
manifestamente genuína, um cuidado piedoso e gentil deve ser exercido na
recepção, pois algo desonroso para Cristo, prejudicial e enfraquecedor para a
assembleia, pode acabar entrando, mesmo inconscientemente. É necessário
discernimento espiritual aqui. E esta é a mais verdadeira demonstração de
bondade para com o requerente, e nada mais do que um cuidado necessário para a
honra de Cristo e a pureza da comunhão. A comunhão cristã acabaria se pessoas
fossem recebidas com base apenas em suas próprias opiniões sobre elas mesmas.
Em
Atos 9 vemos esse princípio na prática no caso do próprio apóstolo Paulo. E,
certamente, se ele não podia ser aceito sem testemunho adequado, quem deveria
reclamar? É verdade que seu caso foi peculiar, porém ainda assim pode ser tomado
como uma ilustração prática do nosso assunto.
Encontramos
aqui tanto Ananias em Damasco, quanto a igreja em Jerusalém questionando a
realidade da conversão de Saulo, mesmo tendo sido miraculosa. É claro que ele
tinha sido um inimigo aberto do nome de Cristo, e isto deve ter tornado os
discípulos ainda mais cuidadosos. Ananias hesitou em batizá-lo até que
estivesse plenamente convencido de sua conversão. Ele consulta o Senhor sobre o
assunto, e depois de ouvir Sua vontade, ele vai diretamente a Saulo, e garante
a ele que foi enviado pelo mesmo Jesus que lhe tinha aparecido no caminho para
Damasco, confirmando a verdade sobre o que tinha acontecido. Saulo é
grandemente confortado, volta a ver, e é batizado.
Então,
sobre a ação da igreja em Jerusalém lemos: "E, quando Saulo chegou a
Jerusalém, procurava ajuntar-se aos discípulos, mas todos o temiam, não crendo
que fosse discípulo. Então Barnabé, tomando-o consigo, o trouxe aos apóstolos,
e lhes contou como no caminho ele vira ao Senhor e lhe falara, e como em
Damasco falara ousadamente no nome de Jesus."(Atos 9:26-27) Paulo é um
modelo de homem para a igreja em muitas coisas, e também nisso. Ele é recebido
na assembleia - como todos os requerentes deveriam ser recebidos - com base no
testemunho adequado quanto à genuinidade de seu cristianismo. Mas, enquanto
todo o cuidado piedoso deve ser tomado para que os "Simãos Magos"
{*ver Atos 8} possam ser detectados, toda a ternura e paciência devem ser
exercidas com os mais tímidos e hesitantes. De qualquer modo, a vida em Cristo
e a consistência com a mesma deve ser sempre procurada (Veja Rom 14, 15;...1
Cor 5 e 2 Cor 2). O caminho da igreja é sempre estreito.
O
papado tem demonstrado sua desesperada iniquidade no mau uso que tem feito da
prerrogativa da igreja de reter ou remir pecados, resultando em todas as
abominações da absolvição sacerdotal. O protestantismo tomou o outro extremo -
provavelmente temendo a própria aparência do papado - e tem praticamente posto
de lado completamente a disciplina. O caminho da fé, por outro lado, é somente
seguir a palavra do Senhor.
Tendo
sido, então, apurado o terreno dos grandes princípios fundamentais da igreja e
do reino, chegamos ao dia de Pentecostes - o primeiro momento da história da
igreja na Terra. A menos que entendamos os princípios do cristianismo, jamais
poderemos compreender sua história.
O DIA DE PENTECOSTES
A
festa judaica de Pentecostes pode ser chamada de dia do nascimento da igreja
cristã. Era também o aniversário da entrega da lei no Monte Sinai, embora
aparentemente não havia um dia observado pelos judeus para comemorar o evento.
Cinquenta dias depois da ressurreição de nosso Senhor a igreja foi formada -
deu-se início à sua história. Os santos do Antigo Testamento não fazem parte da
igreja do Novo Testamento. Ela não existia, de fato, até o dia de Pentecostes.
Todos
os santos, desde o início, possuem a mesma vida eterna, são filhos do mesmo
Deus e Pai, e o mesmo Céu será a casa deles para sempre. No entanto, os santos
do Antigo Testamento pertencem a outra dispensação* (isto é, uma maneira de
Deus tratar com o homem em uma determinada época), ou a diferentes dispensações
que ocorreram antes da vinda de Cristo. Cada dispensação tem sua própria
origem, progresso, declínio e queda nas Escrituras, e terá seu próprio reflexo
no Céu. Nem as pessoas nem as dispensações serão indistinguíveis lá.
Por
isso, o apóstolo em Hebreus 11, ao falar dos antigos santos, diz: "E todos
estes, tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa, provendo Deus
alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles sem nós não fossem
aperfeiçoados." (Hebreus 11:39-40). Certamente, se Deus proveu algo melhor
para nós, deve ser também algo diferente. Não vamos nos opor à própria palavra
de Deus. Além disso, nosso Senhor, em Mateus 16, diz: "Sobre esta pedra
edificarei a Minha igreja". E ao mesmo tempo, Ele deu as chaves para abrir
as portas da nova dispensação a Pedro. Até então Ele ainda não tinha começado a
edificar Sua igreja, e as portas do reino ainda não estavam abertas. Mas a
diferença entre o velho e o novo é vista mais distintamente quando falamos dos
grandes eventos do dia de Pentecostes. Vamos começar com os tipos, ou figuras,
de Levítico, capítulo 23.
Os
filhos de Israel eram ordenados a levar uma porção das primícias de suas colheitas
ao sacerdote, que deveria movê-las perante o Senhor, para que o povo fosse
aceito por Deus. Cremos que esse rito prefigurava a ressurreição de nosso
Senhor na manhã seguinte ao sábado judaico. A base da aceitação dos cristãos
diante de Deus é o Cristo ressuscitado. "Fala aos filhos de Israel, e
dize-lhes: Quando houverdes entrado na terra, que vos hei de dar, e fizerdes a
sua colheita, então trareis um molho das primícias da vossa sega ao sacerdote.
E ele moverá o molho perante o SENHOR, para que sejais aceitos; no dia seguinte
ao sábado o sacerdote o moverá." (Levítico 23:10-11) (Ver também Mateus 28
e Marcos 16)
Sete
semanas completas após o mover das primícias, a festa de Pentecostes era
celebrada. O primeiro era reconhecido como o primeiro dia da colheita na
Judeia, e no último supostamente o milho estaria completamente colhido. Então
eles faziam um festival solene de ações de graça. Dois pães feitos com a
farinha da nova colheita caracterizavam os festejos. Eles deviam ser assados
com fermento e tirados de suas casas. Alguns pensam que os dois pães
prefiguravam o chamado da igreja, sendo composta de judeus e gentios. Seja como
for, o número é significante. Duas testemunhas eram necessárias para prestar
testemunho em Israel. O fermento indica,
sem dúvidas, o pecado que habita no crente e, é claro, na igreja, vista em sua
atual condição terrena.
Como
o mover do feixe das primícias - uma bela figura do Cristo ressuscitado puro e
santo - sacrifícios de cheiro suave eram oferecidos, mas nenhum sacrifício pelo
pecado. Com o mover dos dois pães - figura daqueles que são de Cristo - uma
oferta pelo pecado era apresentada. Estando lá o pecado, era necessária uma
oferta para cobrí-lo. Embora o perfeito sacrifício de Cristo satisfez a Deus
tanto pelo pecado que habita no homem quanto pelos muitos pecados cometidos
durante a vida, ainda assim, na prática e na experiência, o pecado habita em
nós, e assim será enquanto estivermos neste mundo. Todos reconhecem isso,
embora nem todos possam ver a completude, a integridade, da obra de Cristo. O
cristão foi, por uma única oferta, feito perfeito para sempre, apesar de poder
se humilhar a si mesmo e fazer confissão a Deus por cada falha.
O
significado típico do Pentecostes foi notavelmente cumprido na descida do
Espírito Santo. Ele veio para reunir os filhos de Deus que andavam dispersos
(João 11:52). Por esse grande evento o sistema do judaísmo foi deixado de lado,
e um novo vaso de testemunho - a igreja de Deus - foi introduzido. Agora, vamos
observar a ordem dos eventos, começando pela ressurreição e ascensão de Cristo.
A RESSURREIÇÃO E ASCENSÃO DE CRISTO
Encarnação,
Crucificação, Ressurreição, são os grandes fatos ou verdades fundamentais da
igreja - do cristianismo. A encarnação era necessária para a crucificação, e
ambos para a ressurreição. É a bendita verdade de que Cristo morreu na cruz
pelos nossos pecados, mas é igualmente verdade que o crente morreu em Sua morte
(Veja Romanos 8; Colossenses 2). A vida cristã é vida em ressurreição. A igreja
é edificada sobre o Cristo ressuscitado. Nenhuma verdade pode ser mais bendita
e maravilhosa do que a encarnação e crucificação, mas a igreja está associada
com aquEle que está, agora, ressuscitado e glorificado.
Em
Atos 1 temos aquilo que está conectado à ressurreição e ascensão do Senhor, e
também com as ações dos apóstolos após a descida do Espírito Santo. O bendito
Senhor, mesmo em ressurreição, ainda fala e age por meio do Espírito Santo.
Foi"através do Espírito Santo" que Ele deu ordens aos apóstolos que
Ele escolheu. Isso é digno de nota especial, pois nos ensina duas coisas:
1.
O caráter de nossa união com Cristo; o Espírito Santo no cristão, e no Senhor
ressurreto, une a ambos. "O que se ajunta com o Senhor é um mesmo
espírito." Pelo "mesmo Espírito" eles são unidos.
2.
Esse importante fato aponta para a bendita verdade do Espírito Santo habitando
e agindo no cristão, até mesmo depois que realmente ocorrer a ressurreição.
Então não haverá mais - como há agora - a carne em nós para Ele combater, mas
irá, calma e desimpedidamente, nos levar à completa alegria do Céu - a feliz
adoração, o bendito serviço, e a completa vontade de Deus.
O
Senhor ressurreto, a seguir, exorta os apóstolos, que esperam em Jerusalém pela
"promessa do Pai" que, diz Ele, ouviste de Mim. "Porque, na
verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo,
não muito depois destes dias." (Atos 1:5) Não é mais uma questão de
promessas temporais a Israel; estas devem ser deixadas de lado até um dia
futuro. A promessa do Pai sobre o Espírito Santo era algo inteiramente
distinto, e grandemente diferente em seus resultados.
Muitas
coisas "concernentes ao reino de Deus" foram conversadas entre o
Senhor e Seus apóstolos, então Ele ascende (sobe) ao Céu, e uma nuvem O recebe,
fora da vista dos discípulos. O retorno do Senhor é, então, mais clara e
distintamente revelada: "E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado
às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos. E, estando com os
olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois
homens vestidos de branco. Os quais lhes disseram: Homens galileus, por que
estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no
céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir." (Atos 1:9-11) É bem
evidente, a partir dessas palavras, que Ele subiu pessoalmente, visivelmente,
corporalmente, e que Ele também virá de novo da mesma maneira - que Ele,
novamente, aparecerá entre as nuvens, e será manifesto às pessoas na Terra,
pessoalmente, visivelmente e corporalmente; mas, nesse dia, será com poder e
grande glória.
OS APÓSTOLOS E DISCÍPULOS AGORA APRENDERAM DUAS
COISAS
1.
Que Jesus foi tirado deste mundo para o Céu;
2.
Que Ele estaria voltando novamente a este mundo.
Com
base nesses dois grandes fatos o testemunho deles foi fundamentado. Mas
Jerusalém seria o ponto inicial de seu ministério, e eles deveriam esperar pelo
poder do alto. Chegamos, agora, ao
segundo grande evento, de extrema importância no que diz respeito à condição do
homem neste mundo - o dom (dádiva) do Espírito Santo. Agora seria não apenas
Deus por nós, mas Deus em nós. Isto aconteceu no dia de Pentecostes.
A DESCIDA DO ESPÍRITO SANTO
O
tempo chegou. A redenção foi consumada, Deus foi glorificado - Cristo está à
Sua direita no Céu, e o Espírito Santo desce à Terra. Deus inaugura a igreja,
fazendo isto de maneira adequada à Sua própria sabedoria, poder e glória. Um
poderoso milagre é operado, um sinal do alto é dado. O grandioso evento é assim
registrado:
Atos
2: "E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no
mesmo lugar. E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e
impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por
eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um
deles. E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras
línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem." Talvez
seja bom fazer uma pausa por um momento e observar algumas coisas conectadas à
descida do Espírito Santo e à demonstração de Seu poder nesse importante dia.
Havia,
em primeiro lugar, o cumprimento da promessa do Pai: o próprio Espírito Santo
foi enviado do Céu. Esta era a grande verdade do Pentecostes. Ele veio das
alturas para habitar na igreja - o lugar preparado para Ele pela aspersão do
sangue de Jesus Cristo. Havia também o cumprimento da palavra do Senhor aos
apóstolos: "Vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois
destes dias." (Atos 1:5). Talvez os discípulos não soubessem o significado
dessas palavras, mas o fato é que agora estavam cumpridas. A revelação completa
da doutrina do "um só corpo" aguardava o ministério de Paulo:
"Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer
judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um
Espírito." (1 Coríntios 12:13)
Mas,
além disso, além dos vários dons dispensados para a obra do Senhor, temos algo
mais benditamente pessoal, e bastante novo na Terra. O próprio Espírito Santo
veio habitar, não apenas na igreja coletivamente, mas também em cada indivíduo
que crê no Senhor Jesus. E, graças ao Senhor, este tão bendito fato é tão
verdadeiro hoje quanto era naqueles dias. Ele habita agora em cada crente que
descansa na obra consumada (finalizada) de Cristo. O Senhor tinha dito,
predizendo esse dia: "Porque [o Espírito Santo] habita convosco, e estará
em vós" (João 14:17). Esses dois grandes aspectos da presença do Espírito
foram totalmente alcançados no dia de Pentecostes. Ele veio para habitar em cada
cristão e na igreja; e agora - que bendita verdade - sabemos que Deus não é
apenas para nós, mas em nós, e conosco.
Quando
"Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude",
Ele apareceu na forma de uma pomba - um belo símbolo da imaculada pureza, da
mansidão e da humildade de Jesus. Ele não veio fazer Sua voz ecoar pelas ruas,
ou quebrar o caniço rachado, ou apagar o pavio que se queima. Porém, no caso
dos discípulos que esperavam em Jerusalém, foi completamente diferente. O
Espírito Santo desceu sobre eles como línguas repartidas -línguas como que de
fogo que pousaram sobre cada um deles. Isto foi característico. Era o poder de
Deus dando testemunho de que aquilo deveria ir além, não apenas para Israel,
mas para todas as nações da Terra. A palavra de Deus também julgaria a todos
que viriam depois - ela era como línguas de fogo.
O
juízo de Deus sobre o homem por causa do pecado tinha sido judicialmente
expresso na cruz, e agora tal fato solene deve ser tornado público a todos pelo
poder do Espírito Santo. No entanto, a graça reina - reina através da justiça,
para a vida eterna, por Cristo Jesus. O perdão é proclamado aos culpados,
salvação aos perdidos, paz aos conturbados, e descanso aos cansados. Todos os
que creem são, e serão para sempre, abençoados em - e com - um Cristo
rescussitado e glorificado.
O
espanto e consternação do Sinédrio e do povo judeu deve ter sido realmente
grande na reaparição, em tal poder, dos seguidores do Jesus crucificado. Eles
tinham, sem dúvida, concluído que, como o Mestre tinha partido, os discípulos
não poderiam fazer nada por si mesmos. Para a maioria, os discípulos eram
simples homens iletrados. Mas qual deveria ter sido o espanto das pessoas
quando ouviram que aqueles homens simples estavam pregando corajosamente nas
ruas de Jerusalém, e fazendo convertidos aos milhares para a religião de Jesus!
Mesmo vista apenas historicamente, a cena é cheia do mais emocionante
interesse, não havendo paralelo nos anais do tempo.
Jesus
foi crucificado. Suas alegações de ser o Messias, à vista popular, tinham sido
enterradas em Seu túmulo. Os soldados que guardavam Seu sepulcro tinham sido
subornados para espalhar um falso relato quando à Sua ressurreição; a excitação
popular tinha, sem dúvida, passado, e a cidade e a adoração no templo tinham
retornado a seu curso normal, como se nada tivesse acontecido. Mas da parte de
Deus as coisas não iriam ser deixadas passar quietamente. Ele estava esperando
o tempo certo para reivindicar Seu Filho, e reivindicá-lo no mesmo cenário de Sua
humilhação. Isso aconteceu cedo de manhã, no dia de Pentecostes. Repentina e
inesperadamente, Seus dispersos seguidores reapareceram em um poder miraculoso.
Eles ousadamente acusaram os governantes e as pessoas culpadas de Sua
apreensão, julgamento e crucificação - que eles haviam matado seu próprio
Messias - mas que Deus O havia ressuscitado para ser Príncipe e Salvador, e
para colocá-Lo em Seu lugar de direito no Céu. "Onde o pecado abundou,
superabundou a graça" (Romanos 5:20)
A
sentença de Babel, podemos também mencionar, foi revertida naquele maravilhoso
dia. Nas diferentes línguas, pelas quais o homem tinha sido condenado por ter
desobedecido a Deus, a salvação é proclamada. Essa poderosa e maravilhosa obra
de Deus atraiu a multidão. Eles são surpreendidos, e especulam sobre o estranho
acontecimento. Cada um, em sua própria língua do país de onde vieram, ouve dos
lábios dos pobres galileus sobre as maravilhosas obras de Deus. Os judeus que
habitavam em Jerusalém, não entendendo essas línguas estrangeiras, zombavam.
Então Pedro se pôs de pé, e declarou a eles em sua própria língua, provando
pelas suas próprias Escrituras, o verdadeiro caráter do que havia ocorrido.
Nota:
fogo, na Bíblia, sempre aparece com a conotação de juízo de Deus. Podemos
refletir sobre a diferença na forma como o Espírito Santo pousou sobre o Senhor
(pomba, simbolizando paz, pureza, mansidão), e como Ele se manifestou ao descer
sobre a igreja (línguas como que de fogo, simbolizando juízo). Os crentes,
embora sejam completamente salvos do juízo de Deus e feitos perfeitos - pelo
novo nascimento - aos olhos de Deus pela obra consumada de Cristo, ainda
possuem em si a velha natureza - a carne - enquanto neste mundo. A semelhança
das línguas com fogo, no dia de Pentecostes, provavelmente simboliza que o
Espírito Santo, em juízo, luta contra a carne, conforme Gálatas 5:17:
"Porque a carne luta contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e
estes se opõem um ao outro, para que não façais o que quereis."
O PRIMEIRO APELO DE PEDRO AOS JUDEUS
Então
lemos: "E em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de
todas as nações que estão debaixo do céu. E, quando aquele som ocorreu,
ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua
própria língua. E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros:
Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando? Como, pois, os
ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos? Partos e
medos, elamitas e os que habitam na Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e
Ásia, e Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a Cirene, e
forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, todos
nós temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus. E todos
se maravilhavam e estavam suspensos, dizendo uns para os outros: Que quer isto
dizer? E outros, zombando, diziam: Estão cheios de mosto. Pedro, porém,
pondo-se em pé com os onze, levantou a sua voz, e disse-lhes: Homens judeus, e
todos os que habitais em Jerusalém, seja-vos isto notório, e escutai as minhas
palavras. Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo a
terceira hora do dia", ou, como devemos considerar, eram nove horas da
manhã - a hora da oração no templo. (Atos 2:5-15)
Assim,
Pedro toma a dianteira e explica aos judeus que as coisas maravilhosas que eles
têm visto e ouvido naquela manhã não eram resultado de emoção, mas sim aquilo
que deveria ser procurado segundo as suas próprias profecias das Escrituras. "Isto
é o que foi dito pelo profeta Joel" (Atos 2:16). É marcante o motivo pelo
qual Pedro se levanta e prega com tal ousadia, que é o terreno da ressurreição
e exaltação de Cristo. Isto deve ser cuidadosamente observado, uma vez que
mostra o fundamento sobre o qual a igreja descansa, e quando e onde sua
história começa. Este foi o primeiro dia de sua existência, a primeira página
de sua história, e seus primeiros triunfos do dom (presente) inefável de Deus
para o homem.
"Deus
ressuscitou a este Jesus, do que todos nós somos testemunhas. De sorte que,
exaltado pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito
Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis. Porque Davi não subiu aos
céus, mas ele próprio diz: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita,
até que ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés. Saiba, pois com
certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus
o fez Senhor e Cristo."(Atos 2:32-36)
Os
benditos efeitos do primeiro sermão de Pedro, e da presença do Espírito Santo
na Terra:
"Não
foi meramente uma mudança moral, mas um poder que pôs de lado todos os motivos
que individualizavam aqueles que O tinham recebido, unindo-os em uma só alma, e
em uma só mente. Eles perseveravam na doutrina dos apóstolos, eles estavam em
comunhão uns com os outros, eles partiam o pão, eles passavam o tempo em
oração: a consciência da presença de Deus era poderosa entre eles, e muitos
sinais e maravilhas eram operados pelas mãos dos apóstolos. Eles estavam unidos
pelos laços mais fortes, onde ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era
sua própria, mas todos dividiam suas possessões com aqueles que necessitavam.
Eles estavam diariamente no templo, o local público de Israel para os
exercícios religiosos, ao mesmo tempo em que tinham seu próprio local, fora
daquilo, quando partiam o pão nas casas diariamente. Eles comiam com alegria e
júbilo de coração, louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo ao seu
redor. Assim a assembleia foi formada, e o Senhor acrescentava todos os dias a
ela o remanescente de Israel que seria salvo dos juízos que cairiam sobre a
nação que havia rejeitado o Filho de Deus, seu próprio Messias. Deus trouxe à
assembleia - assim propriedade dEle pela presença do Espírito Santo - aqueles a
quem Ele poupou em Israel. Aqui se encontrava a presença e a casa de Deus,
apesar da antiga ordem de coisas ainda existir até a execução do juízo sobre Israel
Nota:
invasão romana e destruição do templo de Jerusalém no ano 70 d.C.
"A
igreja foi formada, portanto, pelo poder do Espírito Santo que desceu do Céu,
sobre o testemunho de que Jesus, que tinha sido rejeitado, foi elevado ao Céu,
tendo sido feito, de Deus, Senhor e Cristo. Ela foi composta do remanescente
judeu que seria poupado, com a reserva de acrescentar também os gentios sempre
que Deus fosse chamá-los." Trecho
extraído das Sinopses dos Livros da Bíblia, de J. N. Darby, vol. 4, p. 8.
Esta
é, então, a igreja de Deus: a união daqueles a quem Deus chamou para o nome do
Senhor Jesus, e pelo Espírito Santo. O amor governa e caracteriza a
recém-formada assembleia. As poderosas vitórias que a graça alcançou naquele
memorável dia comprovou totalmente o poder do exaltado Senhor, e a presença do
Espírito Santo na Terra. Três mil almas foram convertidas por meio de um único
sermão. Aqueles que haviam sido inimigos declarados do Senhor, e que tinham
participação na culpa de Seu assassinato, agora agonizavam sob o poder das
palavras de Pedro. Alarmados pelo terrível pensamento de terem matado seu
próprio Messias, e que Deus, em cuja presença eles estavam agora, O tinha
exaltado à Sua própria destra no Céu, eles clamaram: "Que faremos, homens
irmãos?"
Pedro
agora procura aprofundar as boas obras em suas almas - Ele [o Senhor], procura
humilhar os judeus, uma vez orgulhosos e desdenhosos.
"Arrependei-vos", diz Pedro, "e cada um de vós seja batizado em
nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito
Santo". Ele não diz simplesmente "Crê no Senhor Jesus Cristo e serás
salvo", embora, é claro, a fé e o arrependimento devem andar juntos onde
quer que a obra é genuína. Mas Pedro, neste caso, pressiona ao arrependimento.
A culpa deles tinha sido grande demais, e uma obra moral profunda em suas
consciências era necessária para o arrependimento deles. Eles devem ver sua
culpa diante de Deus, e receber a remissão de seus pecados aos pés daquEle que
eles tinham rejeitado e crucificado. No entanto, tudo era graça. Seus corações
foram tocados. Trocaram de lado, para o lado de Deus, contra eles mesmos - realmente
se arrependeram, foram perdoados, e receberam a dádiva do Espírito Santo. Agora
eles são filhos de Deus e têm a vida eterna: o Espírito Santo habita neles.
A
realidade da mudança foi manifesta por uma completa mudança de caráter.
"De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra;
e naquele dia agregaram-se quase três mil almas, e perseveravam na doutrina dos
apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações." (Atos
2:41-42)
Batismo,
na confissão de fé; recepção na assembleia; a ceia do Senhor, a comunhão dos
santos, a oração; estas eram suas observâncias distintivas. Nesse momento, a
oração do Senhor, "que todos sejam um", foi respondida, como lemos no
capítulo 4. "E era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e
ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as
coisas lhes eram comuns." (Atos 4:32). Vamos pular agora, a fim de
continuar nossa linha de raciocínio, para o capítulo 10 de Atos.
O SELO DOS GENTIOS
Observe,
então, esse importante fato conectado à introdução dos gentios à igreja - eles
recebem o dom/dádiva do Espírito Santo simplesmente por meio da pregação da
Palavra. Em Jerusalém, os judeus foram batizados antes de terem recebido o
Espírito Santo. Em Samaria, os samaritanos foram não apenas batizados, mas
tiveram que passar pela imposição de mãos dos apóstolos com oração, antes de
receberem o Espírito Santo. Mas em Cesareia, sem batismo, sem imposição de mãos
e sem oração, a mais rica bênção cristã foi dada aos gentios, embora a doutrina
da igreja como o corpo de Cristo ainda não ter sido revelada.
A
graça de Deus, assim apresentada aos gentios no início da dispensação, a tem
caracterizado desde então. Somos gentios: não somos judeus nem samaritanos.
Portanto os caminhos de Deus em graça, e Sua ordem de coisas para com os
gentios, têm uma aplicação especial para nós. Não há exemplo registrado pelos
historiadores inspirados de alguém que tenha sido batizado sem professar fé em
Cristo, mas se formos seguir o padrão de coisas em Cesareia, devemos procurar
pelo selamento assim como pela vivificação - para a paz com Deus, assim como
para a fé em Cristo antes do batismo. O caso de Cornélio se situa justamente no
início de nossa dispensação. Foi a primeira expressão de graça endereçada
diretamente aos gentios e, certamente, deveria ser um modelo para pregadores e
discípulos gentios. Quando a Palavra de Deus que foi, naqueles dias, pregada a
Cornélio é, hoje, crida, podemos garantir que teremos os mesmos efeitos, isto
é, a paz com Deus..
Pregar,
crer, selar, batizar, é a ordem divina das coisas aqui. Deus e Sua Palavra
nunca mudam, embora os "tempos mudam", como dizem os homens, assim
comoas opiniões humanas mudam, e as observâncias religiosas mudam. Mas a
Palavra de Deus - nunca. Judeus, gentios e samaritanos professaram fé em Cristo
antes de serem batizados. De fato, o batismo presume vida eterna adquirida pela
fé, e não transmitida após o ato de batizar, como ensinam os católicos e
anglicanos. "A graça e a vida são comunicadas por meio de
sacramentos", dizem eles, "e só podem ser efetuadas por esses meios,
independente de qualquer exercício de intelecto da parte da pessoa trazida à
união. O santo batismo é o meio pelo qual uma vida nova e espiritual é
conferida ao receptor." The Church and the World, páginas 178-188.}
Tais
noções - nem precisamos comentar muito - são totalmente contrárias às
Escrituras. O batismo não concede nada. A vida é concedida por outros modos,
como as Escrituras claramente ensinam. A conversão, ou "nascer de novo",
é efetuada, em todos os casos, sem exceção, pelo Espírito Santo. Como lemos em
1 Pedro: "Purificando as vossas almas pelo Espírito na obediência à
verdade, para o amor fraternal, não fingido; amai-vos ardentemente uns aos
outros com um coração puro. Sendo de novo gerados, não de semente corruptível,
mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para
sempre."(1 Pedro 1:22-23). Aqui, a verdade do evangelho é vista como o
meio, e o Espírito Santo como o poder, da conversão. Cristo, ou Deus em Cristo,
é o novo objetivo da alma. É pelo Espírito e pela verdade de Deus que tal
bendita mudança é efetuada. Àqueles que confiam nas águas do batismo como o
meio de efetuá-la, sinto-lhes dizer, estão em uma grande e fatal engano.
As
seguintes breves declarações dos "pais" do quarto século, sobre o
assunto do batismo, mostrará aos leitores as fontes, ou autoridades, de muito
do que se dizia e fazia naqueles dias pelos ritualistas. Note que a autoridade
das Escrituras é totalmente posta de lado: "Na Páscoa, e no Pentecostes, e
em alguns lugares na Epifania, o rito do batismo era administrado publicamente
- isto é, na presença dos fiéis - a todos os convertidos naquele ano, com
exceção de alguns que tiveram a oportunidade de participar da cerimônia sem atraso,
ou quando o cristão deixava para fazê-lo apenas próximo ao final de sua vida,
como o exemplo de Constantino: uma prática há muito tempo condenada pelo clero.
Mas o fato do atraso demonstra quão profundamente a importância e eficácia do
rito era enraizada na mente cristã. Significava uma completa purificação da
alma. O neófito (novo convertido) emergia das águas do batismo em um estado de
perfeita inocência. A pomba - o Espírito Santo - constantemente pairava sobre a
fonte, santificando as águas para a misteriosa lavagem de todos os pecados da
vida passada. Se a alma não sofresse nenhuma culpa posterior, ela passaria de
uma vez por todas para o reino de pureza e felicidade, isto é, o coração seria
purificado, com entendimento iluminado e o espírito revestido de imortalidade.
"Vestido
em branco, emblemático da pureza imaculada, o candidato se aproximava do
batistério - que em igrejas maiores era um edifício separado. Lá, ele proferia
os solenes votos de que se comprometeria com sua religião. O gênio simbolizante
do Oriente adicionou algumas cerimônias significativas. O catecúmeno (um dos
primeiros estágios da instrução cristã) se virava para o Ocidente, o reino de
Satanás, e renunciava três vezes ao seu poder. Então se virava para o Oriente
para adorar o Sol da Justiça, e para proclamar seu pacto com o Senhor da vida.
O místico número três prevalecia em tudo: o voto era triplo, e três vezes
pronunciado. O batismo se dava geralmente por imersão. O despir das roupas era
emblemático do 'tirar o velho homem', mas o batismo por aspersão era permitido,
de acordo com a exigência do caso. A água em si se tornava, na vívida linguagem
da igreja, o sangue de Cristo: era comparada, por uma fantasiosa analogia, com
o Mar Vermelho.
A
ousada metáfora de alguns dos 'pais' parece afirmar uma transmutação da cor da
água. "Quase todos os 'pais' dessa era, como Basílio, os dois Gregórios,
Ambrósio, etc., tinham escrito tratados sobre o batismo, e rivalizaram, por
assim dizer, uns com os outros em seus louvores sobre a importância e eficácia
do batismo. Gregório de Nazianzo quase esgota a copiosidade da língua grega ao
falar do batismo." - A História do Cristianismo por Milman, vol. 3}
No
caso dos gentios em questão aqui, ainda mais que vida era possuída antes do
batismo ser administrado. Eles tinham o selo de Deus. O batismo é o sinal da
plena libertação e salvação garantidas ao crente pela morte e ressurreição de
Cristo. Cornélio tinha vida, era um homem devoto, mas ele deveria ouvir de
Pedro as palavras pelas quais ele seria salvo e totalmente liberto. Tanto o
Antigo quanto o Novo Testamento ensinam essa bendita verdade da maneira mais
clara possível. Israel, como um povo típico, após ter sido trazido a Deus e
protegido pelo sangue do cordeiro no Egito, foi batizado a Moisés na nuvem e no
mar. Assim eles foram libertos do Egito e viram a salvação de Jeová. Novamente,
Noé e sua família foram salvos através do dilúvio - não por ele. Eles deixaram
o velho mundo, passaram através das águas da morte, e pousaram em uma nova
condição de coisas. "Como uma verdadeira figura, agora vos salva, o
batismo, ... pela ressurreição de Jesus Cristo." (Êxodo 14; 1 Pedro 3:21)
Mas
qual era a palavra, alguns poderiam perguntar, que Pedro pregou, e que foi
acompanhada de tal notável bênção? Ele pregou paz por Jesus Cristo como o
Senhor de tudo. Cristo ressuscitado, exaltado e glorificado foi o grandioso
objeto de seu testemunho. Ele o resume com essas palavras: "A este dão
testemunho todos os profetas, de que todos os que nele crêem receberão o perdão
dos pecados pelo seu nome." (Atos 10:43). Então segue-se a bênção. Os
judeus que estavam presentes ficaram atônitos, mas se curvam, e reconhecem a
bondade de Deus para com os gentios. "E, dizendo Pedro ainda estas
palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. E os fiéis
que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se
de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os
ouviam falar línguas, e magnificar a Deus. Respondeu, então, Pedro: Pode alguém
porventura recusar a água, para que não sejam batizados estes, que também
receberam como nós o Espírito Santo? E mandou que fossem batizados em nome do
Senhor. Então rogaram-lhe que ficasse com eles por alguns dias." (Atos
10:44-48)
Vamos,
agora, refazer um pouco nossos passos e observar alguns dos principais eventos
que, por ordem, precedem o capítulo 10.
O PRIMEIRO MÁRTIR CRISTÃO
Estêvão,
diácono e evangelista, é o primeiro a receber a coroa do martírio pelo nome de
Jesus. Ele permanece à frente do "nobre exército dos mártires". Ele é
perfeito como uma figura - um protótipo de um verdadeiro mártir. Firme e
inabalável em sua fé. Ousado e destemido diante de seus acusadores. Aguçado e
fiel em sua defesa diante do Sinédrio. Livre da malícia em suas mais fortes
declarações. Cheio de caridade para com todos os homens, ele sela seu
testemunho com seu sangue, e então dorme em Jesus.
Em
alguns aspectos, Estêvão lembra o próprio bendito Senhor. "Senhor Jesus,
recebe o meu espírito" (Atos 7:59), parece com "Pai, nas tuas mãos
entrego o meu espírito" (Lucas 23:46); e de novo, "Senhor, não lhes
imputes este pecado" (Atos 7:60), lembra "Pai, perdoa-lhes, porque
não sabem o que fazem" (Lucas 23:34), apesar de Estêvão não indicar a
ignorância deles.
Já
podemos ver que problemas, tanto do lado de dentro quanto do lado de fora,
atacam a jovem igreja. É verdade que a palavra de Deus aumentou, multidões
foram convertidas, e uma grande parte dos sacerdotes eram obedientes à fé.
Porém os gregos, ou helenistas (judeus de origem grega), murmuravam contra os
hebreus (nativos da Judeia), porque suas viúvas eram negligenciadas na
ministração diária. Isto levou à nomeação de sete diáconos (Atos 6). Pelos seus
nomes aqui dados, parece que os sete escolhidos eram gregos - todos do lado dos
murmuradores. Assim o Espírito de Deus dominou em graça. Estêvão era um deles,
e neste caso, a palavra do apóstolo foi exemplificada: aqueles que
"servirem bem como diáconos, adquirirão para si uma boa posição e muita
confiança na fé que há em Cristo Jesus." (1 Timóteo 3:13). Ele era cheio
de fé e poder, e fazia grandes maravilhas e milagres entre o povo. A energia do
Espírito Santo se manifestava especialmente em Estêvão.
Havia
diferentes sinagogas em Jerusalém apropriadas para diferentes raças de judeus.
Foram as sinagogas dos libertinos, dos cireneus, etc., que se opunham a
Estêvão. Mas"não podiam resistir à sabedoria, e ao Espírito com que
falava". Segue-se, então, o que tem geralmente acontecido com os que
confessam a Jesus em todas as eras: incapazes de respondê-lo, eles o acusam
perante o conselho. Falsas testemunhas são subornadas para jurar que eles o
tinham ouvido falar "palavras blasfemas contra Moisés, e contra
Deus", e que Jesus de Nazaré destruiria aquele lugar e mudaria os costumes
entregues a eles por Moisés. O caso estava agora diante do Sinédrio - o
julgamento começa. Mas o que seus juízes teriam pensado quando viram sua face
radiante como a face de um anjo?
Temos
o nobre discurso de Estêvão aos chefes da nação diante de nós. Convincente,
desconcertante e esmagador. Sem dúvidas, foi um testemunho do Espírito Santo
aos judeus, da boca de Estêvão, e ainda mais humilhante para os orgulhosos
judeus: ouvirem sua condenação dos lábios de um helenista. Mas o Espírito de
Deus, quando sem impedimentos pelos arranjos do homem, opera por quem Ele quer.
Estêvão
recapitula, em linguagem ousada, os principais pontos de sua história nacional.
Ele fala especialmente das histórias de José e de Moisés. O primeiro, seus pais
{*os outros dos doze filhos de Jacó} o haviam vendido aos gentios, e o último
desprezaram como príncipe e juiz. Ele também os acusa de sempre resistir ao
Espírito Santo - de sempre desobedecerem a lei - e agora por terem sido os
traidores e assassinos do Justo. Aqui a testemunha fiel de Cristo foi
interrompida. Não lhe foi permitido terminar seu discurso - uma figura, tão
verdadeira, do tratamento para com os mártires daqueles dias até hoje. Os
murmúrios, a indignação, a fúria do Sinédrio, estavam fora de controle. "E,
ouvindo eles isto, enfureciam-se em seus corações, e rangiam os dentes contra
ele." (Atos 7:54). Mas, em vez de dar prosseguimento ao discurso, ele
entra em êxtase de coração ao Senhor e fixa seus olhos no Céu - o lar e centro
de união para todo Seu povo.
"Eis
que vejo", diz Estêvão, "os céus abertos" (Atos 7:56). Ele está
cheio do Espírito Santo enquanto olha para o alto, e vê o Filho do homem de pé,
ali, pronto para receber seu espírito. "Tal é", escreveu alguém,
"a posição do verdadeiro crente - ligado ao Céu, bem acima da Terra - na
presença do mundo que rejeitou a Cristo, um mundo assassino. O crente, vivo na
morte, vê, pelo poder do Espírito, o Céu, e o Filho do homem à direita de Deus.
Estêvão não diz 'Jesus'. O Espírito O caracteriza como 'o Filho do homem'. Que
precioso testemunho para o homem! Não é sobre a glória que Ele aqui testifica,
mas sim sobre o Filho do homem na glória, tendo os céus abertos diante dele...
Quanto ao objeto de fé e a posição do crente, essa cena é definitivamente
característica."
Eis o proeminente, o
mais próximo ao trono Perfeitas vestes triunfais trajando Aí está o que mais ao
mestre se assemelha Este santo, este Estêvão que se ajoelha Fixando o olhar
enquanto os céus Se abriam aos seus olhos que se fechavam Que, tal como lâmpada
quase apagada retoma seu fulgor, E faz vê-lo o que a morte esconde a rigor. Ele,
que parece estar na terra Há de voar como pomba vera E da
amplitude do céu sem nuvens Extrair o mais puro dos ares Para que os homens
contemplem sua face angelical Plena do resplendor da graça celestial, Mártir
íntegro, apto a se conformar À morte de Jesus, vitória sem par! (tradução livre
da poesia constante da edição original em inglês).
Examinamos,
com certo cuidado e minúcia, a primeira seção da história da igreja. Temos sido
os mais cuidadosos possível, uma vez que as histórias sobre a igreja, em geral,
começam em um período posterior. A maioria começa onde as Escrituras terminam,
ao menos quanto aos detalhes. Nenhuma das que temos referem-se a Mateus 16, e
poucas tentam um exame crítico de Atos dos Apóstolos que, afinal, é a única
parte de sua história que comanda nossa fé, e que tem uma reivindicação
absoluta de nossa obediência.
No
capítulo 8 encontramos o Espírito Santo em Samaria operando por Filipe.
Ele
tinha, por assim dizer, deixado Jerusalém. Isso marca uma época distinta na
história da igreja, especialmente em sua conexão com Jerusalém. Deixemos, por
enquanto, os judeus enfurecidos e perseguidores, e sigamos o caminho do
Espírito à cidade de Samaria. Será, no entanto, de proveito olharmos por um
momento ao que alguns têm chamado de a terceira perseguição.
A PERSEGUIÇÃO E DISPERSÃO DOS DISCÍPULOS
Após
a morte de Estêvão uma grande perseguição começou (Atos 8). Os líderes judeus
pareciam ter ganho uma vitória sobre os discípulos, e estavam determinados a
prosseguir com seu aparente triunfo com a maior violência. Mas Deus, que está
acima de todos, e que sabe como conter as crescentes paixões dos homens, anulou
a posição deles para o cumprimento de Sua própria vontade.
O
homem ainda não tinha aprendido a verdade do provérbio, que "o sangue dos
mártires é a semente da igreja." No caso do primeiro e mais nobre dos
mártires, o provérbio foi plenamente verificado. Mas em todas essas vinte
centenas de anos os homens têm sido lentos para aprender, ou crer, nesse
simples fato histórico. A perseguição, geralmente falando, tinha feito aumentar
a causa que procuravam reprimir. Isso tem se provado verdadeiro na maioria dos
casos, em qualquer tipo de perseguição ou de
oposição. Resistência, decisão e firmeza são criadas por tal tratamento.
Verdadeiramente, mentes tímidas podem ser levadas à apostasia por um tempo sob
a perseguição; mas quão comumente tais, com o mais profundo arrependimento, e
de modo a recuperar sua antiga posição, suportaram com a maior alegria os mais
agudos sofrimentos, e mostraram em seus últimos momentos a maior fortaleza! Mas
a perseguição, de uma forma ou de outra, deve ser esperada pelos seguidores de
Jesus. Eles são exortados a tomar sua cruz diariamente e segui-Lo. Isto testa a
sinceridade de nossa fé, a pureza de nossos motivos, a força de nossa afeição
por Cristo, e a medida de nossa confiança nEle.
Aqueles
que não são verdadeiros de coração para Cristo com certeza irão cair em tempos
de afiada perseguição. Mas o amor pode perdurar até o fim, quando não houver
mais nada a fazer. Vemos isso perfeitamente no próprio bendito Senhor. Ele
suportou a cruz - que era de Deus: Ele desprezou a vergonha - que foi do homem.
Foi em meio à vergonha e sofrimentos da cruz que toda a força do Seu amor
apareceu, e na qual Ele triunfou sobre tudo. Nada poderia afastar Seu amor do
objeto deste, ou seja, do Pai, pois era mais forte que a morte. Nisso, assim
como em todas as coisas, Ele nos deixou um exemplo, de que devemos andar em
Seus passos. Que possamos sempre ser encontrados seguindo-O de perto!
Da
história da igreja em Atos aprendemos que o efeito do martírio de Estêvão foi a
imediata propagação da verdade que seus perseguidores estavam tentando impedir.
As impressões produzidas por tal testemunho, e tal morte, devem ter sido
avassaladoras para seus inimigos, e convincentes para os imparciais e
indecisos. O último recurso da crueldade humana é a morte. No entanto, é
maravilhoso dizer que a fé cristã, em sua primeira dificuldade, provou-se mas
forte que a morte em sua forma mais assustadora. O inimigo foi testemunha
disso, e sempre se lembraria. Estêvão estava sobre a Pedra, e as portas do
inferno não podiam prevalecer contra Ela.
Toda
a igreja em Jerusalém, na ocasião, foi dispersa; mas eles iam por toda a parte
pregando a Palavra. Como a nuvem que voa com o vento, levando sua chuva fresca
a terras secas, assim os discípulos foram expulsos de Jerusalém pela tempestade
da perseguição, levando as águas da vida às almas sedentes de terras distantes.
"E fez-se naquele dia uma grande perseguição contra a igreja que estava em
Jerusalém; e todos foram dispersos pelas terras da Judéia e de Samaria, exceto
os apóstolos" (Atos 8:1). Alguns historiadores pensam que o fato dos apóstolos
permanecerem em Jerusalém quando os discípulos fugiram prova, da parte deles,
maior firmeza e fieldade na causa de Cristo, mas estamos dispostos a julgar o
fato de modo diferente, e a considerá-lo uma falha em vez de fieldade. A
comissão do Senhor a eles era: "Portanto ide, fazei discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo"(Mateus 28:19). E eles tinham sido ensinados: "Quando pois vos
perseguirem nesta cidade, fugi para outra" (Mateus 10:23). Até onde a
história das Escrituras nos informa, a comissão nunca foi realizada pelos doze.
No entanto, Deus era poderoso em Paulo, para com os gentios, e em Pedro para
com os judeus.
O
Espírito Santo agora vai além de Jerusalém, para manifestar poder em terras
estrangeiras - que solene verdade! Mas aquela cidade culpada preferia a
dominação de Roma à ressurreição em poder de seu próprio Messias. "Que
faremos?", diziam os judeus, "porquanto este homem faz muitos sinais.
Se o deixamos assim, todos crerão nele, e virão os romanos, e tirar-nos-ão o
nosso lugar e a nação." (João 11:47-48). Eles rejeitaram o Messias em Sua
humilhação, e agora eles rejeitam o testemunho do Espírito Santo sobre Sua
exaltação. A iniquidade deles era completa, e a ira se aproximava deles até o fim.
Mas, por ora, nossa tarefa, seguindo o curso da história da igreja, é
acompanhar o Espírito Santo em seu caminho a Samaria. Seu caminho é a linha
prateada da graça salvadora para almas preciosas.
OS TRIUNFOS DO EVANGELHO EM SAMARIA
Filipe,
o diácono, evidentemente próximo a Estêvão em zelo e energia, desce à Samaria.
O Espírito Santo opera por meio dele. Na sabedoria dos caminhos do Senhor, a
desprezada Samaria é o primeiro lugar, fora da Judeia, onde o Evangelho foi
pregado por Suas testemunhas escolhidas. "E, descendo Filipe à cidade de
Samaria lhes pregava a Cristo. E as multidões unanimemente prestavam atenção ao
que Filipe dizia, porque ouviam e viam os sinais que ele fazia. E havia grande
alegria naquela cidade." (Atos 8:5-6,8). Muitos creram e foram batizados,
tanto homens quanto mulheres. Até mesmo Simão Mago, o feiticeiro, experimentou
a presença de um poder muito acima do seu próprio, e se curvou à força e
corrente da obra do Espírito nos outros, embora a verdade não houvesse
penetrado em seu próprio coração e consciência. Mas, como agora já viajamos a
essa outra parte do país, este pode ser o momento apropriado para dizermos
algumas palavras sobre sua história.
A
Terra Santa, uma nação interessante, que se destaca entre as outras nações da
Terra, tanto moral quanto historicamente, é em tamanho muito pequena. "É
como um pedaço de um país, de tamanho próximo ao do País de Gales, com menos de
225 quilômetros de comprimento, e quase 64 quilômetros, em média, de
largura"( Dicionário
Bíblico de Smith). A parte norte é a Galileia; o centro, Samaria; o sul, a
Judeia. Mas embora fisicamente tão pequena, ela foi o teatro dos acontecimentos
mais importantes na história do mundo. Lá, o Salvador nasceu, viveu e foi
crucificado - e lá Ele foi sepultado e ressuscitado. E lá, também, Seus
apóstolos e mártires viveram, testificaram e sofreram. E lá o evangelho foi
pregado pela primeira vez, e lá a primeira igreja foi plantada.
A terra ocupada por Israel se encontra entre
os antigos impérios da Assíria e do Egito. Daí a frequente referência no Antigo
Testamento ao "rei do Norte" e ao "rei do Sul". Devido a
essa posição, Israel foi muitas vezes o campo de batalha desses dois poderosos
impérios, e sabemos que ainda será o cenário de seu último e mortal conflito
(Daniel 11). Os homens têm sido tão supersticiosos sobre a Terra Santa que ela
tem sido objeto de ambição nacional, e quase sempre motivo de guerras
religiosas desde os dias dos apóstolos. Quem poderia estimar quanto sangue foi
derramado, e o tesouro que foi desperdiçado por essas planícies sagradas? - e
tudo, podemos acrescentar, sob o nome do zelo religioso, ou melhor, sob as
bandeiras da cruz e da lua crescente. Para ali os peregrinos de todas as eras
têm viajado para que pudessem adorar no "santo sepulcro" e cumprir
seus votos. Também tem sido a grande atração para viajantes de todo tipo e de
todas as nações, e o grande empório de "relíquias milagrosas". O
cristão, o historiador e o antiquário têm procurado diligentemente e feito
conhecidas suas descobertas. Desde os dias de Abraão, esse tem sido o lugar
mais interessante e atraente da face da Terra. E para o estudante da profecia,
sua história futura é ainda mais interessante que seu passado. Ele sabe que o
dia se aproxima, quando toda aquela terra será povoada pelas doze tribos de
Israel, e cheia da glória e majestade de seu Messias. Então eles serão
conhecidos como o povo metropolitano da Terra. Retornemos, agora, a Samaria,
com sua nova vida e alegria.
Os
samaritanos, por meio da bênção de Deus, prontamente creram no Evangelho
pregado por Filipe. O efeito da verdade, recebida com simplicidade, foi
imediato e do mais bendito caráter. "Havia grande alegria naquela
cidade", e muitos foram batizados. Tais devem ser sempre os efeitos do
Evangelho, quando crido, a menos que haja algum obstáculo com relação a nós
mesmos. Onde há genuína simplicidade de fé, deve haver paz e alegria genuínas,
e uma feliz obediência. O poder do Evangelho sobre um povo que tinha, durante
séculos, resistido às reivindicações do judaísmo, foi então demonstrado. O que
a lei não podia fazer a este respeito, o Evangelho realizou. "Samaria foi
uma 'conquista'", disse alguém, "que toda a energia do judaísmo não
tinha sido capaz de fazer. Foi um novo e esplêndido triunfo do Evangelho. O
domínio espiritual do mundo pertencia à igreja."
JERUSALÉM E SAMARIA
UNIDAS PELO EVANGELHO
O
amargo ciúme que existia entre judeus e samaritanos tinha sido, por muito
tempo, proverbial; tanto que lemos: "os judeus não se comunicam com os
samaritanos". Mas agora, em conexão com o Evangelho da paz, essa raiz de
amargura desaparece. No entanto, na sabedoria dos caminhos de Deus, os
samaritanos devem esperar pela mais elevada bênção do Evangelho até que os
crentes judeus - os apóstolos da igreja em Jerusalém - impusessem suas mãos
sobre eles, e oferecessem orações por eles. Nada pode ser mais profundamente
interessante do que esse fato, quando tomamos em consideração a rivalidade
religiosa que tinha sido, por tanto tempo, manifesta por ambos. Se Samaria não
tivesse recebido essa lição oportuna de humildade, ela poderia ter sido
descartada, mais uma vez, por manter sua orgulhosa independência de Jerusalém.
Mas o Senhor não teria deixado assim. Os samaritanos tinham crido, se
regozijado, e foram batizados, mas ainda não tinham recebido o Espírito Santo.
"Os apóstolos, pois, que estavam em Jerusalém, ouvindo que Samaria
recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João.
Os
quais, tendo descido, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo
(porque sobre nenhum deles tinha ainda descido; mas somente eram batizados em
nome do Senhor Jesus). Então lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito
Santo." (Atos 8:14-17)
Identificação
é a grande ideia da imposição de mãos, e unidade é a consequência do dom/dádiva
do Espírito Santo. Esses são fatos importantes em conexão com o progresso da
igreja. Samaria é, então, trazida à feliz associação com seu antigo rival, e
feita uma só com a igreja em Jerusalém. Não há, na mente de Deus, pensamentos
sobre uma assembleia ser independente da outra. Se elas tivessem sido
abençoadas separada e independentemente, sua rivalidade poderia se tornar maior
que nunca. Mas não deveria mais ser assim: "Nem neste monte nem em
Jerusalém" (João 4:21), mas uma só Cabeça no Céu, um só corpo na Terra, um
só Espírito, uma só família redimida adorando a Deus em espírito e em verdade,
porque o Pai procura os que assim O adoram*.
Para
saber mais sobre a origem da mistura de povos e sobre a adoração de Samaria,
leia 2 Reis 17. Eles eram apenas "metade" judeus, apesar de se
gabarem por sua relação com Jacó. Eles consideravam os cinco livros de Moisés
sagrados, mas subestimavam o restante da Bíblia. Eles eram circuncidados,
guardavam a lei de maneira não muito fiel, e esperavam a vinda de um Messias. A
visita pessoal do bendito Senhor a Samaria é do mais profundo e tocante
interesse (João 4). Da fonte na qual Ele descansou diz-se que "ficava em
um vale entre as duas famosas montanhas Ebal e Gerizim, onde foi lida a lei.
Sobre este último estava o templo rival dos samaritanos, que por tanto tempo
afligiu os judeus mais zelosos por sua ousada oposição ao único santuário
escolhido, no Monte Moriá."
O EUNUCO ETÍOPE RECEBE O EVANGELHO
Filipe
é agora chamado a deixar sua feliz e interessante obra em Samaria e descer até
Gaza - um deserto - e lá pregar o evangelho a uma única pessoa. Certamente há,
nesse fato, uma lição da mais profunda importância para o evangelista, e uma
que não podemos deixar passar sem alguma breve observação.
O
pregador, em tal cenário de despertar e conversão como houve em Samaria,
necessariamente torna-se muito interessado na obra. Deus está colocando seu
selo sobre o ministério da Palavra, e sancionando as reuniões em Sua presença.
O obra do Senhor prospera. O evangelista é cercado de respeito e afeição, e
seus filhos na fé naturalmente procuram por ele para obter mais luz e instrução
para seus caminhos."Como poderia ele deixar tal campo de trabalho?",
muitos perguntariam, "Seria correto partir?". Apenas, respondemos, se
o Senhor chamasse Seu servo a fazer isso, como Ele fez no caso de Filipe. Mas
como alguém pode saber hoje em dia, visto que anjos e o Espírito não nos falam
como falavam com Filipe? Embora um cristão, hoje em dia, não seja chamado dessa
forma, ele deve procurar e esperar pela orientação divina. A fé deve ser seu
guia. As circunstâncias não são seguras como guias; elas podem até nos
repreender e nos corrigir em nosso andar, mas é o olho de Deus que deve ser
nosso guia. "Guiar-te-ei com os meus olhos", essa é a promessa,
"instruir-te-ei, e ensinar-te-ei o caminho que deves seguir"(Salmos
32:8).
Somente
o Senhor sabe o que é melhor para Seus servos e para Sua obra. O evangelista,
em tal cenário, correria o risco de sentir sua própria importância pessoal. Daí
o valor, se não a necessidade, da mudança do lugar de serviço.
"Levanta-te",
falou o anjo do Senhor a Filipe, "e vai para o lado do sul, ao caminho que
desce de Jerusalém para Gaza, que está deserta. E levantou-se, e foi; e eis que
um homem etíope, eunuco, mordomo-mor de Candace, rainha dos etíopes, o qual era
superintendente de todos os seus tesouros, e tinha ido a Jerusalém para
adoração, regressava e, assentado no seu carro, lia o profeta Isaías. E disse o
Espírito a Filipe: Chega-te, e ajunta-te a esse carro." (Atos 8:27-29)
É
bela a obediência imediata e incondicional de Filipe nesse momento. Ele não faz
nenhum questionamento sobre a diferença entre Samaria e Gaza - entre sair de um
amplo campo de trabalho e partir para um lugar deserto para falar com uma única
pessoa sobre a salvação. Mas o Espírito de Deus estava com Filipe. E o único
desejo do evangelista deveria ser de sempre seguir a direção do Espírito. A
partir da falta de discernimento espiritual, um pregador poderia permanecer no
mesmo lugar após o Espírito ter terminado seu trabalho ali, e assim o serviço é
vão.
Deus,
em Sua providência, cuida de Seu servo. Ele envia um anjo para direcioná-lo
quanto à estrada que ele havia de tomar. Mas quando se trata do evangelho e do
lidar com almas, o Espírito toma a direção. "E disse o Espírito a Filipe:
Chega-te, e ajunta-te a esse carro." Não sabemos de nada, em toda a
história da igreja, mais interessante que essa cena no caminho para Gaza. O
anjo e o Espírito de Deus acompanham o evangelista: o primeiro representando a
providência de Deus em indicar exatamente a estrada a tomar, e o último
representando o poder espiritual direcionando o lidar com as almas. Assim como
era, assim é agora, embora tendemos a adotar mais o hábito de pensar na
orientação do Espírito do que na direção de providência. Que possamos confiar
em Deus para tudo! Ele nunca muda!
O
evangelho agora encontra seu caminho, na pessoa do tesoureiro da rainha, para o
centro da Abissínia. O eunuco crê, é batizado, e segue seu caminho cheio de
alegria. O que ele procurava, em vão, em Jerusalém, tendo seguido uma longa
jornada até lá,ele encontra no deserto. Um belo exemplo da graça do evangelho!
A ovelha perdida é encontrada no deserto, e águas vivas brotam de lá. O eunuco
é também um belo exemplo de uma alma ansiosa. Quando sozinho e ocioso, ele lê o
profeta Isaías. Ele reflete sobre a
profecia do sofrimento sem resistência do Cordeiro de Deus. Mas o momento de
luz e libertação era chegado. Filipe explica o profeta: o eunuco é ensinado por
Deus - ele crê: imediatamente deseja o batismo e retorna para casa, cheio das
novas alegrias da salvação. Será que ele ficaria calado sobre o que encontrou
quando lá chegasse? Certamente não, um homem de tal caráter e influência teria
muitas oportunidades de disseminar a verdade. Mas, como tanto as Escrituras
quanto a história são omissas quanto aos resultados de sua missão, não nos
aventuremos além.
O
Espírito é ainda visto em companhia de Filipe e o leva para longe. Ele se
encontra, então, em Azoto, e evangeliza todas as cidades até Cesareia.
Mas
uma nova era na história da igreja começa a despontar. Um novo obreiro entra em
cena: o mais notável, em muitos aspectos, que já serviu ao Senhor e à Sua igreja.
A CONVERSÃO DE SAULO DE TARSO
Nenhum
evento no progresso da história da igreja a afeta tão profundamente, ou tão
felizmente, quanto a conversão de Saulo de Tarso. De principal dos pecadores
ele se tornou o principal dos santos - do mais violento opositor de Cristo ele
se tornou o mais zeloso defensor da fé - como inimigo e perseguidor do nome de
Jesus na Terra, ele era o "principal"; todos os outros, em comparação
a ele, eram subordinados (Atos 9; 1 Timóteo 1).
É
bastante evidente, a partir do que ele fala sobre si mesmo, que ele acreditava
que o judaísmo era não só divino, mas a perpétua e imutável religião de Deus
para o homem. Seria difícil explicar a força de seus preconceitos judaicos
sobre qualquer outro princípio. Portanto, todas as tentativas de pôr de lado a
religião dos judeus, e de introduzir outra, ele considerava como sendo algo do
inimigo, devendo ser arduamente combatidas. Ele tinha ouvido o nobre discurso
de Estêvão - ele tinha testemunhado sua morte triunfante - mas sua subsequente
perseguição aos cristãos mostrou que a glória moral daquela cena não o havia
impressionado de maneira séria em sua mente. Ele foi cegado pelo zelo; mas o
zelo pelo judaísmo agora era um zelo contra o Senhor. Neste exato momento ele
estava "respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do
Senhor" (Atos 9:1).
Ouvindo
que alguns dos santos perseguidos haviam encontrado um abrigo em Damasco, uma
antiga cidade da Síria, ele se convenceu a ir até lá e trazê-los de volta a
Jerusalém como criminosos. Para este fim, ele recebeu cartas do sumo sacerdote
e do conselho de anciãos, de que ele poderia trazê-los presos a Jerusalém para
serem punidos (Atos 22, 26). Ele, então, se torna o próprio apóstolo da malícia
judaica contra os discípulos de Jesus - ignorantemente, sem dúvida, mas ele se
fez o missionário voluntário deles.
Com
sua mente forjada até o tom mais violento do zelo perseguidor, ele segue em sua
memorável jornada. Inabalável em seu apego fervoroso pela religião de Moisés, e
determinado a punir os convertidos ao cristianismo como apóstatas da fé de seus
ancestrais, ele se aproxima de Damasco. Mas lá, na plena energia de sua louca
carreira, o Senhor Jesus o detém. Uma luz dos céus, mais forte que a luz do
sol, brilha em torno dele, e o subjuga com seu brilho ofuscante. Ele cai por
terra - com a vontade quebrada, a mente subjugada, o espírito humilhado, e
completamente mudado. Seu coração é agora sujeito à voz que fala com ele.
Raciocínio, extenuação e auto-justificação não têm lugar na presença do Senhor.
Uma
voz da magnífica glória disse-lhe: "Saulo, Saulo, por que me persegues? E
ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu
persegues." (Atos 9:4-5). Então o Senhor Jesus, mesmo estando no Céu,
declara que Ele próprio é ainda identificado com Seus discípulos na Terra. A
unidade da igreja com Cristo, sua Cabeça nos céus, a semente da bendita verdade
do "um só corpo", é resumida nessas poucas palavras: "Saulo,
Saulo, por que me persegues? ... Eu sou Jesus, a quem tu persegues." Estar
em guerra contra os santos é o mesmo que estar em guerra contra o próprio
Senhor. Que bendita verdade para o crente, mas quão solene para o perseguidor!
A
visão que Saulo tinha visto e a terrível descoberta que ele tinha feito o
absorveram completamente. Ele fica cego por três dias, e não pode comer nem
beber. Então ele entra em Damasco, cego, quebrantado e humilhado pelo solene
juízo do Senhor!
Quão
diferente daquilo que ele pretendia! Ele agora se une à companhia daqueles que
ele tinha resolvido exterminar. No entanto, ele entra pela porta, e
humildemente toma seu lugar entre os discípulos do Senhor. Ananias, um
discípulo fiel, é enviado para confortá-lo. Ele recebe sua vista de volta, é
cheio do Espírito Santo, é batizado, e então é alimentado e fortalecido.
Alguns
pensam que o Senhor dá, na conversão de Paulo, não somente uma amostra de Sua
longanimidade, como em todo o pecador que é salvo, mas também um sinal da
futura restauração de Israel. Paulo nos conta, ele próprio, ter obtido
misericórdia porque ele fez tudo aquilo em ignorante incredulidade - e tal será
a mesma situação de Israel nos últimos dias quando receber misericórdia. Como
nosso próprio Senhor orou por eles: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o
que fazem" (Lucas 23:34). Pedro também diz: "E agora, irmãos, eu sei
que o fizestes por ignorância, como também os vossos príncipes" (Atos
3:17)
Mas,
como o apostolado de Paulo difere, em muitos aspectos, do apostolado dos doze,
será necessário observá-lo mais um pouco. A menos que essa diferença seja
compreendida, o verdadeiro caráter da presente dispensação poderá não ser
apreendida de maneira tão consistente.
O APOSTOLADO DE PAULO
A
lei e os profetas foram até João; após João o próprio Senhor, em Sua própria
Pessoa, oferece o reino à Israel, mas "os Seus não O receberam". Eles
crucificaram o Príncipe da vida, mas Deus O ressuscitou dentre os mortos,
fazendo-O sentar à Sua direita nos lugares celestiais. Temos então os doze
apóstolos. Eles são dotados com o Espírito Santo, e levam o testemunho da
ressurreição de Cristo. Mas o testemunho dos doze é desprezado, o Espírito
Santo é resistido, Estêvão é martirizado, a oferta final de misericórdia é
rejeitada, e agora o tratamento de Deus com Israel como um povo é encerrado por
um tempo. As cenas de Siló são encenadas novamente, Icabode é escrito em
Jerusalém, e uma nova testemunha é convocada, como nos dias de Samuel. (Leia 1
Samuel 4)
Chegamos
agora ao grande apóstolo dos gentios. Ele é como um nascido fora do tempo e
fora de seu devido lugar. Seu apostolado não tinha nada a ver com Jerusalém ou
com os doze. Era fora de ambos. Seu chamado era extraordinário e vindo direto
do Senhor no Céu. Ele tem o privilégio de trazer a novidade: o caráter
celestial da igreja - que Cristo e a igreja são um, e que o Céu é seu lar em
comum(Efésios 1,2). Enquanto Deus estava tratando com Israel, essas benditas
verdades estavam guardadas em segredo em Sua própria mente. "A mim,",
diz Paulo, "o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de
anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis
de Cristo, e demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde
os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus
Cristo."(Efésios 3:8-9)
Não
podia haver dúvidas sobre o caráter do chamado do apóstolo quanto à sua
autoridade divina. "Não da parte dos homens, nem por homem algum",
como diz ele em sua Epístola aos Gálatas, "mas por Jesus Cristo, e por
Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos" (Gálatas 1:1). Isto é, não era "da parte dos homens", quanto
à sua fonte, nem de qualquer Sínodo* de homens oficiais." Nem por homem
algum", foi como veio sua comissão. Ele não era apenas um santo, mas um
apóstolo por chamado: e esse chamado era por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que
O ressuscitou dentre os mortos.
Em
alguns aspectos, seu apostolado foi ainda de mais alta ordem do que o dos doze.
Estes tinham sido chamados por Jesus quando na Terra; aquele tinha sido chamado
pelo Cristo ressuscitado e glorificado no Céu. E, sendo seu chamado vindo do
Céu, não necessitava nem da sanção nem do reconhecimento dos outros apóstolos.
"Mas, quando aprouve a Deus ... revelar seu Filho em mim, para que o
pregasse entre os gentios, não consultei a carne nem o sangue, nem tornei a
Jerusalém, a ter com os que já antes de mim eram apóstolos, mas parti para a
Arábia, e voltei outra vez a Damasco." (Gálatas 1:15-17)
A
forma como Saulo foi chamado para apóstolo é digna de nota especial, pois bate
de frente com a raiz do orgulho judaico, e pode também ser vista como o golpe
mortal à vã noção de sucessão apostólica. Os apóstolos, a quem o Senhor tinha
escolhido e nomeado quando estava na Terra, não eram nem a fonte nem o canal,
de maneira alguma, da nomeação de Paulo. Eles não lançaram sortes para ele,
como fizeram no caso de Matias (Atos 1). Ali eles estavam apenas em terreno
judeu, o que pode explicar sua decisão por sorteio. Era um antigo costume, em
Israel, descobrir a vontade divina por esses modos. Mas estas enfáticas
palavras: "Paulo, apóstolo, não da parte dos homens, nem por homem algum,
mas por Jesus Cristo", excluem completamente a intervenção do homem sob
qualquer forma. A sucessão apostólica é descartada. Somos santos por chamado e
servos por chamado. E tal chamado deve vir do Céu. Paulo está diante de nós
como um verdadeiro padrão para todos os pregadores do evangelho, e para todos os
ministros da Palavra.Nada pode ser mais simples que o terreno que ele toma como
pregador, sendo o grande apóstolo que era. "E temos, portanto, o mesmo
espírito de fé, como está escrito: Cri, por isso falei; nós cremos também, por
isso também falamos." (2 Coríntios 4:13)
Imediatamente
após ser batizado e fortalecido, ele começou a confessar sua fé no Senhor Jesus
e a pregar nas sinagogas de que Ele era o Filho de Deus. Isto é algo novo.
Pedro pregava que Ele tinha sido exaltado à destra de Deus - que Ele tinha sido
feito tanto Senhor quanto Cristo, mas Paulo prega uma doutrina mais elevada
sobre Sua glória pessoal - "que Ele é o Filho de Deus". Em Mateus 16,
Cristo é revelado pelo Pai aos discípulos como "o Filho do Deus
vivo". Mas agora Ele é revelado, não apenas a Paulo, mas em Paulo.
"Aprouve a Deus ... revelar seu Filho em mim"(Gálatas 1:15-16), disse
ele. Mas quem é suficiente para falar dos privilégios e bênçãos daqueles a quem
o Filho de Deus é, pois, revelado? A dignidade e segurança da igreja descansa
sobre essa bendita verdade, e também sobre o evangelho da glória, que foi
especialmente confiado a Paulo, e que ele chama de "meu evangelho".
"Sobre
o Filho assim revelado", disse alguém docemente, "paira tudo o que é
peculiar ao chamado e glória da igreja - suas santas prerrogativas - aceitação
no Amado com perdão dos pecados por meio de Seu sangue - entrada para os
tesouros da sabedoria e do conhecimento, de modo a tornar conhecido, a nós, o
mistério da vontade de Deus - herança futura nEle e com Ele, no qual todas as
coisas nos céus e na Terra serão congregadas - e o presente selo e penhor dessa
herança, o Espírito Santo. Tal brilhante sequência de privilégios é escrita
pelo apóstolo desta maneira: "bênçãos espirituais nos lugares celestiais";
e assim são elas; bênçãos através do Espírito fluindo e nos ligando a Ele, que
é o Senhor nos céus." (Efésios
1:3-14). Mas a doutrina da igreja - o mistério do amor, da graça e do
privilégio - não tinha sido revelada até Paulo a ter declarado. O Senhor tinha
falado dela quanto ao efeito que teria a presença do Consolador, dizendo:
"Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em
vós." (João 14:20). E novamente, quando Ele diz aos discípulos após a
ressurreição: "Eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso
Deus." (João 20:17). Dessa "sequência brilhante" de bênçãos
Paulo foi, especial e caracteristicamente, o apóstolo.
Devemos
agora deixar um pouco de lado a história de Saulo e voltar a Pedro, que ocupa o
campo até que Paulo comece seu ministério público em Atos 13.
OS PRIMEIROS MISSIONÁRIOS DA CRUZ
Em
vez de passar por cima dos capítulos restantes de Atos, achamos que pode ser
mais interessante e igualmente instrutivo para nossos leitores considerá-los em
conexão com a história dos apóstolos, especialmente com a história dos dois
grandes apóstolos. O livro de Atos é quase inteiramente ocupado com os atos de
Pedro e de Paulo, embora, é claro, sob a direção do Espírito Santo: o primeiro
como o grande apóstolo dos judeus, e o segundo como o grande apóstolo dos
gentios. Mas seria também de interesse abraçar a presente oportunidade para
observar brevemente os primeiros companheiros e missionários pessoalmente
escolhidos por nosso bendito Senhor - os doze apóstolos.
Mas,
antes de tentarmos um esboço dessas interessantes vidas, parece bem declarar
qual objetivo temos em vista ao fazê-lo. Estamos saindo um pouco do curso que
estávamos seguindo. Em nenhuma das publicações sobre a história da igreja que
conhecemos a vida dos apóstolos é apresentada de forma ordenada, e é estranho
que os grandes fundadores da igreja não achem seus lugares em sua história.
Ao
mesmo tempo, no que diz respeito aos apóstolos, temos que ter em mente que,
além da narrativa sagrada, há bem pouco material sobre o qual possamos nos
apoiar. O tradicional e o bíblico, o certo e o incerto, são quase
desamparadamente misturados nos escritos dos Pais da Igreja. Cada raio de luz
histórico distinto é de grande valor, mas são somente as Escrituras que podemos
tomar por totalmente corretas.Ainda assim, as poucas notas que temos ali
espalhadas, de alguns dos apóstolos, quando reunidas, podem dar ao leitor uma
ideia da pessoa e individualidade de cada um. Outros, também notamos, além dos
apóstolos, aparecerão em conexão com eles, especialmente com Paulo. Assim
nossos leitores terão, de maneira conveniente, um breve resumo de quase todos
os nobres pregadores, professores, confessores e mártires do Senhor Jesus que
são mencionados no Novo Testamento.
Os Doze Apóstolos
Eram
eles: Simão Pedro, André, Tiago e João (filhos de Zebedeu), Filipe, Tomé,
Bartolomeu, Mateus, Tiago (filho de Alfeu), Tadeu, Simão o Zelote, e Matias,
que foi escolhido para substituir Judas Iscariotes. Veja Mateus 10, Lucas 6,
Marcos 3 e Atos 1.
Paulo
também foi um apóstolo por chamado direto do Senhor, no sentido mais elevado,
como já vimos. Havia outros que eram chamados de apóstolos, mas eram mais
especificamente apóstolos das igrejas. Os doze e Paulo eram proeminentemente os
apóstolos do Senhor. Compare 2 Coríntios 8:23, Filipenses 2:25 e Romanos 16:7.
O
nome oficial, "apóstolo", significa "enviado". "Jesus
enviou estes doze." (Mateus 10:5). Esse nome foi dado aos doze pelo
próprio Senhor. "Chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze deles, a
quem também deu o nome de apóstolos" (Lucas 6:13). Conhecê-Lo pessoalmente
e tê-Lo acompanhado por todo o seu ministério era a original e necessária
qualificação de um apóstolo. Isso foi afirmado por Pedro antes da eleição de um
sucessor para o traidor Judas. "É necessário, pois, que, dos homens que
conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu dentre nós,
começando desde o batismo de João até ao dia em que de entre nós foi recebido
em cima, um deles se faça conosco testemunha da sua ressurreição." (Atos 1:21-22).
Por essa relação pessoal com o Senhor eles foram particularmente indicados para
serem as testemunhas de Sua trajetória sobre a Terra. Ele mesmo os descreve
como "os que têm permanecido comigo nas minhas tentações" (Lucas
22:28)
Acreditamos
que o número doze marca nitidamente sua relação com as doze tribos de Israel.
As fantasias dos pais (cristãos proeminentes do início da história da igreja)
quanto ao significado do número aqui escolhido mostra o quão pouco suas mentes
eram governadas pelo contexto. Santo Agostinho "acha que a menção de nosso
Senhor aos quatro cantos do mundo, aos quais os apóstolos foram chamados a
pregar o evangelho, e que, ao multiplicar por três, como denotando a Trindade,
resulta em doze." Ao não enxergar a distinção entre Israel e a igreja,
existe muita confusão por parte de tais escritores.
Cremos
que o número doze nas Escrituras significa a completude administrativa no
homem. Daí as doze tribos, os doze apóstolos, e a promessa a estes, de que se
sentariam em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel (Mateus 19:28).
Mas aqui, nos termos mais claros possíveis, o Senhor limita a missão dos doze
às ovelhas perdidas da casa de Israel. Não era nem mesmo para eles irem visitar
os samaritanos, nem os gentios. A missão se restringia aos judeus. "Jesus
enviou estes doze, e lhes ordenou, dizendo: Não ireis pelo caminho dos gentios,
nem entrareis em cidade de samaritanos; mas ide antes às ovelhas perdidas da
casa de Israel" (Mateus 10:5-6). Certamente nada poderia ser mais claro. O
chamado da igreja não é mencionado aqui. Isto aconteceu depois, quando um outro
extraordinário apóstolo foi escolhido, tendo em vista especialmente os gentios.
Depois os doze teriam seu próprio lugar na igreja, mas Paulo foi seu
divinamente chamado e qualificado ministro.
Há
uma noção geral de que os doze eram completamente analfabetos, com a qual não
podemos concordar. A expressão "homens sem letras e indoutos", como
usada pelo conselho em Atos 4:13, apenas denotava pessoas que não tinham sido
ensinadas na tradição rabínica dos judeus. Seria a mesma ideia do termo
"leigo", isto é, homens de educação regular, em contrate com aqueles
que foram especialmente treinados nas escolas de eruditos, ou homens que não
participam de "ordens sagradas". Assim, Pedro e João podem ter sido
completamente familiarizados com as Sagradas Escrituras e com a história de seu
país e de seu povo, e ainda assim serem considerados, pelo conselho, como
"homens iletrados e indoutos". Tiago e João, pelo menos, tinham todas
as vantagens do ensinamento de uma mãe fiel e devota, que muitas vezes fez
grandes coisas para a igreja de Deus.
Vamos,
agora, passar brevemente as vistas a cada um dos doze.
O APÓSTOLO PEDRO
Vamos,
agora, passar brevemente as vistas a cada um dos doze.
O
primeiro, em ordem, é o apóstolo Pedro. Não pode haver dúvida de que Pedro
esteve em primeiro lugar entre os doze. O Senhor lhe deu tal posição. Ele é o
primeiro a ser mencionado em todas as listas dos apóstolos. Essa precedência,
como sabemos, não veio por ter conhecido o Senhor primeiro, pois ele não tinha
sido nem o primeiro nem o último. André, e provavelmente João, conheceram o
Senhor antes de Pedro. Vamos aqui observar, com o mais profundo interesse, o
primeiro encontro desses amigos que iriam ser unidos para sempre. Leia João
1:29-51.
João
Batista presta testemunho a Jesus como o Cordeiro de Deus que tiraria o pecado
do mundo. Dois dos discípulos de João o deixam e seguem Jesus. "Era André,
irmão de Simão Pedro, um dos dois que ouviram aquilo de João, e o haviam seguido.
Este achou primeiro a seu irmão Simão, e disse-lhe: Achamos o Messias (que,
traduzido, é o Cristo). E levou-o a Jesus." (João 1:40-42). Essa foi a
primeira introdução de Pedro ao Senhor - àquele que havia de ser a fonte de sua
felicidade para sempre. E quão significante foi esse primeiro encontro! "E
levou-o a Jesus. E, olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, filho de Jonas;
tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro)." (João 1:42). Naturalmente
impulsivo, rápido em se valer de um objetivo, mas pronto demais para desistir
pela força de qualquer pressão, ele tem, pela graça do Senhor, a firmeza que
lhe foi dada, embora vez ou outra seu caráter natural aparece.
A
primeira coisa que leva Pedro à grande proeminência é sua nobre confissão de
Cristo como o Filho do Deus vivo (Mateus 16). O Senhor, então, o honrou com as
chaves do reino dos céus, e deu-lhe um lugar de proeminência entre seus irmãos.
Mas essa parte da história de Pedro, somados a alguns dos primeiros capítulos
de Atos, já consideramos anteriormente. Portanto, nos referiremos somente aos
pontos que ainda não tocamos.
Ainda
não nos referimos ao quarto capítulo de Atos, embora estejamos dispostos a
pensar que ali é apresentado o dia mais brilhante da história do apóstolo,
enquanto o batismo de Cornélio apresenta o dia culminante de seu ministério.
Como ali é constantemente demonstrado, no grande apóstolo, uma mistura de força
e fraqueza, de excelências e defeitos, é profundamente interessante que
tracemos seu caminho através dos primeiros temporais que assolaram a
recém-nascida igreja. Mas não devemos nos esquecer que o grande segredo da
ousadia, sabedoria e poder dos apóstolos não vinham de seu caráter natural, mas
sim da presença do Espírito Santo. Ele estava com eles e neles, e trabalhando por
eles. O Espírito Santo era a força do testemunho deles.
Observe,
em particular, os benditos efeitos da presença do Espírito Santo em quatro
aspectos distintos:
1.
Na coragem demonstrada por Pedro e pelos outros. "Então Pedro, cheio do
Espírito Santo, lhes disse: Principais do povo, e vós, anciãos de Israel, visto
que hoje somos interrogados acerca do benefício feito a um homem enfermo, e do
modo como foi curado, seja conhecido de vós todos, e de todo o povo de Israel,
que em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, aquele a quem vós crucificastes e a
quem Deus ressuscitou dentre os mortos, em nome desse é que este está são
diante de vós. Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual
foi posta por cabeça de esquina. E em nenhum outro há salvação, porque também
debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos
ser salvos." (Atos 4:8-12) A grande e solene questão entre Deus e os
governantes de Israel é aqui formalmente declarada. Nada pode ser mais simples.
O testemunho de Deus não está mais com os dirigentes do templo, mas com os
apóstolos do exaltado Messias.
2.
Em Sua presença com os discípulos reunidos (em assembleia). "E, tendo
orado, moveu-se o lugar em que estavam reunidos; e todos foram cheios do
Espírito Santo, e anunciavam com ousadia a palavra de Deus." (Atos 4:31)
Esse versículo claramente ensina o que têm sido tantas vezes falado quanto ao
Espírito estar com os discípulos e neles. O lugar onde eles estavam reunidos
foi chacoalhado; isto provaSua presença com eles. Mas eles também estavam
cheios do Espírito Santo - tão cheios, cremos, que naquele momento não havia
espaço para a carne agir.
3.
Em grande poder quanto ao serviço. "E os apóstolos davam, com grande
poder, testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia
abundante graça." (Atos 4:33) Prontidão e energia agora caracterizam os
apóstolos.
4.
Dedicação de todo o coração. "Todos os que possuíam herdades ou casas,
vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depositavam aos pés dos apóstolos."
(Atos 4:34) No capítulo dois, os ricos davam, eles mesmos, aos pobres: algo que
dificilmente poderia ser feito sem atribuir importância ao doador. Mas no
capítulo quatro, os ricos deixavam o dinheiro aos pés dos apóstolos. Deveríamos
aceitar este fato como um claro sinal de aumento de humildade, e de grande
devoção.
É
também nesse completo e instrutivo capítulo que temos a famosa resposta de
Pedro e João ao conselho. "Julgai vós se é justo, diante de Deus,
ouvir-vos antes a vós do que a Deus." (Atos 4:19) Daquele dia em diante os
verdadeiros confessores do nome de Jesus encontram, nessas palavras, uma
resposta adequada a seus inquisidores e opressores. Que diferença, podemos
exclamar, entre o homem que sentou ao fogo no pátio do sumo sacerdote (Mateus
26:69-75) e o homem que toma a dianteira em Atos 4 - entre o homem que caiu
diante da acusação de uma criada e o homem que faz a nação tremer com seus
apelos! "Mas como essa diferença pode ser explicada?", alguns podem
perguntar. A explicação completa para isso é a presença e poder de um Espírito
Santo não entristecido ou extinto. E a fraqueza ou poder de muitos hoje em dia
pode ser explicada pelo mesmo princípio. O Espírito de Deus é o único poder no
cristão. Que possamos conhecer a bem-aventurança de viver, andar e trabalhar no
poder salvador e santificador do Espírito Santo! "E não entristeçais o
Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da
redenção."(Efésios 4:30)
AUTORIDADE APOSTOLICA DO APÓSTOLO PEDRO
Chegamos
agora à última seção na narrativa sagrada da história de Pedro. Do versículo 32
do capítulo 9 ao versículo 18 do capítulo 11 de Atos temos um relato de suas
pregações e milagres. Ali o vemos mais uma vez em plena autoridade apostólica,
e o Espírito Santo trabalhando com ele. Sua missão nesse momento foi
grandemente abençoada, tanto nas cidades de Israel quanto na Cesareia. Toda a
cidade de Lida e o distrito de Sarona parecem ter sido despertados. Os milagres
feitos por Pedro, e o evangelho por ele pregado, foram usados por Deus para a
conversão de muitos. Assim, lemos: "E viram-no todos os que habitavam em
Lida e Sarona, os quais se converteram ao Senhor." (Atos 9:35). A benção
era geral. "Se converter ao Senhor" é a ideia de conversão encontrada
nas Escrituras. E em Jope também, pela ressurreição de Dorcas, havia grande
agitação e benção. "E foi isto notório por toda a Jope, e muitos creram no
Senhor." (Atos 9:42)
No
capítulo 10 - que já consideramos - os gentios são trazidos à igreja. E agora
Pedro, tendo terminado sua missão por essas bandas, retorna a Jerusalém. Após o
relato de sua libertação do poder de Herodes no capítulo 12, não temos mais
relatos sobre a história do apóstolo da circuncisão em Atos.
Como
Herodes Agripa, o rei idumeu, tem papel tão proeminente nessa história, pode
ser interessante tomar nota sobre ele. Ele professava grande zelo pela lei de
Moisés e mantinha um certo respeito para com sua observância externa. Desse
modo, ele ficou do lado dos judeus contra os discípulos de Cristo, sob um
fingido zelo religioso. Esta era sua política. Era uma figura do rei
adversário.
Foi
por volta de 44 d.C. que Herodes buscou se insinuar com seus súditos judeus,
perseguindo os inofensivos cristãos. Não que houvesse qualquer amor entre
Herodes e os judeus, posto que se odiavam de coração; mas aqui eles se uniram,
pois ambos odiavam o testemunho celestial. Herodes matou Tiago com a espada e
lançou Pedro na prisão. Era sua intenção perversa mantê-lo lá até depois da
Páscoa, e então, quando uma grande quantidade de judeus de todas as partes
estivessem em Jerusalém, fariam um espetáculo público de sua execução. Mas Deus preservou e libertou Seu servo em
resposta às orações dos santos. Eles têm armas de guerra que os governantes do
mundo não conhecem. Deus permitiu que Tiago selasse seu testemunho com seu
sangue, mas preservou Pedro para que pudesse ser testemunha na Terra por mais
tempo. Assim nosso Deus governa sobre tudo. Ele é o Governador entre as nações,
seja qual for o orgulho e a vontade do homem. O poder pertence a Ele.
Débil,
de fato, é o poder de cada inimigo quando Ele interfere. Herodes, tornando-se
perplexo e confuso diante das manifestações de um poder que ele não podia
entender, condena os guardas da prisão à morte, e deixa Jerusalém. Mas ele nem
imaginava que sua própria morte precederia a de seus próprios prisioneiros.
Em
Cesareia, a sede gentia de sua autoridade, ele ordenou que se fizesse uma festa
magnífica em honra ao Imperador Cláudio. Somos informados de que multidões da
mais alta hierarquia, vindas de todos os cantos, foram reunidas. Na segunda
manhã de festividades, o rei apareceu em um manto prateado de grande esplendor,
que brilhava com os raios do sol, de modo que ofuscava os olhos de toda a
assembleia e provocava admiração geral. Ao fazer um discurso ao povo, de seu
trono, alguns de seus bajuladores levantaram um grito: "É a voz de um
deus!". Herodes, em vez de reprimir tal ímpia adulação, que se espalhou
pelo teatro, a aceitou. Mas um senso do julgamento de Deus, naquele momento,
atravessou o coração do rei. Em tom de profunda melancolia ele disse: "Seu
deus irá, em breve, sofrer da comum sina da mortalidade". Na força da
linguagem das Escrituras, está escrito assim: "E no mesmo instante feriu-o
o anjo do Senhor, porque não deu glória a Deus e, comido de bichos,
expirou." (Atos 12:23). Ele foi, então, tomado de intensas dores
violentas, e levado do teatro a seu palácio. Ali ele permaneceu por cinco dias,
e morreu na maior agonia, e na mais humilhante e repugnante condição possível.
A LINHAGEM REAL HERODIANA
Não
seria fora de propósito ou tedioso para o leitor se observarmos por um momento
a linhagem real herodiana. Eles frequentemente aparecem, tanto na vida de nosso
Senhor quanto no começo da história da igreja. Os temos associados em nossas
mentes, desde cedo, com o massacre das crianças em Belém e Herodes, o rei da
Judeia, embora seja de certo modo notável que Josefo, o principal historiador
de Herodes, não menciona esse evento. Em geral pensa-se que o assassinato de
algumas crianças em uma vila obscura, em comparação com outros atos
sanguinários de Herodes, não era muito importante aos olhos de Josefo para ser registrado. Mas não sucedia o mesmo
na mente de Deus: tanto o engano quanto a crueldade do traiçoeiro coração do
rei estão registrados na narrativa sagrada. O olho de Deus vigiava o
"Menino nascido" a Israel - a única fonte de esperança para todas as
nações. O cruel desígnio de Herodes foi, assim, derrotado.
Herodes,
o Grande, o primeiro rei idumeu de Israel, recebeu o reino do Senado de Roma
através da influência de Marco Antônio. Isto ocorreu cerca de trinta e cinco
anos antes do nascimento de Cristo (35 a.C.), e cerca de trinta e sete anos
antes de sua própria morte. Esses idumeus eram uma ramificação dos antigos
edomitas que, enquanto os judeus estavam no cativeiro babilônico, e sua terra
desolada, tomaram posse tanto da parte sul da mesma, que fazia parte de toda a
herança da tribo de Simeão, quanto de metade da terra que tinha sido a herança
da tribo de Judá; e ali eles permaneceram até então. No decorrer do tempo, os
idumeus foram conquistados por João Hircano e levados ao judaísmo. Após sua
conversão, eles receberam a circuncisão, se submeteram às leis dos judeus, e se
incorporaram à nação judaica. Desse modo, se tornaram judeus, embora não fizessem
parte da linhagem original de Israel. Isto aconteceu por volta de 129 a.C. Eles eram audaciosos, espertos e cruéis como
príncipes:
tinham
grande visão política, cortejavam a favor de Roma, e se preocupavam apenas com
o estabelecimento de sua própria dinastia. Mas, pela vontade de Deus, com a
destruição de Jerusalém, a dinastia idumeia acabou, e até mesmo o próprio nome
de Herodes parece ter perecido entre as nações.
Além
do massacre das crianças em Belém, que aconteceu pouco antes da morte de Herodes,
ele também tinha encharcado suas mãos no sangue de sua própria família, e no
sangue de muitas pessoas nobres da linhagem asmoneia. Sua cruel inveja em
relação àquela família nunca dormia. Mas um de seus últimos atos foi assinar a
sentença de morte de seu próprio filho. No leito de morte - o que evidentemente
foi um juízo de Deus, tal como aconteceu com seu neto, Herodes Agripa - ele
conseguiu se levantar da cama para dar o mandato de execução de Antípatro e
nomear Arquelau como seu sucessor no trono. Feito isso, caiu para trás e
expirou.
Dessa
forma, infelizmente, os monarcas muitas vezes morriam: distribuindo mortes com
uma mão e reinos com a outra. Mas, e depois? Na realidade nua a crua de sua
própria condição moral, eles devem comparecer ante o tribunal de Deus. O manto
púrpura não mais poderá protegê-los. Uma justiça inflexível rege aquele trono.
Julgados de acordo com as obras feitas no corpo, eles devem ser banidos
eternamente para além do "abismo" que foi "posto" pelo
juízo de Deus(Lucas 16:26). Ali lembrarão, em tormentos, cada momento de sua
história passada - dos privilégios que abusaram, das oportunidades que
perderam, e de todo mal que fizeram. Que o Senhor possa salvar cada alma que
olha para estas páginas do terrível peso destas palavras: "lembrar";
"tormento"; "posto". Elas descrevem e caracterizam o futuro
estado das almas impenitentes (Lucas 16).
A
seita dos herodianos provavelmente era composta dos partidários de Herodes e
tinha caráter principalmente político, tendo, como principal objetivo, a
manutenção da independência nacional dos judeus em face do poder e ambição
romanos. Eles devem ter pensado em usar Herodes para o cumprimento dessa
finalidade. Na história narrada nos evangelhos, eles são lembrados por agir com
astúcia para com o bendito Senhor, e em conspirar com os fariseus. (Mateus
22:15,16; Marcos 12:12, 14).Agora retornarmos à história de nossos apóstolos.
Em
Atos 15, após uma ausência de mais ou menos cinco anos, Pedro aparece
novamente. No entanto, durante aquele tempo não sabemos nada sobre sua morada
ou trabalho. Ele tem um papel ativo na assembleia em Jerusalém, e parece ter
mantido seu antigo lugar entre os apóstolos e anciãos.
PEDRO NA ANTIOQUIA
Pouco
tempo depois, como aprendemos em Gálatas 2, Pedro faz uma visita à Antioquia.
Mas apesar da decisão dos apóstolos e da igreja em Jerusalém, uma
característica fraqueza de Pedro o trai em um ato de dissimulação. Uma coisa é
resolver uma questão na teoria, e outra é realizá-la na prática. Pedro tinha,
realmente, declarado na assembleia que o evangelho que Paulo pregava, pela
revelação dada a ele, não era nada menos do que uma bênção tanto para o judeu
quanto para o gentio. E, enquanto sozinho na Antioquia, ele agiu nesse
princípio, andando na liberdade da verdade celestial e comendo com os gentios.
Mas quando alguns cristãos judeus vieram da parte de Tiago, ele não mais se
atreveu a usar de tal liberdade. "Se foi retirando, e se apartou deles,
temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimulavam com
ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação."
(Gálatas 2:12-13).
"Que
coisa mais pobre que é o homem!", exclamou alguém. "Somos fracos em
relação à nossa importância diante dos homens. Quando não somos nada, podemos
fazer tudo, desde que esteja de acordo com a aceitação dos outros... Paulo,
energético e fiel, pela graça, permanece sozinho de pé, e repreende Pedro
diante de todos."
A
partir de então, no ano 49 ou 50 d.C., seu nome não aparece novamente no livro
de Atos dos Apóstolos, e não temos certeza da esfera de seu trabalho. No
entanto, ele se dirige aos cristãos hebreus em sua primeira carta da seguinte
maneira: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos estrangeiros dispersos no Ponto,
Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia”. Disso podemos concluir que ele trabalhou
nesses países. Sua segunda Epístola data de muito tempo depois, e deve ter sido
escrita pouco tempo antes de sua morte.Vimos isso com o que ele diz no primeiro
capítulo: “Sabendo que brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, como
também nosso Senhor Jesus Cristo já mo tem revelado” (v.14; ver também João
21:18-19).
A
data exata da visita de Pedro a Roma tem sido assunto de grande controvérsia
entre escritores católicos e protestantes em todas as eras. Mas pode ser
considerado um ponto resolvido o fato de ele não ter visitado tal cidade até
uma data bem próxima do fim de sua vida. A data de seu martírio é também
incerta. Muito provavelmente aconteceu em 67 ou 68 d.C., com mais ou menos
setenta anos de idade. O incêndio de Roma causado por Nero é datado por Tácito
por volta do mês de julho de 64. A perseguição contra os cristãos eclodiu logo
depois, e foi sob tal perseguição que nosso apóstolo foi honrado com a coroa do
martírio.
Ele foi sentenciado à
crucificação, sendo esta a mais severa e vergonhosa morte. Mas quando ele olhou
para a cruz, ele suplicou aos oficiais romanos para não ser crucificado do modo
usual, mas que preferiria sofrer de cabeça para baixo, afirmando que ele não
era digno de sofrer na mesma posição de seu bendito Senhor e Mestre. Tendo seu
pedido concedido, ele foi crucificado de cabeça para baixo. Seja isto um fato
ou uma mera lenda, está em conformidade com o temperamento fervente e a
profunda humildade do grande apóstolo.
O APÓSTOLO ANDRÉ
Seguindo
a vida dos apóstolos, vamos tomar nota sobre o apóstolo André.
Os
historiadores sagrados têm sido muito completos e abundantes ao descrever os
atos de Pedro, mas bastante frugais nos relatos sobre seu irmão André. Ele foi
criado com Pedro no ramo de seu pai, e continuou em sua ocupação até ser
chamado pelo Senhor para ser tornar um "pescador de homens".
André,
como outros jovens da Galileia, tinha se tornado um discípulo de João Batista.
No entanto, ao ouvir seu mestre falar, pela segunda vez, de Jesus como o Cordeiro
de Deus, deixou João para seguir a Jesus. Ele foi, imediatamente após isso, o
meio pelo qual seu irmão Pedro foi trazido a seu novo Mestre. Até o momento,
ele tinha a honra de ser o primeiro dos apóstolos a apontar para Cristo (João
1). Ele aparece ainda noscapítulos seis e doze de João, e no décimo terceiro de
Marcos, mas, além desses poucos e espalhados relatos, as Escrituras não relatam
mais nada a respeito dele. Seu nome não aparece nos atos dos Apóstolos, com
exceção do primeiro capítulo.
Conjecturas
e a tradição têm dito muitas coisas sobre ele, mas devemos considerar apenas
fatos razoavelmente estabelecidos. Dizem que ele pregou em Cítia, e que viajou
pela Trácia, Macedônia, Tessália, e que sofreu o martírio em Petra, na Acaia.
Sua cruz, dizem, era formada de dois pedaços de madeira se cruzando no meio, na
forma de X, geralmente conhecida pelo nome de cruz de Santo André. Ele morreu
orando e exortando as pessoas à constância e perseverância na fé. O ano em que
ele sofreu isso é incerto.
Dos
dois irmãos Pedro e André, procedemos aos dois irmãos Tiago e João. Os quatro
também eram parceiros de negócios. Mas vamos falar primeiro de Tiago.
O APÓSTOLO TIAGO
Zebedeu
e seus dois filhos, Tiago e João, estavam seguindo sua ocupação habitual no mar
da Galileia quando Jesus passava por ali. Vendo os dois irmãos, "logo os
chamou. E eles, deixando o seu pai Zebedeu no barco com os jornaleiros, foram
após ele." (Marcos 1:20). Pedro e André também estavam lá. Foi nessa
ocasião que o Senhor pediu a Pedro para se lançar às águas profundas e tentar,
mais uma vez, pegar peixes. Pedro se inclina à razão: eles tinham sido muito
mal sucedidos na noite anterior. Mesmo assim, pela palavra do Senhor, a rede
foi lançada. "E, fazendo assim, colheram uma grande quantidade de peixes,
e rompia-se-lhes a rede." (Lucas 5:6) Espantado, Pedro acenou a seus
parceiros para que fossem e o ajudassem a trazer os peixes à terra.
Uma
plena convicção de que Jesus era o verdadeiro Messias foi, então, levada às
mentes daqueles quatro jovens. Eles podem ter tido dúvidas antes, mas não têm
nenhuma agora. Ao chamado de Jesus eles deixam tudo e se tornam, de uma vez
para sempre, Seus discípulos. Daí em diante se tornariam "pescadores de
homens". Em toda lista que temos dos apóstolos estes quatro nobres homens
são citados primeiro (Mateus 4:17-20; Marcos 1:16-20; Lucas 5:1-11)
Esse
é o chamado de Tiago ao discipulado. Mais ou menos um ano depois ele é chamado
ao apostolado com seus onze irmãos (Mateus 10, Marcos 3, Lucas 6, Atos 1)
Pedro,
Tiago, João e ocasionalmente André sempre foram os companheiros mais íntimos do
bendito Senhor. Somente os três primeiros foram convidados a testemunhar da
ressurreição da filha de Jairo (Marcos 5; Lucas 8). Os mesmos três apóstolos
foram, somente eles, permitidos a estarem presentes na cena da transfiguração
(Mateus 17, Marcos 9, Lucas 9). Foram os mesmos três que testemunharam Sua
agonia no Getsêmani (Mateus 26, Marcos 14, Lucas 22). Mas os quatro, Pedro,
Tiago, João e André, estão juntos quando perguntam ao Senhor em particular
sobre a destruição do templo (Marcos 13).
Assim
como a mudança - ou acréscimo - ao nome de Pedro, os filhos de Zebedeu são
apelidados de Boanerges, ou "filhos do trovão". Grande ousadia e fidelidade pode ter apontado
Tiago para Herodes como o primeiro a ser detido e silenciado. Não é estranho
que "o filho do trovão" e o "homem-pedra" sejam os
primeiros a serem apreendidos. Mas Tiago tem a honra de ser o primeiro dos
apóstolos que receberam a coroa do martírio em 44 d.C., tendo Pedro sido resgatado
por um milagre.
A
inveja de uma mãe e a ambição de seus filhos levam Salomé a pedir por lugares
distintos no reino para seus dois filhos. O Senhor permitiu que o pedido
passasse por uma repreensão muito leve, mas disse aos irmãos que eles deveriam
tomar de Seu cálice e serem batizados com Seu batismo. Tiago foi chamado bem
cedo para cumprir esta predição. Após a ascensão, ele é visto em companhia dos
outros apóstolos emAtos 1. Então ele desaparece da narrativa sagrada até sua
apreensão e morte em Atos 12. E lá é simplesmente dito, na breve linguagem do
historiador inspirado, que o rei Herodes matou Tiago, irmão de João, com a
espada.
Clemente
de Alexandria relata uma tradição sobre o martírio de Tiago que não é algo
improvável de ter realmente ocorrido. Enquanto era levado para o lugar de
execução, o soldado ou oficial que o tinha guardado para o tribunal, ou melhor,
seu acusador, estava tão comovido pela coragem e ousada confissão de Tiago no
momento de seu julgamento que se arrependeu do que tinha feito. Então ele foi e
prostrou-se ao pé do apóstolo, pedindo perdão pelo que tinha dito contra ele.
Tiago, um pouco surpreso, o levantou, o abraçou e o beijou, e disse: "Paz,
meu filho, paz seja contigo, e o perdão de tuas falhas." Antes disso, ele
publicamente tinha professado ser um cristão, e assim ambos foram decapitados
ao mesmo tempo. Assim caiu Tiago, o proto-mártir apostólico, alegremente
tomando o cálice que ele tinha a muito tempo dito ao seu Senhor que estaria
pronto para beber.
O APÓSTOLO TIAGO
Zebedeu
e seus dois filhos, Tiago e João, estavam seguindo sua ocupação habitual no mar
da Galileia quando Jesus passava por ali. Vendo os dois irmãos, "logo os
chamou. E eles, deixando o seu pai Zebedeu no barco com os jornaleiros, foram
após ele." (Marcos 1:20). Pedro e André também estavam lá. Foi nessa
ocasião que o Senhor pediu a Pedro para se lançar às águas profundas e tentar,
mais uma vez, pegar peixes. Pedro se inclina à razão: eles tinham sido muito
mal sucedidos na noite anterior. Mesmo assim, pela palavra do Senhor, a rede
foi lançada. "E, fazendo assim, colheram uma grande quantidade de peixes,
e rompia-se-lhes a rede." (Lucas 5:6) Espantado, Pedro acenou a seus
parceiros para que fossem e o ajudassem a trazer os peixes à terra.
Uma
plena convicção de que Jesus era o verdadeiro Messias foi, então, levada às
mentes daqueles quatro jovens. Eles podem ter tido dúvidas antes, mas não têm
nenhuma agora. Ao chamado de Jesus eles deixam tudo e se tornam, de uma vez
para sempre, Seus discípulos. Daí em diante se tornariam "pescadores de
homens". Em toda lista que temos dos apóstolos estes quatro nobres homens
são citados primeiro (Mateus 4:17-20; Marcos 1:16-20; Lucas 5:1-11)
Esse
é o chamado de Tiago ao discipulado. Mais ou menos um ano depois ele é chamado
ao apostolado com seus onze irmãos (Mateus 10, Marcos 3, Lucas 6, Atos 1)
Pedro,
Tiago, João e ocasionalmente André sempre foram os companheiros mais íntimos do
bendito Senhor. Somente os três primeiros foram convidados a testemunhar da
ressurreição da filha de Jairo (Marcos 5; Lucas 8). Os mesmos três apóstolos
foram, somente eles, permitidos a estarem presentes na cena da transfiguração
(Mateus 17, Marcos 9, Lucas 9). Foram os mesmos três que testemunharam Sua
agonia no Getsêmani (Mateus 26, Marcos 14, Lucas 22). Mas os quatro, Pedro,
Tiago, João e André, estão juntos quando perguntam ao Senhor em particular
sobre a destruição do templo (Marcos 13).
Assim
como a mudança - ou acréscimo - ao nome de Pedro, os filhos de Zebedeu são
apelidados de Boanerges, ou "filhos do trovão". Grande ousadia e fidelidade pode ter apontado
Tiago para Herodes como o primeiro a ser detido e silenciado. Não é estranho
que "o filho do trovão" e o "homem-pedra" sejam os
primeiros a serem apreendidos.
Mas
Tiago tem a honra de ser o primeiro dos apóstolos que receberam a coroa do
martírio em 44 d.C., tendo Pedro sido resgatado por um milagre.
A
inveja de uma mãe e a ambição de seus filhos levam Salomé a pedir por lugares
distintos no reino para seus dois filhos. O Senhor permitiu que o pedido
passasse por uma repreensão muito leve, mas disse aos irmãos que eles deveriam
tomar de Seu cálice e serem batizados com Seu batismo. Tiago foi chamado bem
cedo para cumprir esta predição. Após a ascensão, ele é visto em companhia dos
outros apóstolos em Atos 1. Então ele desaparece da narrativa sagrada até sua
apreensão e morte em Atos 12. E lá é simplesmente dito, na breve linguagem do
historiador inspirado, que o rei Herodes matou Tiago, irmão de João, com a
espada.
Clemente
de Alexandria relata uma tradição sobre o martírio de Tiago que não é algo
improvável de ter realmente ocorrido. Enquanto era levado para o lugar de
execução, o soldado ou oficial que o tinha guardado para o tribunal, ou melhor,
seu acusador, estava tão comovido pela coragem e ousada confissão de Tiago no
momento de seu julgamento que se arrependeu do que tinha feito. Então ele foi e
prostrou-se ao pé do apóstolo, pedindo perdão pelo que tinha dito contra ele.
Tiago, um pouco surpreso, o levantou, o abraçou e o beijou, e disse: "Paz,
meu filho, paz seja contigo, e o perdão de tuas falhas." Antes disso, ele
publicamente tinha professado ser um cristão, e assim ambos foram decapitados
ao mesmo tempo. Assim caiu Tiago, o proto-mártir apostólico, alegremente
tomando o cálice que ele tinha a muito tempo dito ao seu Senhor que estaria
pronto para beber.
O APÓSTOLO JOÃO
João
era filho de Zebedeu e Salomé, e irmão mais novo de Tiago. Embora seu pai fosse
um pescador, eles aparentemente estavam em boas circunstâncias de acordo com a
narrativa do Evangelho. Alguns dos antigos falam da família como sendo rica, e
até mesmo de conexão nobre. Porém, tais tradições não são reconciliáveis com os
fatos relatados nas Escrituras. Lemos, no entanto, de seus
"jornaleiros", e eles podem ter tido mais do que apenas um barco.
Quanto a Salomé, sem dúvidas, foi uma daquelas mulheres honradas que serviam ao
Senhor com o que tinham. E João tinha sua própria casa (Lucas 8:3; João 19:27).
A partir desses fatos, podemos inferir, com segurança, que a situação deles era
consideravelmente acima da pobreza. Como muitos têm sido extremos ao falar dos
apóstolos como pobres e analfabetos, é interessante observar algumas poucas
dicas nas escrituras sobres esses assuntos.
Do
caráter de Zebedeu nada sabemos. Ele não fez objeções a seus filhos quando o
deixaram ao chamado do Messias. Mas não ouvimos mais sobre ele depois disso.
Frequentemente encontramos a mãe em companhia dos seus filhos, mas não há
menções ao pai. É provável que ele tenha morrido pouco depois do chamado de
seus filhos.
O
evangelista Marcos, ao enumerar os doze apóstolos (Marcos 3:17), quando
menciona Tiago e João, diz que nosso Senhor "pôs o nome de Boanerges, que
significa: Filhos do trovão." O que nosso Senhor particularmente
pretendeu, com esse título, não é facilmente determinado. Conjecturas têm
havido muitas. Alguns supõem que seria porque esses dois irmãos eram da mais
furiosa e resoluta disposição, e de um temperamento mais feroz e ardente do que
o resto dos apóstolos. Mas não vemos motivo para tal suposição na história
narrada nos Evangelhos. Sem dúvida, em uma ou duas ocasiões o zelo deles era
intemperado, mas isso foi antes de entenderem o espírito de seu chamado. É mais
provável que nosso Senhor os tenha apelidado em profecia ao zelo ardente deles
ao proclamar aberta e corajosamente as grandes verdades do evangelho, após
tê-lo conhecido plenamente. Estamos certos de que João, em companhia de Pedro
nos primeiros capítulos de Atos, demonstrou uma coragem que não temia ameaças,
e não era intimidado por nenhuma oposição.
Supõe-se
que João era o mais novo de todos os apóstolos e, a julgar por seus escritos,
parece ter sido possuído por uma disposição singularmente carinhosa, suave e
amável. Ele foi caracterizado como "o discípulo a quem Jesus amava".
Em várias ocasiões, ele foi admitido a uma livre e íntima relação com o Senhor
(João 13).
"O
que distinguia João", diz Neander, "era a união das mais opostas
qualidades, como temos muitas vezes observado em grandes instrumentos do avanço
do reino de Deus - a união de uma disposição inclinada à silente e profunda
meditação, com um ardente zelo, embora não impulsionado a uma grande e
diversificada atividade no mundo exterior; não um zelo apaixonado, como supomos
que tenha enchido os peitos de Paulo antes de sua conversão. Mas havia também
um amor, não suave e flexível, mas um que se agarrava com tudo o que podia, e
firmemente retia o objetivo para o qual se dirigia - vigorosamente repelindo
qualquer coisa que desonrasse esse objetivo, ou tentasse arrancá-lo de sua
posse; tal era sua principal característica."
E
a história de João está tão intimamente conectada com as histórias de Pedro e
Tiago, as quais já abordamos, que podemos agora ser bastante breves. Esses três
nomes raramente são vistos separados na história dos Evangelhos. Mas há uma
cena em que João aparece sozinho e que é digna de nota. Ele era o único
apóstolo que seguiu Jesus ao lugar de Sua crucificação. E lá ele foi
especialmente honrado com o respeito e confiança de seu Mestre. "Ora Jesus,
vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse a
sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe.
E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa." (João 19:26-27)
Após
a ascensão de Cristo e a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, João
se tornou um dos principais apóstolos da circuncisão. Mas seu ministério
continua até o final do primeiro século. Com sua morte, a era apostólica
naturalmente se encerra.
Há
uma tradição muito difundida e geralmente aceita de que João permaneceu na
Judeia até depois da morte da virgem Maria. A data do evento é incerta. Mas
logo depois ele prosseguiu para a Ásia Menor. Lá ele plantou e cuidou de várias
igrejas em diferentes cidades, mas fez de Éfeso seu centro. De lá ele foi
banido para a Ilha de Patmos, perto do final do reinado de Domiciano. Ali ele
escreveu o livro de Apocalipse (ou Revelação) (Apocalipse 1:9). Em sua
libertação do exílio, pela ascensão de Nerva ao trono imperial, João retornou a
Éfeso, onde escreveu seu Evangelho e suas Epístolas. Ele morreu por volta do
ano 100 d.C., no terceiro ano do imperador Trajano, e com mais ou menos cem
anos de idade.
Das
muitas tradições sobre o próprio João, selecionamos apenas uma, que pensamos
ser a mais interessante e a mais provável de que seja verdade. Como um que foi
incansável em seu amor e cuidado para com as almas dos homens, ele estava
profundamente entristecido pela apostasia de um rapaz pelo qual ele tinha
especial interesse. Ao revisitar o lugar onde ele o tinha deixado, ouviu que
ele tinha se unido a um bando de ladrões e se tornado o capitão deles. Seu amor
por ele era tão grande que se determinou a encontrá-lo. Assim, foi ao encalço
dos ladrões e deixou-se capturar, implorando que o levassem à presença do
capitão deles. Quando ele viu a venerável
aparência do velho apóstolo, sua consciência foi despertada. A lembrança
dos dias passados foi maior do que ele podia suportar, de modo que fugiu, em
consternação, de sua presença. Mas João, cheio de amor paternal, foi atrás
dele. Ele pediu que o rapaz se arrependesse e retornasse à igreja, e o
encorajou pela certeza do perdão de seus pecados no nome do Senhor Jesus. Sua
maravilhosa afeição para com o rapaz e sua profunda preocupação pela sua alma o
venceram por completo. Ele se arrependeu, retornou, foi restaurado e,
posteriormente, se tornou um digno membro da comunidade cristã. Que possamos
buscar a fazer o mesmo na restauração de desviados!
Chegamos
agora ao que podemos chamar de segundo grupo de quatro apóstolos; e, assim como
Pedro encabeçava o primeiro grupo, o segundo é liderado pelo apóstolo Filipe.
O APÓSTOLO FILIPE
Nos
três primeiros Evangelhos ele é apresentado nessa ordem. Ele é mencionado como
sendo de Betsaida, a cidade de André e Pedro (João 1:44). É mais que provável
que ele estivesse entre os galileus daquele distrito que se reuniram para ouvir
a pregação de João Batista. Embora nenhuma parte da Palestina tenha sido tão
mal falada como a Galileia, foi destes desprezados, mas simples, sinceros e
devotos galileus que nosso Senhor escolheu Seus apóstolos. "Examina",
disseram os fariseus, "e verás que da Galileia nenhum profeta surgiu"
(João 7:52). Mas afirmações muito generalizadas, em geral, costumam ser falsas.
"Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?" é uma amostra desse caráter.
Nada
é dito na história do Evangelho sobre os pais de Filipe ou sua ocupação. O mais
provável é que ele tenha sido um pescador, o comércio geral daquele lugar. A
partir da similaridade da linguagem utilizada por Filipe e André, e por serem
repetidamente mencionados juntos, podemos concluir que nosso apóstolo, assim
como os filhos de Jonas e Zebedeu, eram amigos íntimos, e que eles todos
estavam procurando e esperando pelo Messias. Mas, de todo o círculo dos
discípulos de nosso Senhor, Filipe tem a honra de ser o primeiro a ser chamado.
Os três primeiros tinham vindo a Cristo e conversado com Ele antes de Filipe,
mas depois disso eles voltaram às suas ocupações e não foram chamados para
seguir o Senhor até cerca de um ano mais tarde. Mas Filipe foi chamado de uma
vez por todas. "No dia seguinte quis Jesus ir à Galileia, e achou a
Filipe, e disse-lhe: Segue-me." (João 1:43). Estas palavras, tão cheias de
significado e rica bênção para a alma, "Segue-me", (cremos) que tenham
sido as primeiras ditas a Filipe. Quando os doze foram especialmente separados
de seus ofícios, Filipe foi contado entre eles.
Imediatamente
após seu chamado, ele encontra Natanael e o leva a Jesus. É evidente, pela
feliz surpresa que respira em sua informação, que eles já tinham conversado
sobre essas coisas antes. Seu coração estava agora seguro de sua verdade, daí a
alegria expressa nestas palavras: "Havemos achado aquele de quem Moisés
escreveu na lei, e os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José." (João
1:45). Há uma evidente sinceridade de coração em Filipe, embora pouco seja dito
sobre ele nos Evangelhos.
Nossa
última menção a ele, assim como a primeira, é profundamente interessante. Tendo
ouvido o Senhor se referir repetidamente ao Seu Pai em João 12,13 e 14, Filipe
manifestou um forte desejo de conhecer mais sobre o Pai. As comoventes palavras
de nosso Senhor sobre Seu Pai parecem ter causado uma profunda impressão e
admiração em seu coração. "Pai, salva-me desta hora"(João 12:27); "Pai,
glorifica o teu nome" (João 12:28); "Na casa de meu Pai há muitas
moradas" (João 14:2); sem dúvida, tais palavras penetraram profundamente
nos corações de todos os discípulos. Mas há uma bela simplicidade sobre Filipe,
embora carente de inteligência. "Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o
Pai, o que nos basta." (João 14:8). Há uma evidente repreensão, se não uma
reprovação, na resposta do Senhor a Filipe: "Disse-lhe Jesus: Estou há
tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o
Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai, e que
o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o
Pai, que está em mim, é quem faz as obras." (João 14:9-10). Ele era a
revelação do Pai em Sua própria Pessoa, e Filipe deveria sabê-lo. Ele já estava
a muito tempo com Seus discípulos, e eles deveriam ter visto que Ele estava no
Pai, e o Pai nEle, e que Ele iria para o Pai. Eles tinham tanto as
"palavras" quanto as "obras" do Filho para convencê-los de
que o Pai habitava nEle. Eles tinham ouvido Suas palavras, eles tinham visto
Suas obras, eles tinham testemunhado Seu caráter, e essas coisas foram
ajustadas e destinadas para trazer o Pai diante deles. Sua própria Pessoa era a
resposta para qualquer pergunta. "Eu sou o caminho, a verdade e a
vida." Ele é o caminho - o único caminho ao Pai. Ele era a verdade: a
verdade quanto a tudo e todos, como são, é apenas conhecida por Ele.
Ele
é a vida - "aquela vida eterna, que estava com o Pai, e nos foi
manifestada". Mas é apenas pelo ensino e poder do Espírito que Ele, que é
"o caminho, a verdade e a vida", é conhecido e desfrutado. E deve
haver sujeição de coração a Cristo se desejamos conhecer o ensino do Espírito.
Após
tal profundamente interessante e instrutiva conversa com o Senhor, tudo é
incerto quanto ao resto da história de Filipe - seu nome desaparece da
narrativa dos Evangelhos. Ele estava ainda entre os apóstolos em Atos 1:13. A
tradição tem confundido, tão frequentemente, o Filipe evangelista com o Filipe
apóstolo, que tudo é incerto. Sem dúvidas seus dias restantes foram gastos no
serviço devoto ao seu Senhor e Salvador, mas em que lugar é difícil determinar.
Alguns pensam que a Ásia foi o cenário de seus primeiros labores, e que no
final de sua vida ele esteve em Hierápolis, na Frígia, onde sofreu um cruel
martírio.
O APÓSTOLO BARTOLOMEU
Em
geral, acredita-se, tanto pelos antigos quanto pelos modernos, que a história
de Bartolomeu está oculta sob outro nome. Que ele foi um dos doze apóstolos
está perfeitamente claro na narrativa dos Evangelhos, embora nada mais seja
dito sobre ele além da mera noção de seu nome. Nos três primeiros Evangelhos,
Filipe e Bartolomeu são mencionados juntos; no Evangelho de João, vemos Filipe
e Natanael. Tal circunstância tem dado origem a uma suposição muito comum: que
na verdade sejam diferentes nomes para a mesma pessoa. Isso era muito comum
entre os judeus. Por exemplo, Simão Pedro é chamado de "Bar-jonas",
que simplesmente significa: o filho de Jonas. "Bar-timeu", também, significa
"filho de Timeu"; e "Bar-tolomeu" parece ser um nome do
mesmo tipo. Esses são apenas nomes relativos, e não próprios.
Dada
a generalidade desse costume entre os judeus, muitas vezes é extremamente
difícil identificar as pessoas na história dos Evangelhos.
Assumindo,
então, que Natanael de João é o Bartolomeu dos Evangelhos sínóticos,
prosseguimos com o que sabemos de sua história. Como o resto dos apóstolos, ele
era um galileu; ele era "de Caná da Galileia". Vimos anteriormente
que ele foi primeiramente conduzido a Cristo por meio de Filipe. Ao se
aproximar, ele foi saudado pelo Senhor com a mais honrada distinção: "Eis
aqui um verdadeiro israelita, em quem não há dolo." (João 1:47). Ele era,
sem dúvidas, um homem de verdadeira simplicidade e integridade de caráter, e um
que "esperava pela redenção em Israel". Surpreso com tão graciosa
saudação de nosso Senhor, e se perguntando como Ele poderia conhecê-lo à
primeira vista, "disse-lhe Natanael: De onde me conheces tu? Jesus
respondeu, e disse-lhe: Antes que Filipe te chamasse, te vi eu, estando tu
debaixo da figueira." (João 1:48). Solene e bendito pensamento! Ele estava
diante dAquele - um homem - neste mundo que conhecia os segredos de seu coração
e de seus caminhos. Natanael estava agora plenamente convencido da absoluta
divindade do Messias, e O reconhece em Sua maior glória como "o Filho de
Deus", assim como "o rei de Israel".
O
caráter de Natanael e seu chamado são considerados por muitos como uma figura
do remanescente de Israel sem dolo nos últimos dias. A alusão à figueira - um
conhecido símbolo de Israel - confirma tal visão dessa passagem; e assim
declara seu belo testemunho: "Rabi, tu és o Filho de Deus; tu és o Rei de
Israel." (João 1:49). O remanescente disperso, visto e conhecido pelo Senhor,
irá então confessar sua fé nEle, como os profetas mostraram tão plenamente.
E
todos aqueles que então reconhecerem o Messias verão Sua glória universal como
o Filho do homem, de acordo com o Salmo 8. Aquele dia vindouro de ampla glória
é antecipada por nosso Senhor em Suas conclusivas observações a Natanael:
"Na verdade, na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto,
e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem." (João
1:51). Então os céus e a terra serão unidos, como podemos lembrar da escada de
Jacó. Mas devemos agora retornar à história de nosso apóstolo.
A
mais distinta e conclusiva passagem quanto ao seu apostolado se encontra em
João 21. Ali o encontramos em companhia dos outros apóstolos, a quem nosso
Senhor apareceu no Mar da Galileia após Sua ressurreição. "Estavam juntos
Simão Pedro, e Tomé, chamado Dídimo, e Natanael, que era de Caná da Galiléia,
os filhos de Zebedeu, e outros dois dos seus discípulos" que provavelmente
eram André e Filipe.
Há
uma tradição geralmente aceita de que Bartolomeu viajou até a Índia pregando o
evangelho - provavelmente àquela parte da Índia mais próxima da Ásia. Após ter
viajado a diferentes lugares, buscando disseminar o cristianismo, ele
finalmente chegou a Albanópolis na Armênia Maior, um lugar infestado pela
idolatria. Lá ele foi preso pelo governador do lugar, e condenado à
crucificação. A data não é conhecida com exatidão.
O APÓSTOLO MATEUS
Mateus - também
chamado Levi, o filho de Alfeu; mas não o mesmo Alfeu, acreditamos, que o Alfeu
pai de Tiago (Mateus 10:3; Marcos 2:14; Lucas 5:27-29). Embora fosse um oficial romano,
ele era "um hebreu de hebreus", e provavelmente um galileu; mas de
qual cidade ou tribo não somos informados. Antes do seu chamado para seguir o
Messias, ele era um publicano, ou coletor de impostos, sob o comando romano.
Ele parece ter sido alocado em Cafarnaum, uma cidade marítima no Mar da Galileia. Ali ele era o que podemos
chamar de um oficial de alfândega. Era nesta qualidade que Jesus o encontrou.
Quando Ele passou, Ele o viu "sentado na alfândega, e disse-lhe: Segue-me.
E, levantando-se, o seguiu." (Marcos 2:14) Mas antes de prosseguirmos com
a história de Mateus, vamos considerar algumas palavras sobre o caráter de sua
ocupação, uma vez que é tão frequentemente mencionada no Novo Testamento, e por
ser um termo realmente genérico.
Os
publicanos propriamente ditos eram pessoas que coletavam os impostos ou
rendimentos públicos para Roma. Eles eram, geralmente, pessoas de riqueza e
crédito. Era considerada, ente os romanos, uma posição de honra, e geralmente
conferida a cavaleiros romanos. Sabino (segundo a história, o pai do Imperador
Vespasiano), era o publicano das províncias asiáticas. Eles tinham sob eles
oficiais inferiores, e estes, geralmente, eram nativos das províncias das quais
os impostos eram coletados; sem dúvida, Mateus pertencia a esta classe de
oficial.
Estes
suboficiais eram, por toda a parte, notórios por suas cobranças fraudulentas.
Mas para os judeus, eles eram especialmente odiosos. Os judeus olhavam para si
mesmos como um povo nascido livre que tinha privilégios concedidos diretamente
do Próprio Deus. "Somos descendência de Abraão," diziam eles, "e
nunca servimos a ninguém" (João 8:33). Consequentemente, os coletores de
impostos romanos eram a prova visível da escravidão deles, e do estado de
degradação de sua nação. Esse era o grilhão que os afligia e os incitava a
muitos atos de rebelião contra os romanos. Por isso que os publicanos eram
abominados pelos judeus. Eles os viam como traidores e apóstatas, e como
ferramentas do opressor. Além disso, os publicanos eram, na maioria, injustos
em suas cobranças; e tendo a lei do seu lado, eles podiam forçar os pagamentos.
Estava sob o poder deles examinar cada caso de bens exportados ou importados, e
de avaliar o alegado valor da maneira mais vexatória. Podemos saber, baseado no
que João disse a eles, que eles cobravam injustamente sempre que tinham a
oportunidade. "E ele lhes disse: Não peçais mais do que o que vos está
ordenado." (Lucas 3:13). Veja também o caso de Zaqueu (Lucas 19:9)
Certamente
essas coisas eram mais do que suficientes para trazer toda essa classe de
oficiais à maior repulsa, em todo lugar. Mas vamos nos limitar ao que
aprendemos deles no Novo Testamento. O espírito da verdade nunca exagera. Ali
os encontramos associados a pecadores (Mateus 9:11; 11:19), a prostitutas
(Mateus 21:31, 32), e a pagãos (Mateus 18:17). Como classe, eles eram
considerados como estando fora, não somente dos privilégios do santuário, mas
também dos privilégios da sociedade civil. E ainda assim, apesar de todas essas
desvantagens, eles são contados entre alguns dos primeiros discípulos tanto de
João quanto de nosso Senhor. Eles tinham menos hipocrisia do que aqueles que
eram melhor estimados; eles não tinham uma moralidade convencional, e não
tinham uma falsa religião para desaprender. Estas coisas podem ser bastante
discutidas a partir da parábola do Fariseu e do Publicano (Lucas 18). A bondade
convencional é um grande obstáculo à salvação da alma. É difícil, para tais,
tomar o lugar de um pecador perdido e arruinado, para que a graça possa ter
livre curso para fazer sua bendita, salvífica e graciosa obra. Aquele que seria
justificado diante de Deus deveria tomar o lugar de um publicano e fazer a
mesma oração do publicano: "Ó Deus, tem misericórdia de mim, um
pecador!" (Lucas 18:13). Retornemos agora à história de nosso apóstolo.
Com
grande prontidão Mateus obedeceu ao chamado de Jesus. Sua situação lucrativa
logo foi deixada para trás, e sua conversão, tão completa e manifesta, foi
acompanhada de muita bênção para outros. Havia um grande despertar e interesse
entre sua própria classe. "E fez-lhe Levi um grande banquete em sua casa;
e havia ali uma multidão de publicanos e outros que estavam com eles à mesa."
(Lucas 5:29) Um banquete é o símbolo de alegria e regozijo - o efeito imediato
de um coração rendido a Cristo. É digno de nota que em seu próprio Evangelho
ele torna seu nome bem conhecido, mas nenhum dos outros evangelistas falam do
"Mateus, o publicano". Junto com os outros ele foi escolhido como um
dos doze. Daquele tempo em diante ele continuou com o Senhor como o restante
dos apóstolos. Que bendito privilégio! - "um acompanhante familiar de Sua
pessoa, um espectador de Sua vida pública e privada, um ouvinte de Suas
palavras e discursos, um observador de Seus milagres, uma testemunha de Sua
ressurreição e ascensão à glória." Isto ele não testifica, embora tenha
visto. Mateus estava com os outros apóstolos no dia de Pentecostes e recebeu o
dom do Espírito Santo. Quanto tempo ele continuou na Judeia após aquele evento,
disto não somos informados. Supõe-se que seu Evangelho seja o primeiro que foi
escrito, e contém uma referência especial a Israel.
À
Etiópia é geralmente atribuída a cena de seus trabalhos apostólicos. Ali, dizem
alguns, pela pregação e milagres, ele triunfou poderosamente sobre o erro e a
idolatria, foi o meio de conversão de muitos, nomeou guias e pastores
espirituais para os confirmar e edificar, e para levar outros à fé; e ali
terminou seu curso. Mas as fontes de informação sobre esses pontos não podem
ser confiadas com muita certeza.
O APÓSTOLO TOMÉ
O
apóstolo Tomé foi convocado por nosso Senhor para o apostolado, sendo
mencionado em várias listas apostólicas. Não somos informados de seu local de
nascimento ou sobre seus pais nas Escrituras, mas a tradição diz que ele nasceu
na Antioquia. Tudo o que sabemos dele com certeza é relatado por João. Mas
embora nosso conhecimento sobre Tomé seja limitado, não há um caráter entre os
apóstolos mais distintamente marcante do que o dele. De fato, seu nome se
tornou, tanto na igreja quanto no mundo, um sinônimo de dúvida e incredulidade.
Um famoso artista, tendo sido designado a produzir um retrato do apóstolo Tomé,
o desenhou com uma régua na mão, no sentido de que ele media as evidências e
argumentos. Sua mente era pensativa, meditativa, demorada para acreditar. Ele
olhava para todas as dificuldades de uma questão e se inclinava a tomar o lado
negro das coisas. Mas vamos olhar, por um momento, para o retrato que a pena da
inspiração divina desenhou pelas seguintes três passagens:
1.
Em João 11, seu verdadeiro caráter aparece distintamente. Ele evidentemente via
a viagem proposta por nosso Senhor até a Judeia com os mais sombrios
pressentimentos. "Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos condiscípulos:
Vamos nós também, para morrermos com ele." (João 11:16) Em vez de
acreditar que Lázaro seria ressuscitado dos mortos, ele temeu que tanto o
Senhor quanto Seus discípulos encontrariam suas próprias mortes na Judeia. Ele
não conseguia ver nada em tal viagem além de um completo disastre. Isso também
é característico. Ele tinha profunda afeição pelo Senhor, e tal era sua devoção
que, embora a viagem pudesse custar a vida de todos eles, ele desejava ir.
2.
A segunda vez em que ele é referenciado é após a Última Ceia (João 14). Nosso
Senhor falava de sua partida, do lar que Ele iria preparar para eles no Céu, e
que Ele viria de novo e os receberia para Ele mesmo, de modo que onde Ele
estivesse eles estivessem também. "Mesmo vós sabeis para onde vou",
acrescentou Ele, "e conheceis o caminho" (João 14:4). Mas para a
mente do nosso apóstolo essas belas promessas apenas despertaram pensamentos
sombrios sobre o invisível, o desconhecido e o futuro. "Disse-lhe Tomé:
Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho?"
(João 14:5). Evidentemente, ele estava ansioso para ir, e sincero em seus
questionamentos, mas ele desejava ter certeza do caminho antes de dar o
primeiro passo. "Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida;
ninguém vem ao Pai, senão por mim." (João 14:6). Contanto que o olho
esteja fixo em Cristo, é impossível darmos um passo em falso. É apenas o olho
que recebe a luz dos céus que lança seu brilho sobre todo o caminho.
3.
A terceira vez foi após a ressurreição (João 20). Ele estava ausente quando o
Senhor ressurreto apareceu pela primeira vez aos discípulos. Quando contaram a
ele que eles tinham visto o Senhor, ele obstinadamente se recusou a acreditar
no que eles diziam. Pelo que ele diz, podemos razoavelmente concluir que ele
tinha visto o Senhor na cruz, e que tal esmagadora visão havia produzido uma
profunda impressão em sua mente. "Se eu não vir o sinal dos cravos em suas
mãos, e não puser o meu dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no
seu lado, de maneira nenhuma o crerei." (João 20:25).
No
seguinte dia do Senhor (domingo),quando os discípulos estavam reunidos, Jesus
apareceu no meio deles - Seu lugar apropriado como o centro da reunião.
Novamente os saudou com as mesmas palavras de paz: "Paz seja
convosco" (João 20:26). Mas logo Ele se dirige a Tomé. "Depois disse
a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na
no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente." (João 20:27). O efeito em
Tomé foi imediato: todas as suas dúvidas foram removidas, e em verdadeira fé
exclamou: "Senhor meu, e Deus meu!" (João 20:28) "Disse-lhe
Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e
creram." (João 20:29)
Alguns
têm pensado que a fé de Tomé, neste caso, se eleva muito acima da fé dos outros
discípulos, e que nunca um testemunho tão elevado saiu dos lábios de um
apóstolo. Esta opinião, embora seja comum, não pode ser fundada dado o contexto
geral. Cristo, em resposta a Tomé, pronuncia que são mais abençoados aqueles
que, não tendo visto, ainda assim creram. A fé de Tomé, naquele momento, mal
podia ser chamada de fé cristã, como nosso Senhor evidentemente sugere. A fé
cristã é crer naquEle que não temos visto - andando pela fé, e não pela vista.
Tomé,
sem dúvidas, representa a mente devagar e incrédula dos judeus nos últimos
dias, que acreditarão apenas quando verem (Zacarias 12). Ele não estava
presente na primeira reunião dos santos após a ressurreição. O motivo nós não
sabemos. Mas quem pode estimar a bênção que pode ser perdida pela ausência nas
sancionadas reuniões dos santos? Ele perdeu as benditas revelações de Cristo
quanto ao relacionamento com o Pai: "Meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso
Deus."(João 20:17). Sua fé não está conectada com sua posição de filho.
"Ele não tinha ainda apreendido a eficácia da obra do Senhor", disse
alguém, "e do relacionamento com Seu Pai ao qual Jesus conduziu a Sua
igreja. Talvez Tomé tivesse paz, mas ele perdeu de vista toda a revelação da
posição da igreja.Quantas almas - até mesmo almas salvas - se encontram nessas
duas condições!"
Os
futuros trabalhos apostólicos de Tomé, e o fim de sua vida, são tão cheios de
tradições e lendas que não podemos saber nada com certeza. Alguns dizem que ele
esteve na Índia e alguns que ele esteve na Pérsia. Seu martírio, dizem, foi
ocasionado por uma lança, e até hoje se comemora isto, em 21 de dezembro pela
igreja latina, em 6 de outubro pela igreja grega, e em 1º de julho pelos
indianos.
O APÓSTOLO TIAGO, FILHO DE ALFEU
A
identificação dos Tiagos, das Marias, e dos irmãos do Senhor, tem sido por
muito tempo um ponto de discussão pelos críticos, e aqui não haveria lugar para
ficar remoendo suas teorias e argumentos. Mas, depois de olhar para diferentes
lados da questão, ainda acreditamos que o nosso apóstolo é o mesmo Tiago que
foi um homem importante para a igreja de Jerusalém - o mesmo que escreveu
"A Epístola Universal de Tiago" - e que também é chamado de irmão do
Senhor e apelidado de "o Justo" e "o Menor", provavelmente
por causa de sua baixa estatura. A identificação de pessoas em tais histórias
costuma ser extremamente difícil, graças ao hábito, tão comum entre os judeus,
de se referir às pessoas pelas suas relações - como a relação de irmão e irmã -
e pelo fato de que quase todos eles possuíam dois ou mais nomes.
Nas
quatro listas dos apóstolos, Tiago sempre se mantém no mesmo lugar. Ele lidera
a terceira classe. Pedro parece liderar o primeiro grupo, Filipe o segundo, e
Tiago o terceiro. Muito pouco se sabe sobre Tiago até o período posterior à
ressurreição. Pelo que Paulo relata em 1 Coríntios 15:7, é evidente que Tiago
tinha sido honrado com uma conversa pessoal com o Senhor antes de Sua ascensão.
Isto foi antes do dia de Pentecostes, e pode ter ocorrido para incentivo,
orientação e fortalecimento especial do apóstolo. Vamos agora observar as
principais passagens que nos dão base para adquirirmos nosso conhecimento sobre
Tiago.
No
primeiro capítulo de Atos o encontramos, junto com os outros, à espera dapromessa
do Pai, o dom do Espírito Santo. Depois disso o perdemos de vista, até que ele
é visitado por Paulo (Gálatas 1:18,19) por volta do ano 39 d.C. Ali o
encontramos na mesma posição de Pedro como um apóstolo. Ele era, nesse tempo, o
supervisor (ou bispo) da igreja em Jerusalém, e se encontrava no mesmo nível
dos principais apóstolos. O lugar que ele ocupava na estima de Pedro é evidente
a partir do fato de que, quando Pedro foi liberto da prisão, ele desejava que a
informação sobre sua libertação fosse enviada a "Tiago e aos irmãos."
(Atos 12:17)
Em
50 d.C., encontramo-lo no concílio apostólico, onde parece exercer juízo na
assembleia. "Por isso julgo que não se deve perturbar aqueles, dentre os
gentios, que se convertem a Deus." (Atos 15:19) Não existe nenhum relato
de outros apóstolos falando desta maneira. Parece que ele tinha adquirido
grande posição e autoridade apostólica. Por volta do ano 51, quando Paulo fez
outra visita a Jerusalém, ele reconhece Tiago como um dos "pilares"
(ou "colunas") da igreja, e cita seu nome antes do de Cefas (Pedro) e
João (Gálatas 2:9). Mais uma vez, por volta do ano 58, Paulo fez uma visita
especial a Tiago, na presença de todos os anciãos. "E no dia seguinte,
Paulo entrou conosco em casa de Tiago, e todos os anciãos estavam
presentes." (Atos 21:18) Vê-se facilmente, a partir destas poucas
observações, que Tiago tinha a mais alta estima dos demais apóstolos, e que
ocupava uma posição importante na igreja de Jerusalém. Seu apego ao judaísmo
era profundo e sério, e seu avanço no cristianismo parece ter sido lento e
gradual. Ele era um oposto perfeito de Paulo, e Pedro era o meio-termo entre
ambos.
O
martírio de Tiago aconteceu por volta do ano 62, mais ou menos trinta anos
depois do Pentecostes. O testemunho da antiguidade é universal quanto à sua
distinta piedade e santidade. Sua humildade, também, sempre é relatada como
sendo grande: embora ele fosse irmão de sangue do Senhor, ou um parente
próximo, ele se auto-intitula de servo de Jesus Cristo, e não faz nada além de se
chamar pelo título de apóstolo. Por causa de sua reputação por ter uma vida
santa e justa, ele foi universalmente denominado "Tiago, o Justo." E,
como se conformava aos costumes judaicos em certa medida, ele não era,
definitivamente, tão ofensivo aos olhos de seus compatriotas incrédulos como o
apóstolo dos gentios (Paulo). Mas, mesmo com a elevada opinião que,
acredita-se, as pessoas tinham sobre seu caráter, sua vida foi prematuramente
terminada com o martírio.
Temos
acesso a um relato da vida, caráter e morte de Tiago graças, principalmente, a
Hegésipo, um cristão de origem judaica que viveu em meados do século II. Ele
geralmente é recebido como um historiador confiável. Sua narrativa sobre o
martírio de Tiago é encontrada na íntegra, e em suas próprias palavras, no
"Dicionário Bíblico de Smith". Aqui só podemos apresentá-la em
resumo:
Uma
vez que muitos dos governantes e do povo dos judeus tornaram-se crentes em
Jesus através dos trabalhos de Tiago, os escribas e fariseus estavam muito
incitados contra ele. Todo o povo, diziam eles, iriam acreditar em Cristo se
continuasse assim. Por isso, foram até Tiago e disseram: "Te pedimos que
pare as pessoas, pois se desviaram após Jesus como se Ele fosse o Cristo. Te
pedimos para convencer a todos os que vêm para a Páscoa a respeito de Jesus.
Persuada o povo para que não se desviem para Jesus; para que todo o povo, e
para que todos nós, dê ouvidos a ti. Estejas, portanto, sobre o pináculo do
templo para que estejas visível, e para que as tuas palavras possam ser ouvidas
por todo o povo; para todas as tribos e até mesmo aos gentios que estiverem
reunidos para a Páscoa." Tiago, no entanto, em vez de dizer o que lhe foi
pedido, proclamou em alta voz aos ouvidos de todo o povo que Jesus era o
verdadeiro Messias, que ele acreditava firmemente nEle, que Jesus estava agora
no Céu à mão direita de Deus, e que ele viria outra vez em poder e grande
glória. Muitos foram convencidos por meio da pregação de Tiago e deram glória a
Deus, clamando: "Hosana ao Filho de Davi".
Quando
os escribas e fariseus ouviram isto, disseram entre si: "Nós erramos ao
dar crédito a um tal testemunho de Jesus; subamos e joguemos-o para baixo, para
que as pessoas fiquem aterrorizadas e não creiam nele." E gritaram,
dizendo: "até Tiago, o Justo, se extraviou", e atiraram-no para
baixo. Mas, como ele não morreu com a queda, começaram a apedrejá-lo. Então um
deles, que era tecelão, tomou um pisão [instrumento usado para dar consistência
aos tecidos] e bateu com ele na cabeça de Tiago. Assim, o apóstolo morreu e,
como o proto-mártir Estevão, morreu orando por eles, de joelhos. Foi quase que
imediatamente depois disso que Vespasiano começou o cerco de Jerusalém, e o
exército romano transformou toda a cena em desolação, sangue e ruína.
O APÓSTOLO SIMÃO, O ZELOTE
Simão,
o Zelote, também chamado de "Simão, o cananeu", parece não ser a
mesma pessoa que Simão, irmão de Tiago. Não temos relatos aprofundados sobre
ele na história narrada no Evangelho. Ele sempre é mencionado junto com os
outros apóstolos nos Evangelhos e em Atos, e depois disso desaparece da
narrativa sagrada.
É
geralmente aceito que, antes de ser chamado para ser apóstolo, ele pertencia a
uma seita dos judeus chamada de "Os Zelotes." A principal
característica deles era a feroz defesa ao ritual mosaico. Eles se consideravam
sucessores de Finéias que, em seu zelo pela honra de Deus, matou Zimri e Cosbi
(Número 25). Fingindo seguir o zelo dos sacerdotes antigos, eles achavam que
tinham o direito de sentenciar à morte um blasfemador, um adúltero, ou qualquer
preso notório, sem as formalidades comuns da lei. Eles alegavam que Deus tinha
feito uma aliança eterna com Finéias e com a sua descendência, "porque ele
foi zeloso pelo seu Deus, e fez expiação por Israel." Estas retumbantes
reivindicações e pretensões enganaram tanto os governantes quanto o povo por um
bom tempo. Além disso, sua fúria e zelo pela lei de Moisés e pela libertação do
povo do jugo romano deu-lhes graça aos olhos de toda a nação. Mas, como sempre
parece ser o caso em circunstâncias semelhantes, seu zelo logo se degenerou em
todos os tipos de libertinagem e extravagância selvagem. Tornaram-se as pragas
de todas as classes da sociedade.
Sob
um pretendido zelo pela honra de Deus, eles acusavam quem quisessem de serem
culpados de blasfêmia ou de algum outro pecado grave, e imediatamente os
matavam e apreendiam suas propriedades. Josefo nos conta que eles falharam em
não acusar alguns da "nata da sociedade" e, embora tenham conseguido
tornar tudo uma confusão, não deixavam de pescar “em águas turbulentas”. Josefo
os classificou como as grandes pragas da nação. Tentativas foram feitas em
diferentes épocas para suprimir a sociedade, mas não parece que eles tinham
sido muito reduzidos até que, junto com todo o resto da nação incrédula, foram
varridos do mapa no fatal cerco dos romanos.
Simão
é frequentemente denominado "Simão, o Zelote", portanto supõe-se que
tenha pertencido a essa problemática facção. Podem ter havido homens
verdadeiros e sinceros entre eles, mas bons e maus passaram sob o odioso nome
de "Zelote". Nada é sabido com certeza sobre os futuros trabalhos do
nosso apóstolo. Alguns dizem que, após viajar por um tempo para o Oriente,
voltou para o Ocidente e chegou até a Grã-Bretanha, onde pregou, fez milagres,
suportou muitas provações, e finalmente sofreu o martírio.
O APÓSTOLO JUDAS, IRMÃO DE TIAGO
Este
apóstolo também é chamado de Judas Tadeu, ou Lebeu. Estes diferentes nomes têm
diferentes nuances quanto ao significado, mas o exame de tais sutilezas está
fora do escopo deste livro. Judas era filho de Alfeu, e um dos parentes de
nosso Senhor, como lemos em Mateus 13:55: "não se chama sua mãe Maria, e
seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas?"
Quando,
ou como, ele foi chamado para o apostolado, disto não somos informados; e não
há praticamente nenhuma menção a ele no Novo Testamento, exceto nas várias
vezes em que os doze apóstolos são nomeados. Seu nome só aparece uma vez na
narrativa do Evangelho, quando ele faz a seguinte pergunta: "Disse-lhe
Judas (não o Iscariotes): Senhor, de onde vem que te hás de manifestar a nós, e
não ao mundo?" (João 14:22). É evidente, a partir desta pergunta, que ele
ainda imaginava, assim como seus condiscípulos, a ideia de um reino temporal,
ou a manifestação do poder de Cristo na terra de modo que o mundo pudesse
percebê-lo. Mas eles não entendiam ainda a dignidade de seu próprio Messias.
Eles eram estranhos à grandeza do Seu poder, à glória da Sua Pessoa, e à
espiritualidade do Seu reino. Seus súditos são libertos, não apenas deste mundo
perverso, mas do poder de Satanás e do domínio da morte e da sepultura: "O
qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho
do seu amor" (Colossenses 1:13). A resposta de Cristo para a questão de
Judas é o mais importante. Ele fala das bênçãos da obediência. O discípulo
verdadeiramente obediente certamente conhece a doçura da comunhão com o Pai e
com o Filho, na luz e no poder do Espírito Santo. Aqui não se trata da questão
do amor de Deus em graça soberana para com um pecador, mas das relações do Pai
com Seus filhos. Por isso, é no caminho da obediência que a manifestação do
amor do Pai e do amor de Cristo são encontrados. (Veja João 14:23-26)
Mas
devemos ter em mente, quando comentamos sobre as perguntas ou sobre as palavras
dos apóstolos, que o Espírito Santo ainda não tinha sido dado, pois Jesus ainda
não tinha sido glorificado. Os pensamentos, sentimentos e expectativas dos
apóstolos, depois desse evento, foram completamente alterados. Assim,
encontramos nosso apóstolo, assim como seu irmão Tiago, intitulando-se
"Judas, servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago" (Judas 1:1). Ele não
chama a si mesmo de apóstolo, nem de irmão do Senhor. Isto é humildade
verdadeira, fundada em um verdadeiro senso da mudança de relacionamento com o Senhor
exaltado. No dia de Pentecostes foi proclamado: "Saiba pois com certeza
toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez
Senhor e Cristo." (Atos 2:36)
Nada
é sabido com certeza sobre o restante da história de nosso apóstolo. Alguns dizem
que ele pregou primeiramente na Judeia e na Galileia, e depois da Samaria até a
Idumeia, e em cidades da Arábia. Mas, próximo ao fim de sua jornada, a Pérsia
foi o local de seus labores e o cenário de seu martírio.
Com
base em 1 Coríntios 9:5, podemos razoavelmente inferir que ele era um dos
apóstolos que eram casados: "Não temos nós direito de levar conosco uma
esposa crente, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e
Cefas?"
Existe
uma tradição sobre dois de seus netos, que é interessante e aparentemente
verdadeira. Tal tradição foi transmitida por Eusébio de Hegésipo, um judeu
convertido. Domiciano, o Imperador, tendo ouvido sobre a existência de alguns
da linhagem de Davi, e parentes de Cristo ainda vivos, movido pela inveja,
ordenou que fossem apreendidos e levados a Roma. Dois netos de Judas foram
trazidos diante dele. Eles confessaram francamente que eram da linhagem de
Davi, e parentes de Cristo. Ele os questionou sobre suas possessões e
propriedades. Eles lhe contaram que não tinham nada além de alguns hectares de
terra, cuja produção servia para o pagamento de impostos e para sustento
próprio. Suas mãos foram examinadas, sendo encontradas ásperas e cheias de
calos por causa do trabalho. Ele, então, perguntou-lhes acerca do reino de
Cristo, e quando e onde ele viria. Então eles responderam que se tratava de um
reino celestial e espiritual, e não de um reino temporal, e que ele não seria
manifesto até que chegasse o fim deste mundo. O Imperador, satisfeito pelo fato
de que eles eram homens pobres e inofensivos, os dispensou e cessou sua
perseguição geral contra a igreja.
Quando
retornaram à Palestina, foram recebidos pela igreja com muito carinho, por
serem parentes do Senhor e por terem confessado nobremente Seu nome - Seu
reino, poder e glória.
O APÓSTOLO MATIAS
Matias
- o apóstolo eleito para ficar no lugar do traidor Judas. Ele não era um
apóstolo da primeira eleição - isto é, ele não tinha sido imediatamente chamado
e escolhido pelo próprio Senhor. É mais do que provável que ele era um dos
setenta discípulos, e que tenha sido um acompanhante constante do Senhor Jesus
durante todo o curso de seu ministério. Isto era uma qualificação necessária,
conforme declarado por Pedro, para alguém que deveria ser uma testemunha da
ressurreição. Até onde sabemos, o nome de Matias não aparece em nenhum outro
lugar no Novo Testamento.
De
acordo com algumas tradições antigas, ele pregou o evangelho e sofreu o
martírio na Etiópia, e outros acreditam que isto ocorreu na Capadócia. Assim
permitiu-se que os grandes fundadores da igreja passassem da Terra para o Céu
sem que uma caneta confiável narrasse seus trabalhos - seus últimos dias - suas
últimas palavras, ou mesmo o lugar de descanso de seus corpos. Mas todos serão
narrados no Céu, e serão guardados em uma memória eterna. Quão maravilhosos são
os caminhos de Deus, e quão contrários aos caminhos dos homens!
O
modo pelo qual este apóstolo foi eleito foi por sorteio - um antigo costume
judaico. As sortes foram colocadas em uma urna e o nome de Matias foi retirado
e, desse modo, ele foi o apóstolo escolhido por Deus. "E apresentaram
dois: José, chamado Barsabás, que tinha por sobrenome o Justo, e Matias. E,
orando, disseram: Tu, Senhor, conhecedor dos corações de todos, mostra qual
destes dois tens escolhido, para que tome parte neste ministério e apostolado,
de que Judas se desviou, para ir para o seu próprio lugar. E, lançando-lhes
sortes, caiu a sorte sobre Matias. E por voto comum foi contado com os onze
apóstolos." (Atos 1:23-26). O modo solene com o qual o sorteio foi
realizado foi considerado como uma forma de se referir à decisão de Deus.
"E Arão lançará sortes sobre os dois bodes; uma pelo Senhor, e a outra
pelo bode emissário." "A sorte se lança no regaço, mas do Senhor
procede toda a determinação." (Levítico 16:8; Provérbios 16:33). Os
apóstolos, é bom lembrar,ainda não tinham recebido o dom do Espírito Santo. O
sorteio nunca mais foi repetido após o dia de Pentecostes.
A PRIMEIRA VISITA DE SAULO A JERUSALÉM
(POR VOLTA DE 39 D.C.)
O
apóstolo está agora em Jerusalém - a cidade santa de seus pais - a metrópole da
religião judaica, e o reconhecido centro do cristianismo. Mas quanto mudou sua
própria posição desde que ele começou sua memorável jornada a Damasco!
Podemos
aqui fazer uma breve pausa e observar, de passagem, a antiga cidade de Damasco.
Tal cidade está intimamente conectada à conversão, ministério e história de
nosso apóstolo. Além disso, ela é notável no decorrer de toda a Escritura.
Supõe-se
que Damasco seja a cidade mais antiga do mundo. De acordo com Josefo (Ant. 1.
6, 4), ela foi fundada por Uz, o filho de Arã, e neto de Sem (Gênesis 10:23).
Ela é mencionada pela primeira vez nas Escrituras em conexão a Abraão, cujo
mordomo era um nativo do lugar: "o mordomo da minha casa é o damasceno Eliézer"
(Gênesis 15:2). A cidade é, portanto, um elo entre a era patriarcal e os tempos
modernos. Sua beleza e riqueza têm sido proverbiais por quatro mil anos. Os
reis de Nínive, Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma a conquistaram, e ela
prosperou sob cada dinastia, e sobreviveu a todas elas; mas ela deve seu
principal brilho e seu eterno memorial ao nome do Apóstolo Paulo.
DE VOLTA A
JERUSALÉM
Após
passar quinze dias com Pedro e Tiago argumentando com os gregos, os irmãos
"o acompanharam até Cesaréia, e o enviaram a Tarso. Assim, pois, as
igrejas em toda a Judéia, e Galiléia e Samaria tinham paz, e eram edificadas; e
se multiplicavam, andando no temor do Senhor e consolação do Espírito
Santo." (Atos 9:30-31). Por enquanto o adversário é silenciado. A paz reina
por meio da bondade de Deus. A perseguição cumpriu os propósitos de Sua graça.
Os dois grandes elementos da bênção - o temor do Senhor e a consolação do
Espírito Santo - prevaleciam em todas as assembleias. Andando no temor do
Senhor, e no consolo do Espírito Santo, eles são edificados, e seu número
aumenta significativamente.
Enquanto
Saulo estava em Tarso, sua terra natal, a boa obra do Senhor estava fazendo
grande progresso na Antioquia. Dentre aqueles que foram dispersos pela
perseguição que se levantou por causa de Estêvão, havia "homens chíprios e
cirenenses, os quais entrando em Antioquia falaram aos gregos, anunciando o
Senhor Jesus. E a mão do Senhor era com eles; e grande número creu e se
converteu ao Senhor." (Atos 11:20-21). Uma nova ordem de coisas começa
aqui. Até o momento, o evangelho tinha sido pregado "senão somente aos
judeus" (Atos 11:19). Quando a notícia dessa bendita obra de Deus entre os
gentios chegou a Jerusalém, Barnabé foi enviado pela igreja em uma missão
especial até a Antioquia."
O
qual, quando chegou, e viu a graça de Deus, se alegrou, e exortou a todos a que
permanecessem no Senhor, com propósito de coração; porque era homem de bem e
cheio do Espírito Santo e de fé. E muita gente se uniu ao Senhor." (Atos
11:23-24)
À
medida que a obra aumentava, Barnabé - sem dúvida, sentindo a necessidade de
ajuda - pensou em Saulo; e, guiado pelo Senhor, partiu à sua procura. Tendo-o
encontrado, o trouxe à Antioquia; e ali eles trabalharam juntos por "todo
um ano", tanto nas assembleias dos crentes quando entre o povo. Barnabé
ainda assume a liderança, pois lemos de "Barnabé e Saulo". Mais
tarde, a ordem muda e lemos "Paulo e Barnabé".
Uma
oportunidade de mostrar a afeição pelos irmãos de Jerusalém logo apareceu para
os jovens convertidos na Antioquia. Um profeta, "por nome Ágabo, dava a
entender pelo Espírito, que haveria uma grande fome em todo o mundo, e isso
aconteceu no tempo de Cláudio César. E os discípulos determinaram mandar, cada
um conforme o que pudesse, socorro aos irmãos que habitavam na Judéia. O que
eles com efeito fizeram, enviando-o aos anciãos por mão de Barnabé e de
Saulo."(Atos 11:28-30)
A SEGUNDA VISITA DE SAULO A JERUSALÉM
(POR VOLTA DE 44 D.C.)
Encarregado
desse serviço (levar provisões para os irmãos de Jerusalém, conforme visto no
final da seção anterior), Barnabé e Saulo sobem a Jerusalém. Até agora,
Jerusalém é considerada o centro da obra, embora agora estivesse rapidamente se
estendendo aos gentios. Mas a união é preservada, e a ligação com a metrópole é
fortalecida por meio da ajuda agora enviada. Não obstante, um novo centro, uma
nova comissão, um novo caráter de poder, em conexão com a história da igreja,
agora nos são apresentados. Barnabé e Saulo, tendo cumprido seu ministério,
retornam novamente à Antioquia, trazendo com eles João, cujo sobrenome era
Marcos.
Atos
13 abre diante de nós uma ordem de coisas inteiramente nova em conexão à obra
apostólica, e faremos bem em assinalar tal grande mudança. O grande fato a ser
observado aqui é o lugar que o Espírito Santo toma ao chamar e enviar Barnabé e
Saulo. Não se trata mais de Cristo na Terra com Sua autoridade pessoal
comissionando apóstolos, mas agora trata-se do Espírito Santo fazendo
isso."Apartai-me", disse o Espírito, "a Barnabé e a Saulo para a
obra a que os tenho chamado... E assim estes, enviados pelo Espírito Santo,
desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre." (Atos 13:2,4) Isto não
significa, é claro, que podia haver alguma mudança no que diz respeito à
autoridade ou poder, quer do Senhor quer do Espírito, mas seu modo de agir
agora mudou. O Espírito Santo na Terra, em conexão a Cristo glorificado no Céu,
agora se torna a fonte e poder da obra que se abre diante de nós, e que é
atribuída a Barnabé e Saulo. A partir daí chegamos à primeira viagem missionária
de Saulo.
A PRIMEIRA VIAGEM MISSIONÁRIA DE SAULO
(POR VOLTA DE 48 D.C.)
Antes
de nos ocuparmos com os apóstolos em sua viagem, cabe aqui uma observação sobre
como as coisas mudaram. Eles partiram, devemos observar, não do velho centro,
Jerusalém, mas da Antioquia, uma cidade de gentios. Isto é significativo.
Jerusalém e os doze perderam a posição quanto à autoridade e poder para com o
exterior. O Espírito Santo chama a Barnabé e Saulo para a obra, os prepara para
isto, e os envia, sem a jurisdição dos doze.
Não
será de esperar que em um livro, cujo conteúdo se propõe a ser resumido,
possamos tomar nota dos vários eventos ocorridos nas viagens de Paulo. O leitor
os encontrará em Atos e nas Epístolas. Propomos meramente traçar um esboço e
dar destaque a determinados pontos de referência, pelos quais o leitor será
capaz de traçar, por si mesmo, as várias jornadas do maior dos apóstolos - o
maior dos missionários - o maior dos obreiros que já viveu, com exceção do
bendito Senhor. Mas em primeiro lugar, gostaríamos de observar seus
companheiros e seu ponto de partida.
Barnabé
foi, por algum tempo, o companheiro mais próximo de Saulo. Ele era um levita da
ilha de Chipre. Ele tinha sido chamado logo no início da história da igreja
para seguir a Cristo, e "possuindo uma herdade, vendeu-a, e trouxe o
preço, e o depositou aos pés dos apóstolos." (Atos 4:37). Comparando sua
liberalidade com o belo testemunho que o Espírito Santo dá sobre ele, ele
permanece diante de nós com um amável e requintado caráter. E, a partir de seu
apego a Paulo desde o início, e de sua cordialidade em apresentá-lo aos outros
apóstolos, podemos julgar que ele era mais franco e tinha um coração maior do
que aqueles que tinham sido treinados na estreiteza do judaísmo; mas
faltava-lhe ainda, quanto ao serviço, o rigor e a determinação de seu
companheiro Saulo.
João
Marcos era um parente próximo de Barnabé - "o sobrinho de
Barnabé"(Colossenses 4:10). Sua mãe era uma certa Maria que morava em
Jerusalém, e cuja casa parece ter sido um local de reunião para os apóstolos e
primeiros cristãos. Quando Pedro foi liberto da prisão, ele foi direto para
"a casa de Maria, mãe de João, que tinha por sobrenome Marcos" (Atos
12:12). Supõe-se que ele tenha sido convertido por meio de Pedro, pois depois
Pedro fala dele como "meu filho Marcos" (1 Pedro 5:13)
A
partir disso aprendemos que ele não era nem um apóstolo nem um dos setenta -
que ele não havia acompanhado o bendito Senhor durante Seu ministério público.
Mas podemos supor que ele estava ansioso para servir a Cristo, pois se uniu a
Barnabé e Saulo, embora mais tarde pareça que sua fé não era páreo para as
dificuldades da vida missionária. "E, partindo de Pafos, Paulo e os que
estavam com ele chegaram a Perge, da Panfília. Mas João, apartando-se deles,
voltou para Jerusalém." (Atos 13:13). Supõe-se que Marcos tenha escrito
seu Evangelho por volta do ano 63 d.C.
A
Antioquia, a antiga capital dos selêucidas, foi fundada por Seleuco Nicator por
volta de 300 a.C. Foi uma cidade que só ficava atrás de Jerusalém no que diz
respeito ao início da história da igreja. O que Jerusalém tinha sido para os
judeus, a Antioquia era agora para os gentios. Era um ponto central. Nessa
época ocupava um lugar de grande importância na propagação do cristianismo
entre os pagãos. Aqui a primeira igreja gentia foi plantada (Atos 11:20,21).
Aqui os discípulos de Cristo foram primeiramente chamados de cristãos (Atos
11:26).
TRABALHO MINISTERIAL PÚBLICO
Barnabé
e Saulo, com João Marcos como auxiliar no ministério, são então enviados pelo
Espírito Santo. Os judeus, em virtude de sua conexão com as promessas, tiveram
o evangelho primeiramente pregado a eles; mas a conversão de Sérgio Paulo
marca, de maneira especial, o início do trabalho entre os gentios. Também marca
uma crise na história do apóstolo. Aqui seu nome é mudado de Saulo para Paulo;
e agora - com exceção de Jerusalém (Atos 15:12-22) - não vemos mais
"Barnabé e Saulo", mas sim" Paulo e os que estavam com ele"
(Atos 13:13).
Ele
toma a dianteira; os outros são apenas aqueles que estão com Paulo. Mas o
cenário tem ainda um caráter típico.
O
procônsul era, evidentemente, um homem prudente e pensativo, e sentiu a
necessidade de sua alma. Ele chama a Barnabé e a Saulo, e deseja ouvir a
Palavra de Deus. Mas Elimas, o encantador, resiste a eles. Ele sabia bem que,
se o governador recebesse a verdade que Paulo pregava, ele perderia sua
influência na corte. Ele, portanto, procura afastar o deputado da fé. Mas
Paulo, em dignidade consciente e no poder do Espírito Santo, "fixando os olhos
nele" (Atos 13:9), e em palavras de mais fulminante indignação, o
repreende na presença do governador. "Ó filho do diabo, cheio de todo o
engano e de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de
perturbar os retos caminhos do Senhor? Eis aí, pois, agora contra ti a mão do
Senhor, e ficarás cego, sem ver o sol por algum tempo. E no mesmo instante a
escuridão e as trevas caíram sobre ele e, andando à roda, buscava a quem o
guiasse pela mão. Então o procônsul, vendo o que havia acontecido, creu, maravilhado
da doutrina do Senhor." (Atos 13:10-12). O poder de Deus acompanha a
palavra de Seu servo, e a sentença pronunciada é executada no mesmo instante. O
deputado fica tomado pela glória moral da cena, e se submete ao evangelho.
"Eu
não duvido", disse alguém, "que neste miserável Barjesus (Elimas)
vemos uma figura dos judeus no tempo presente, acometidos de cegueira por algum
tempo, por causa dos ciúmes da influência do evangelho. A fim de preencher a
medida de sua iniquidade, eles resistiram à pregação do evangelho aos gentios.
A condição deles é julgada; sua história é dada na missão de Paulo. Em oposição
à graça e buscando destruir seus efeitos sobre os gentios, eles foram
acometidos de cegueira; no entanto, apenas por um tempo."
Durante
essa primeira missão entre os gentios, um grande e abençoado trabalho foi
feito. Compare Atos 13 e 14. Muitos lugares foram visitados, igrejas foram
plantadas, anciãos foram nomeados, a hostilidade dos judeus manifestada, e a
energia do Espírito Santo demonstrada no poder e progresso da verdade. Em
Listra, o cristianismo foi confrontado, pela primeira vez, com o paganismo; mas
em todo lugar o evangelho triunfa, e os vários dons de Paulo como obreiro
aparecem de maneira abençoada. Seja ao abordar os judeus, que conheciam as
Escrituras, ou bárbaros ignorantes, ou cultos gregos, ou multidões enfurecidas,
ele prova ser um vaso divinamente escolhido para sua grande obra.
A
Antioquia, na Pisídia, merece atenção especial pelo que aconteceu na sinagoga.
Embora haja uma grande semelhança no discurso de Paulo comparado aos de Pedro e
Estêvão nos primeiros capítulos de Atos, ainda podemos notar certos toques
estritamente paulinos em seu caráter. Seu estilo conciliador de abordagem, o
modo como ele apresenta a Cristo, e sua ousada proclamação de justificação pela
fé somente, podem ser consideradas como típicas de suas póstumas abordagens e
Epístolas. Nenhum dos escritores sagrados fala da justificação pela fé como
Paulo fala. Seu apelo final tem sido um texto evangelístico favorito de muitos
pregadores em todas as eras. Em poucas palavras, ele afirma a bem-aventurança
de todos que recebem a Cristo, e a terrível desgraça daqueles que O rejeitarem,
provando assim que não poderia haver um meio-termo ou terreno neutro quando
Cristo está em questão. "Seja-vos, pois, notório, homens irmãos, que por
este se vos anuncia a remissão dos pecados.
E
de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é
justificado todo aquele que crê. Vede, pois, que não venha sobre vós o que está
dito nos profetas: Vede, ó desprezadores, e espantai-vos e desaparecei; porque
opero uma obra em vossos dias, obra tal que não crereis, se alguém vo-la
contar." (Atos 13:38-41)
Tendo
sido cumprida a missão deles, eles retornam à Antioquia na Síria. Quando os
discípulos ouviram o que o Senhor tinha feito, e que a porta da fé foi aberta
aos gentios, eles deviam apenas louvar e bendizer Seu santo nome. Devemos agora
retornar, por um momento, a Jerusalém.
O
efeito da primeira missão de Paulo sobre os discípulos em Jerusalém levou a uma
grande crise na história da igreja. O ciúme e a mente farisaica estava tão
excitada que uma divisão entre Jerusalém e Antioquia foi ameaçada naquele
período inicial da história da igreja. Mas Deus governou em graça, e o problema
quanto à Antioquia foi felizmente resolvido. Mas o fanatismo dos crentes judeus
era insaciável. Na igreja em Jerusalém eles ainda conectavam ao cristianismo os
requisitos da lei, e procuravam impor esses requisitos aos crentes gentios.
Alguns
dos cristãos judeus de cabeça mais fechada desceram à Antioquia, e asseguraram
aos gentios que, a menos que eles fossem circuncidados segundo o costume de
Moisés, e que guardassem a lei, eles não poderiam ser salvos. Paulo e Barnabé
não tiveram pequena discussão e contenda com eles; mas como era uma questão
muito pesada para ser resolvida pela autoridade apostólica de Paulo, ou por uma
resolução da igreja em Antioquia, foi decidido que uma delegação deveria subir
à Jerusalém e pôr a questão diante dos doze apóstolos e dos anciãos. A escolha
de quem deveria levar a questão, naturalmente, caiu sobre Paulo e Barnabé, já
que tinham sido os mais ativos na propagação do cristianismo entre os gentios.
A TERCEIRA VISITA DE PAULO A JERUSALÉM
(POR VOLTA DE 50 D.C.)
Quando
eles chegaram a Jerusalém, encontraram a mesma coisa [fanatismo dos crentes
judeus pela guarda da lei pelos gentios, N. do T.], não apenas nas mentes de
alguns poucos irmãos inquietos, mas no próprio seio da igreja. A fonte da
confusão estava lá, não entre judeus incrédulos, mas entres aqueles que
professavam o nome de Jesus. "Alguns, porém, da seita dos fariseus, que
tinham crido, se levantaram, dizendo que era mister circuncidá-los e
mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés." (Atos 15:5). Esta declaração
clara trouxe toda a questão diante da assembleia, e suas importantes
deliberações começaram. O Capítulo 15 de Atos contém o relato do que ocorreu e
como a questão foi resolvida. Os apóstolos, anciãos, e todo o corpo da igreja
em Jerusalém não estavam apenas presentes, mas também tomaram parte na
discussão. Os apóstolos nem assumiram nem exercitaram poder exclusivo sobre o
assunto. Este é geralmente chamado "O primeiro Concílio da Igreja",
mas pode também ser chamada de último concílio da igreja que podia dizer:
"Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós" (Atos 15:28).
Muitos,
de acordo com noções modernas de "essencial e não-essencial", sem
dúvida diriam que a mera cerimônia de circuncidar ou não circuncidar uma
criança não tinha muita importância. Mas não é assim de acordo com a mente de
Deus. Era uma questão vital. Afetava o próprio fundamento do cristianismo, os
profundos princípios da graça, e toda a questão sobre a relação do homem com
Deus. A Epístola de Paulo aos Gálatas é um comentário sobre a história dessa
questão.
Não
havia rito ou cerimônia que o judeu convertido fosse tão averso a deixar para
trás como a circuncisão. Era o sinal e o selo do seu próprio relacionamento com
Jeová, e das hereditária bênçãos da aliança com seus filhos. É da opinião de alguns
em todas as eras que o "batismo de crianças" foi introduzido pela
igreja para atender ao forte preconceito judaico. Mas se isto tivesse sido a
pretensão do Senhor, o concílio em Jerusalém seria o próprio lugar para
anunciá-lo. Isto acabaria com toda a dificuldade, e resolveria a questão diante
deles, e restauraria a paz e unidade entre os duas "igrejas-mãe" [a
igreja em Jerusalém, sendo a primeira igreja onde predominavam os judeus, e a
igreja em Antioquia, sendo a primeira igreja onde predominavam os gentios, N.
do T.]. Mas nenhum dos apóstolos ou dos outros aludiram a isto.
Antes
de deixarmos essa importante e sugestiva parte da história do nosso apóstolo,
pode ser bom observar certos fatos trazidos em Gálatas 2, mas que não são
mencionados em Atos. Foi nesta ocasião que Paulo subiu, por revelação, a
Jerusalém com Tito. Em Atos temos a história de Paulo vista de fora, cedendo
aos motivos, desejos e objetivos do homem; nas Epístolas temos algo mais
profundo - aquilo que governava o coração do apóstolo. Mas Deus sabe como
combinar essas circunstâncias externas com a direção interna do Espírito. A
liberdade cristã ou a servidão da lei estavam em debate: se a lei de Moisés -
em particular, o rito da circuncisão - deveria ser imposta aos gentios
convertidos. Paulo, guiado por Deus, sobe a Jerusalém, e leva com ele Tito.
Perante a face dos doze apóstolos, e de toda a igreja, ele traz a Tito, que era
grego, e que não tinha sido circuncidado. Isto foi um passo ousado - introduzir
um gentio, e incircunciso, no próprio centro de um judaísmo intolerante! Mas o
apóstolo foi lá por revelação. Ele tinha comunicações positivas, vindas de
Deus, sobre o assunto. Foi a maneira divina de decidir a questão, de uma vez
por todas, entre ele mesmo e os cristãos judaizantes. Este passo era
necessário, como ele diz: "E isto por causa dos falsos irmãos que se
intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em
Cristo Jesus, para nos porem em servidão; aos quais nem ainda por uma hora
cedemos com sujeição, para que a verdade do evangelho permanecesse entre
vós." (Gálatas 2:4-5)
O
apóstolo, então, tendo atingido seu principal objetivo, e tendo comunicado seu
evangelho aos de Jerusalém, vai embora, com Barnabé, e retorna aos cristãos
gentios em Antioquia. Os dois representantes, Judas e Silas, carregando os
decretos do concílio, os acompanham. Quando a multidão de discípulos se reuniu
e ouviu a epístola lida, se alegraram e foram consolados.
Assim
termina o primeiro concílio apostólico, e a primeira controvérsia apostólica.
E, pelo que aprendemos desses assuntos em Atos, podemos concluir que a divisão
entre os cristãos judeus e gentios tinha sido completamente curada pela decisão
da assembleia; mas sabemos, pelas Epístolas, que a oposição do partido
judaizante contra a liberdade dos cristãos gentios nem sequer cochilava. Logo
começava de novo, e Paulo tinha que, constantemente, confrontar e lutar contra
a questão.
A SEGUNDA VIAGEM MISSIONÁRIA DE PAULO
(POR VOLTA DE 51 D.C.)
Depois
de Paulo e Barnabé terem ficado algum tempo com a igreja em Antioquia, outra
viagem missionária foi proposta. "Tornemos", disse Paulo, "a
visitar nossos irmãos por todas as cidades em que já anunciamos a palavra do
Senhor, para ver como estão. E Barnabé aconselhava que tomassem consigo a João,
chamado Marcos. Mas a Paulo parecia razoável que não tomassem consigo aquele
que desde a Panfília se tinha apartado deles e não os acompanhou naquela obra.
E tal contenda houve entre eles, que se apartaram um do outro. Barnabé, levando
consigo a Marcos, navegou para Chipre. E Paulo, tendo escolhido a Silas,
partiu, encomendado pelos irmãos à graça de Deus. E passou pela Síria e
Cilícia, confirmando as igrejas." (Atos 15:36-41)
Com
uma jornada tão importante, tão cheia de provações, que exigia coragem e
perseverança - segundo a opinião de Paulo - ele não podia confiar em Marcos
como companheiro; ele não podia facilmente desculpar aquele cujos laços
familiares o tornaram infiel no serviço ao Senhor. O próprio Paulo deixava de
lado todas as considerações e sentimentos pessoais quando a obra de Cristo
estava em questão, e ele desejava que os outros fizessem o mesmo. A afeição
natural, nesta ocasião, pode ter traído Barnabé a, novamente, pressionar seu
sobrinho ao serviço; mas uma severa seriedade caracterizava Paulo. Os laços dos
relacionamentos naturais e dos apegos humanos ainda tinham grande influência
sobre o caráter cristão ameno de Barnabé. Isto é evidente pela sua conduta em
Antioquia na ocasião da fraca complacência de Pedro para com os judaizantes de
Jerusalém (Gálatas 2). A disseminação do evangelho no mundo gentio era sagrada
demais aos olhos de Paulo para admitir experimentos. Marcos tinha preferido
Jerusalém à obra, mas Silas preferiu a obra a Jerusalém. Isto pesou na decisão
de Paulo, embora, sem dúvida, ela tenha sido guiado pelo Espírito.
Barnabé
leva Marcos, seu parente, e navega para Chipre, sua terra natal. E aqui nos
despedimos de Barnabé, aquele amado santo e precioso servo de Cristo! Seu nome
não é mais mencionado em Atos. Essas palavras, "parente" e
"terra natal" devem ser deixadas a falar por elas mesmas ao coração
de cada discípulo que lê estas páginas. Se estivéssemos meditando sobre essa
cena dolorosa, em vez de dar um mero esboço de uma grande história, poderíamos
ter muito o que dizer sobre o assunto; mas o deixamos com duas felizes
reflexões: 1) Isto foi direcionado de modo que redundou em benção para os
pagãos; as águas da vida agora fluíam em duas correntes no lugar de uma só.
Isso, no entanto, é a bondade de Deus, e não dá sanção à divisão entre
cristãos. 2) Paulo, mais tarde, fala de Barnabé com inteira afeição, e deseja
que Marcos vá até ele, tendo-o achado útil para o ministério (1 Coríntios 9:6;
2 Timóteo 4:11). Não temos dúvida de que a fidelidade de Paulo se tornou uma benção
para ambos. Mas o mel das afeições humanas nunca poderão ser aceitas no altar
de Deus.
Tendo
sido encomendados pelos irmão à graça de Deus, eles iniciam sua jornada. Tudo é
maravilhosamente simples. Nenhum desfile é feito pelos seus amigos ao vê-los partir,
e nenhuma grande promessa é feita por eles quanto ao que eles estavam
determinados a fazer. "Tornemos a visitar nossos irmãos", são as
poucas, simples e despretensiosas palavras que nos levam à segunda grande
viagem missionária de Paulo. Mas o Mestre estava pensando em Seus servos e
provendo para eles. Eles não precisavam ir longe até encontrar um novo
companheiro em Timóteo de Listra, um que havia de suprir o vazio causado pela
ausência de Barnabé. Se Paulo perdeu o companheirismo de Barnabé como amigo e
irmão, ele encontrou em Timóteo, como seu próprio filho na fé, uma simpatia e
um companheirismo que só combinava com a vida do apóstolo. "Paulo quis que
este fosse com ele", mas antes de partirem, Paulo "o circuncidou, por
causa dos judeus que estavam naqueles lugares;
porque
todos sabiam que seu pai era grego." Paulo, nesta ocasião, inclina-se ao
preconceito dos judeus, e circuncisa Timóteo por segurança.
Timóteo era filho de
um daqueles casamentos mistos que sempre foram fortemente condenados tanto no
Antigo quanto no Novo Testamento. Seu pai era um gentio, mas seu nome nunca é
mencionado; sua mãe era uma piedosa judia. Dada a ausência de qualquer
referência ao pai, tanto em Atos quanto nas Epístolas, supõe-se que ele possa
ter morrido pouco tempo depois do filho ter nascido. Timóteo foi,
evidentemente, deixado na infância ao único cuidado de sua mãe Eunice e de sua
avó Lóide, que o ensinou, desde criança, a conhecer as Sagradas Escrituras. E,
das muitas alusões nas Epístolas de Paulo ao carinho, sensibilidade, e às
lágrimas de seu amado filho na fé, podemos acreditar que ele manteve por toda a
vida as impressões daquele
gentil, amável e santo cuidado doméstico. O maravilhoso amor de Paulo por
Timóteo, e suas afáveis lembranças de sua casa em Listra, e seu treinamento
inicial ali, ditaram algumas das mais
tocantes passagens dos escritos do grande apóstolo. Quando já um homem idoso -
na prisão, passando necessidades, e com o martírio diante de si - ele escreve: "A
Timóteo, meu amado filho: Graça, misericórdia, e paz da parte de Deus Pai, e da
de Cristo Jesus, Senhor nosso. Dou graças a Deus, a quem desde os meus
antepassados sirvo com uma consciência pura, de que sem cessar faço memória de
ti nas minhas orações noite e dia; desejando muito ver-te, lembrando-me das
tuas lágrimas, para me encher de gozo; trazendo à memória a fé não fingida que
em ti há, a qual habitou primeiro em tua avó Lóide, e em tua mãe Eunice, e
estou certo de que também habita em ti." (2 Timóteo 1:2-5). Ele insiste e
repete seu urgente convite a Timóteo para ir e vê-lo.
"Procura
vir ter comigo depressa" – "Procura vir antes do inverno" (2
Timóteo 4:9,21). Podemos permitir-nos a crer que um filho tão ternamente amado
pôde chegar a tempo de acalmar as últimas horas de seu pai em Cristo, de
receber seu último conselho e bênção, e de testemunhá-lo terminando sua
carreira com alegria.
Silas,
ou Silvano, aparece pela primeira vez como um mestre na igreja em Jerusalém; e
provavelmente ele era tanto um helenista quanto um cidadão romano, como o
próprio Paulo (Atos 16:37). Ele foi apontado como responsável por acompanhar
Paulo e Barnabé em seu retorno a Antioquia com os decretos do concílio. Mas,
como muitos detalhes tanto da vida de Timóteo quanto de Silas naturalmente
aparecerão ao traçarmos o caminho do apóstolo, não precisamos dizer nada mais
sobre eles no presente momento. Procedamos com a viagem.
Paulo
e Silas, com seu novo companheiro, percorrem as cidades, ordenando-lhes a
manter os decretos ordenados pelos apóstolos e anciãos em Jerusalém. Os
decretos foram deixados com as igrejas, de modo que os judeus tinham a própria
decisão de Jerusalém de que a lei não era para ser imposta aos gentios. Após
visitar e confirmar as igrejas já plantadas na Síria e Cilícia, eles procederam
para a Frígia e Galácia. Aqui fazemos uma pausa e nos deteremos nestas
palavras: "pela Frígia e pela província da Galácia" (Atos 16:6). A
Frígia e a Galácia não eram meras cidades, mas províncias, ou grandes distritos
do país. E ainda assim o historiador sagrado usa apenas essas poucas palavras
ao recordar a grande obra feita lá. Quão diferente é a energia condensada do
Espírito comparada ao estilo inflado do homem!
Aprendemos
da história, segundo Neander, que somente na Frígia, no sexto século, havia
sessenta e duas cidades. E parece que Paulo e os que estavam com ele tinham
percorrido todas as que existiam naquela época.
As
mesmas observações quanto ao trabalho se aplica à Galácia. E aprendemos pela
Epístola de Paulo aos Gálatas que, nessa época, ele estava sofrendo no corpo.
"E vós sabeis que primeiro vos anunciei o evangelho estando em fraqueza da
carne" (Gálatas 4:13). Mas o poder da sua pregação contrasta de maneira
tão impressionante com a fraqueza da sua carne que os gálatas foram movidos até
mesmo a extravasar em simpatia e sentimentos generosos. "E não
rejeitastes, nem desprezastes isso que era uma tentação na minha carne, antes
me recebestes como um anjo de Deus, como Jesus Cristo mesmo. Qual é, logo, a
vossa bem-aventurança? Porque vos dou testemunho de que, se possível fora,
arrancaríeis os vossos olhos, e mos daríeis." (Gálatas 4:14-15).
Aprendemos pela história que os gálatas eram de origem celta, impulsivos e de
caráter instável.* A Epístola inteira é uma triste ilustração da instabilidade
deles, e dos tristes efeitos do elemento judaizanteentre eles.
"Maravilho-me de", disse Paulo, "que tão depressa passásseis
daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho; o qual não é
outro, mas há alguns que vos inquietam e querem transtornar o evangelho de
Cristo." (Gálatas 1:6-7). Mas retornemos à história narrada em Atos.
O
caráter e os efeitos do ministério de Paulo, como relatados nos capítulos 16 a
20, são realmente maravilhosos. Eles deveriam até se destacar nas páginas de
toda a história. Todo servo de Cristo, e especialmente o pregador, deveria
estudá-los cuidadosamente e lê-los com frequência.
"O
vaso do Espírito", disse alguém de maneira tão bela, "brilha com uma
luz celestial através de toda a obra do evangelho; ele condescende em
Jerusalém; trovoa na Galácia quando almas estão sendo pervertidas, guia os
apóstolos a decidirem pela liberdade dos gentios, e usa, ele mesmo, de toda a
liberdade de ser um judeu de judeus, e como um sem lei para aqueles que não
tinham a lei, como não estando debaixo da lei, mas sempre sujeito a Cristo. Ele
também 'procurava sempre ter uma consciência sem ofensa' (Atos 24:16). Nada que
havia dentro dele dificultava sua comunhão com Deus, de onde ele tirou suas
forças para ser fiel entre os homens. Ele podia dizer, e [talvez, N. do T.]
ninguém além dele: 'sede meus imitadores, como também eu de Cristo' (1
Coríntios 11:1). Assim também ele podia dizer: 'Tudo sofro por amor dos
escolhidos, para que também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus
com glória eterna.' (2 Timóteo 2:10)"
Os
modos do Espírito para com o apóstolo nesses capítulos são também dignos de
nota. Ele, e somente Ele, dirige o apóstolo em seu maravilhoso caminho, e o
sustêm em meio a muitas provas e circunstâncias opostas. Por exemplo, Ele
proíbe Paulo de pregar a Palavra na Ásia - Ele não o deixa ir à Bitínia, mas o
direciona por meio de uma visão à noite para que ele fosse à Macedônia. "E
Paulo teve de noite uma visão, em que se apresentou um homem da Macedônia, e
lhe rogou, dizendo: Passa à Macedônia, e ajuda-nos. E, logo depois desta visão,
procuramos partir para a Macedônia, concluindo que o Senhor nos chamava para
lhes anunciarmos o evangelho. E, navegando de Trôade, fomos correndo em caminho
direito para a Samotrácia e, no dia seguinte, para Neápolis; e dali para
Filipos, que é a primeira cidade desta parte da Macedônia, e é uma
colônia." (Atos 16:9-12)
PAULO LEVA O EVANGELHO PARA A EUROPA
Isto
marca uma época distinta na história da igreja, na história de Paulo, e no
progresso do cristianismo. Paulo e seus companheiros agora levam o evangelho
Europa adentro. E aqui creio que podemos fazer uma pausa, por um momento, para
lembrarmos as várias e interessantes associações históricas dos conquistadores
e conquistas da Macedônia, e para habitarmos por um momento sobre a planície de
Filipos, também famosa na história romana. Aqui a grande luta entre a república
e o império tinha terminado. Para comemorar esse evento, Augusto fundou uma
colônia em Filipos. Esta foi a primeira cidade na qual Paulo chegou em sua
entrada para a Europa. Ela é chamada "a primeira cidade desta parte da
Macedônia, e é uma colônia." (Atos 16:12) Uma colônia romana, como nos é
relatado, era caracteristicamente uma lembrança em miniatura de Roma; e Filipos
era mais apta que qualquer outra cidade no império para ser considerada representativa
da Roma Imperial.
Para
muitos de nossos jovens e questionadores leitores, esta breve digressão, temos
certeza, não será desinteressante. Além disso, um conhecimento sobre tais
histórias são úteis ao estudante da profecia, uma vez que se tratam do
cumprimento da visão de Daniel, especialmente do capítulo 7. A cidade de
Filipos era, por si própria, um monumento ao crescente poder da Grécia, que
deveria esmagar o poder em declínio da Pérsia. Alexandre, o Grande, filho de
Filipe, foi o conquistador do grande rei Dário; quando o "Leopardo"
da Grécia venceu o "Urso" da Pérsia.
Ao
olharmos para trás a partir do tempo em que Paulo partiu da Ásia para a Europa,
quase quatrocentos anos tinham passado desde que Alexandre partiu da Europa
para a Ásia. Mas quão diferentes eram seus motivos e objetivos - seus conflitos
e suas vitórias! O entusiasmo de Alexandre foi despertado pela lembrança de
seus grandes antepassados, e por sua determinação em derrubar as grandes
dinastias do Oriente; mas, embora não intencional e inconscientemente, ele
estava cumprindo os propósitos de Deus. Paulo tinha cingido sua armadura para
outro propósito, e para ganhar maiores e mais duradouras vitórias. Ele foi
enviado pelo Espírito Santo, não apenas para subjugar o Ocidente, mas para
trazer o mundo inteiro a cativar pela obediência de Cristo. O cristianismo não
é apenas para uma nação ou um povo, mas para o homem universalmente; até mesmo
o próprio Paulo expressa isto em Colossenses 1:23: "A toda criatura que há
debaixo do céu". Esta é a missão do evangelho, e esta é sua esfera. Lucas,
"o médico amado", historiador e evangelista parece ter se unido a
Paulo neste momento particular. No versículo 10 ele escreve na primeira pessoa
do plural:"Procuramos partir para a Macedônia". Supõe-se que ele era
um gentio de nascença e convertido em Antioquia. Ele parece ter permanecido
como um fiel companheiro do apóstolo até o fim de seus trabalhos e aflições (2
Timóteo 4:11).
O EFEITO DA PREGAÇÃO DE PAULO EM FILIPOS
A
quantidade de judeus em Filipos aparentemente era pequena, já que não havia
sinagoga no lugar. Mas o apóstolo, como de costume, vai a eles primeiro, mesmo
quando se trata de umas poucas mulheres reunidas à margem do rio (Atos 16).
Paulo prega a elas, Lídia é convertida, a porta é aberta, e outras também
creem. Foi nesse lugar despretensioso, e àquelas poucas mulheres piedosas, que
o evangelho foi pregado pela primeira vez na Europa, e onde a primeira casa foi
batizada*. Mas o silencioso início e seus triunfos pacíficos logo foram
perturbados pela malícia de Satanás e pela cobiça do homem. O evangelho não
avançaria em meio ao paganismo com facilidade e conforto, mas com grande
oposição e sofrimento.
A ação do Espírito quanto à família parece ter
sido marcante entre os gentios; entre os judeus, até onde sabemos, não ouvimos
falar disso. Encontramos, também, distritos entre os judeus, e também entre os
samaritanos, que foram poderosamente impressionados (para dizer o mínimo) pelo
evangelho. Mas entre os gentios, famílias parecem ter sido particularmente
visitadas pela graça divina, como registrado pelo Espírito. Tome por exemplo
Cornélio, o carcereiro e Estéfanas; de fato, encontramos isso vez após vez.
Isto é extremamente encorajador.
Enquanto
o apóstolo e seus companheiros iam ao oratório, ou lugar de oração, uma jovem
possuída por um espírito maligno os seguia, e clamava, dizendo: "Estes
homens, que nos anunciam o caminho da salvação, são servos do Deus
Altíssimo."(Atos 16:17). Da primeira vez, Paulo não deu atenção. Ele foi
em frente com sua própria bendita obra de pregação de Cristo, e de ganhar almas
para Ele. Mas a pobre e obsessiva escrava persistia em segui-los, e em proferir
a mesma exclamação. Foi uma tentativa maliciosa do inimigo para impedir a obra
de Deus ao prestar um testemunho aos ministros da Palavra. Deve ser observado
que ela não presta testemunho a "Jesus", ou ao "Senhor",
mas aos Seus "servos", e ao "Deus Altíssimo".Mas Paulo não
queria um testemunho para ele mesmo, nem um testemunho vindo de um espírito
maligno, e ele, "perturbado, voltou-se e disse ao espírito: Em nome de
Jesus Cristo, te mando que saias dela. E na mesma hora saiu." (Atos 16:18)
Como
a moça não podia mais praticar suas artes de adivinhação, seus mestres viram-se
privados dos ganhos que eles tinham derivado daquela fonte. Enfurecidos pela
perda de sua propriedade, e movendo as multidões ao seu favor, prenderam Paulo
e Silas e os arrastaram perante os magistrados. Como eles estavam bem
conscientes de que não tinham nenhuma acusação verdadeira para trazê-los
perante eles,levantaram o velho clamor da "perturbação da paz" - de
que eles estavam tentando introduzir práticas judaicas na colônia romana, e
ensinar costumes que eram contrários às leis romanas. E, como tem sido muitas
vezes, o clamor da multidão foi aceito no lugar da evidência, exame e
deliberação. Os magistrados, sem perguntar mais nada, ordenou-lhes que fossem
açoitados e lançados na prisão. E assim foi, aqueles benditos servos de Deus,
feridos, sangrando e fracos foram entregues a um cruel carcereiro, que aumentou
ainda mais o sofrimento deles ao prender-lhes os pés no tronco. Mas Paulo e
Silas, em vez de ficarem deprimidos por seus sofrimentos no corpo e pelas
sombrias paredes da prisão,alegraram-se por terem sido considerados dignos de
sofrer vergonha e dor por causa de Cristo; e em vez do silêncio da meia-noite
ser quebrado com os suspiros e gemidos dos prisioneiros, eles "oravam e
cantavam hinos a Deus, e os outros presos os escutavam." (Atos 16:25)
Se
a Satanás não lhe falta recursos para continuar sua obra ruim, a Deus não Lhe
falta recursos para continuar Sua boa obra. Ele agora faz uso de tudo que
aconteceu para direcionar o progresso da obra do evangelho, e para cumprir os
propósitos do Seu amor. O carcereiro deve ser convertido, a igreja deve ser
reunida, e um testemunho criado para o Senhor Jesus Cristo na própria fortaleza
do paganismo. À meia-noite, enquanto Paulo e Silas estavam cantando e os
prisioneiros estavam ouvindo ao som incomum, ocorre um grande terremoto.
Deus
entra em cena em majestade e graça. Ele levanta Sua voz e a terra treme: as
paredes da prisão são chacoalhadas, as portas se abrem, e os grilhões de todo
homem caem. E agora, o que são cadeias e prisões? O que são legiões romanas? O
que é todo o poder do inimigo? A voz de Deus é ouvida na tempestade: mas a
violência da tempestade é sucedida pela voz mansa e delicada do evangelho e da
paz do Céu.
Logo
despertado pelo terremoto, os primeiros pensamentos do carcereiro foram em
relação a seus prisioneiros. Alarmado por ver as portas da prisão abertas, e
supondo que os presos tinham fugido, ele pega sua espada para se matar.
"Mas Paulo clamou com grande voz, dizendo: Não te faças nenhum mal, que
todos aqui estamos." (Atos 16:28). Estas palavras de amor quebraram o
coração do carcereiro. A calma serenidade de Paulo e Silas - sua recusa em
valer-se da oportunidade de escapar - sua carinhosa preocupação para com ele -
tudo combinado para fazê-los aparecer aos olhos do espantado carcereiro como
seres de uma ordem superior. Ele deixou de lado sua espada, pediu por luz,
saltou para dentro da prisão e, tremendo, caiu aos pés do apóstolo. Sua
consciência foi, agora, alcançada, seu coração foi quebrantado, e havia algo
como a violência de um terremoto agitando toda sua alma. Ele toma o lugar de um
pecador perdido, e clama: "Senhores, que é necessário que eu faça para me
salvar?" (Atos 16:30). Ele não fala como o doutor da lei em Lucas 10:25:
"Mestre, que farei para herdar a vida eterna?" O que estava em
questão para o carcereiro não era sobre fazer algo para a vida, mas sobre a
salvação para o perdido. O doutor da lei, como muitos outros, não conhecia a si
mesmo como um pecador perdido, portanto ele não fala sobre salvação.
Em
resposta à mais importante pergunta que os lábios humanos podem fazer, "O
que devo fazer para ser salvo?", o apóstolo direciona a mente do
carcereiro para Cristo - "Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a
tua casa." (Atos 16:31). Deus deu a bênção, e toda sua família creu, se
alegrou, e foi batizada. E agora tudo está mudado: o carcereiro leva os
prisioneiros à sua própria casa - sua crueldade é transformada em amor,
simpatia e hospitalidade. Na mesma hora da noite, lavou-lhes os vergões - lhes
ofereceu comida - regozijou-se, crendo em Deus com toda sua casa. Que noite
agitada! Que mudança em poucas horas! E que manhã alegre clareou sobre aquela
feliz casa! O Senhor seja louvado!
Como
o rei Dário, os magistrados parecem ter sido perturbados durante a noite. A notícia
do terremoto, ou de que Paulo e Silas eram cidadãos romanos, parece tê-los
alcançado. Mas assim que amanheceu, mandaram dizer ao carcereiro que
"soltassem aqueles homens". Ele, imediatamente, fez conhecer a ordem
a Paulo e Silas, e desejou-lhes que partissem em paz. Mas Paulo se recusou a
aceitar sua liberdade sem algum reconhecimento público do erro de que haviam
sido vítimas. Ele agora também torna conhecido o fato de que ele e Silas eram
cidadãos romanos. As famosas palavras de Cícero tinham se tornado um provérbio,
e tinham um imenso peso onde quer que fosse: "Acorrentar um cidadão romano
é um ultraje, açoitá-lo é um crime". Os magistrados tinham, evidentemente,
violado as leis romanas; mas Paulo só exigiu que, como eles tinham sido publicamente
tratados como culpados, os magistrados fossem a público e declarassem que eram
inocentes. Isto eles fizeram prontamente, vendo o erro que tinham cometido.
"E, vindo, lhes dirigiram súplicas; e, tirando-os para fora, lhes pediram
que saíssem da cidade.
E,
saindo da prisão, entraram em casa de Lídia e, vendo os irmãos, os confortaram,
e depois partiram." (Atos 16:39-40)
Antes
de deixarmos este memorável capítulo, devemos apenas acrescentar algo que é
muito agradável de se encontrar: na Epístola de Paulo aos Filipenses, as provas
de um vínculo que os unia, e que continuou desde "o primeiro dia" até
mesmo depois do aprisionamento de Paulo em Roma. Sua afeição pelos amados
filipenses era maravilhosa. Ele se dirigiu a eles como "meus amados e mui
queridos irmãos, minha alegria e coroa, estai assim firmes no Senhor,
amados." (Filipenses 4:1). E ele reconhece, sem poder conter a alegria,
sua comunhão incansável com eles no evangelho, e as muitas provas práticas do
amável cuidado e carinhosa simpatia que eles tinham por ele. Já em sua
residência em Tessalônica eles se lembravam das necessidades do apóstolo.
"Porque também uma e outra vez me mandastes o necessário a Tessalônica."
(Filipenses 4:16)
PAULO EM TESSALÔNICA E BEREIA
Paulo
e Silas agora dirigem seu percurso até Tessalônica. Timóteo e Lucas parecem ter
ficado para trás em Filipos por um tempo. Tendo passado através de Anfípolis e
Apolônia, Paulo e Silas chegam a Tessalônica. Ali eles encontram uma sinagoga.
Era uma cidade comercial de grande importância, onde muitos judeus residiam.
"Paulo, como tinha por costume, foi ter com eles; e por três sábados
disputou com eles sobre as Escrituras." (Atos 17:2). Os corações de muitos
foram tocados por suas pregações, e uma grande multidão de devotos gregos e mulheres
da alta sociedade creram. Mas o velho inimigo de Paulo aparece novamente.
"Os judeus desobedientes, movidos de inveja, tomaram consigo alguns homens
perversos, dentre os vadios e, ajuntando o povo, alvoroçaram a cidade, e
assaltando a casa de Jasom, procuravam trazê-los para junto do povo. E, não os
achando, trouxeram Jasom e alguns irmãos à presença dos magistrados da cidade,
clamando: Estes que têm alvoroçado o mundo, chegaram também aqui; os quais
Jasom recolheu; e todos estes procedem contra os decretos de César, dizendo que
há outro rei, Jesus." (Atos 17:5-7). Estes versículos devem bastar para
nos dar uma ideia do caráter universal dos judeus contra o evangelho e contra
Paulo, seu principal ministro.
O
apóstolo tinha, evidentemente, pregado aos tessalonicenses a verdade a respeito
da exaltação de Cristo e Sua vinda na glória: "Dizendo que há outro rei,
Jesus." Daí a constante alusão à vinda do Senhor, e ao "dia do
Senhor", nas Epístolas de Paulo àquela igreja. Pelo que diz Paulo em sua
primeira Epístola, aprendemos que seus trabalhos foram muito abundantes e
grandemente reconhecidos e abençoados pelo Senhor para muitas almas. (1 Tessalonicenses
1:9-10; 2:10-11)
O
apóstolo agora procede para a Bereia. Ali os judeus eram mais nobres. Eles
examinavam o que ouviam pela Palavra de Deus. Houve uma grande bênção ali
também. Muitos creram, mas os judeus, como caçadores após sua presa,
apressaram-se de Tessalônica para a Bereia, e levantaram um tumulto que forçou
Paulo a deixar o lugar quase imediatamente. Acompanhado por alguns dos
bereianos convertidos, ele direcionou seu curso para Atenas. Silas e Timóteo
ficaram para trás.
A VISITA DE PAULO A ATENAS
A
aparição do apóstolo em Atenas é um evento de grande importância em sua
história. Atenas era, em certos aspectos, a capital do mundo, e a sede da
cultura e filosofia grega; mas era também o ponto central da superstição e
idolatria.
É
muito interessante observar que o apóstolo não tinha pressa de começar seu
trabalho nesse lugar. Ele concedeu tempo à reflexão. Pensamentos profundos, e o
pesar de tudo na presença de Deus e à luz da morte e ressurreição de Cristo,
encheram sua mente. Sua primeira intenção era esperar pela chegada de Silas e
Timóteo. Ele tinha enviado uma mensagem para Bereia para que eles fossem ter com
ele o mais rápido possível. Mas quando ele se viu rodeado de templos, e
altares, e estátuas, e adoração idólatra, ele não podia mais ficar em silêncio.
Como de costume, ele começa com os judeus, mas também disputa diariamente com
os filósofos no mercado: cristianismo e paganismo então se confrontam
abertamente entre si; e, vale observar, o apóstolo do cristianismo estava
sozinho em Atenas, enquanto o lugar fervilhava de apóstolos do paganismo; e tão
numerosos eram os objetos de adoração, que um satirista uma vez observou:
"É mais fácil encontrar um deus que um homem em Atenas".
Alguns,
com desprezo, ridicularizavam o que ouviam, e outros ouviam e desejavam ouvir
mais. "E alguns dos filósofos epicureus e estóicos contendiam com ele; e
uns diziam: Que quer dizer este paroleiro? E outros: Parece que é pregador de
deuses estranhos; porque lhes anunciava a Jesus e a ressurreição." (Atos
17:18). Estas palavras tinham causado grande impressão, e permaneceram
claramente em suas mentes. Que novidade, e que bendita realidade para as almas!
A Pessoa de Cristo; não uma teoria: o fato da ressurreição; não uma sombria
incerteza quanto ao futuro. O ministro de Cristo desnuda aos estudados
atenienses a temerosa condição em que se encontravam sob a visão do verdadeiro
Deus.
No
entanto, eles desejavam uma exposição mais plena e mais deliberada sobre esses
misteriosos assuntos, e levaram Paulo ao Areópago.
Desse
lugar, o Areópago, é dito que era o mais conveniente e apropriado para um
discurso. A mais solene corte da justiça havia sentado desde tempos imemoriais
na colina do Areópago. Os juízes se sentavam ao ar livre sobre assentos
escavados na rocha. Nesse local, muitas questões solenes tinham sido
discutidas, e muitos casos solenes decididos: começando com o lendário julgamento
de Marte, o que deu ao lugar o nome de "colina de Marte".
Foi
nesse cenário que Paulo dirigiu-se à multidão. Não há um momento sequer na
história do apóstolo, ou na história do começo do cristianismo, mais
profundamente interessante ou mais conhecido que este. Inspirado por
sentimentos para a honra de Deus, e cheio do conhecimento sobre a condição do
homem à luz da cruz, o que deve ter ele sentido enquanto estava na colina de
Marte? Para onde quer que voltasse os olhos, os sinais da idolatria em suas milhares
de formas se levantavam diante dele. Ele poderia ter sido traído, diante das
circunstâncias, a falar com exagerada ousadia; mas ele dominou seus
sentimentos, e absteve-se de uma linguagem intemperada. Considerando a
fervência de seu espírito, e a grandeza de seu zelo pela verdade, foi um
notável exemplo de auto-negação e auto-controle. Mas seu Senhor e Mestre estava
com ele, embora para o olho humano ele estivesse sozinho diante dos atenienses
e dos muitos estrangeiros que se reuniam naquela universidade do mundo.
Pela
sabedoria, prudência, raciocínio claro e perfeita habilidade, o discurso de
Paulo se destaca nos anais da história da humanidade. Ele não começou atacando
seus falsos deuses, ou denunciando a religião deles como uma ilusão satânica e
objeto de seu ódio absoluto. O zelo sem conhecimento teria feito assim, e teria
ficado satisfeito com sua própria fidelidade. Mas no discurso que temos diante
de nós temos um exemplo da melhor maneira de se aproximar das mentes e corações
de pessoas ignorantes e preconceituosas de qualquer idade. Que o Senhor possa
dar sabedoria a todos Seus servos para seguir este exemplo!
Suas
palavras de abertura são, ao mesmo tempo, vencedoras e
reprobatórias:"Homens atenienses, em tudo vos vejo um tanto
supersticiosos." (Atos 17:22). Ele, então, começa reconhecendo que eles
tinham sentimentos religiosos, mas que estavam na direção errada; e então fala
de si como sendo um que estava disposto a conduzi-los ao conhecimento do
verdadeiro Deus: "Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que
eu vos anuncio." (Atos 17:23). Ele sabiamente seleciona, para seu texto, a
inscrição: "AO DEUS DESCONHECIDO" (Atos 17:23). Isto lhe dá a
oportunidade de começar do mais baixo degrau da escada da verdade. Ele fala da unicidade
de Deus, o Criador, e da relação do homem com Ele. Mas ele logo deixa o
argumento contra a idolatria e procede pregando o evangelho. E ainda assim ele
tem o cuidado de não introduzir o nome de Jesus em seu discurso público. Ele
tinha tinha feito isso totalmente em suas ministrações mais particulares: mas,
estando cercado pelos discípulos e admiradores de nomes como Sócrates, Platão,
Zeno e Epícuro, ele sagradamente guarda o santo nome de Jesus do risco de uma
comparação com tais. Ele bem sabia que o nome do humilde Jesus de Nazaré
era"loucura (bobagem) para os gregos" (1 Coríntios 1:23). No entanto,
é fácil observar que, próximo ao fim de seu discurso, a atenção de toda a
audiência está concentrada no homem Cristo Jesus, embora Seu nome não seja
mencionado em todo o discurso. Então ele procede: "Mas Deus, não tendo em
conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o
lugar, que se arrependam; porquanto tem determinado um dia em que com justiça
há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a
todos, ressuscitando-o dentre os mortos." (Atos 17:30-31). Aqui a
paciência de sua audiência acabou - seu discurso foi interrompido. Mas a última
impressão deixada em suas mentes era de eterno peso e importância. O apóstolo
inspirado se dirigiu às consciências, e não à curiosidade intelectual dos
filósofos. A menção da ressurreição dos mortos e do julgamento do mundo, com
tal poder e autoridade, não podia deixar de perturbar aqueles orgulhosos e
auto-indulgentes homens. O princípio essencial, ou o maior objetivo, do
filósofo epicureu, era satisfazer a si mesmo; o do estoico era uma orgulhosa
indiferença ao bem e ao mal, ao prazer e a dor.
Que
dúvidas podemos ter de que essa notável assembleia se desfaria em meio ao
escárnio desdenhoso de alguns e à gélida indiferença de outros? Mas, apesar de
tudo, o cristianismo tinha ganhado sua primeira e nobre vitória sobre a
idolatria e, quaisquer que tenham sido os resultados imediatos do discurso de
Paulo, sabemos que tem sido de bênção para muitos desde então, e que ainda
trará muitos frutos em muitas almas, e continuará a dar frutos para a glória de
Deus sempre e sempre.
Paulo
agora se afasta do meio deles. Ele não parece ter sido expulso por qualquer
tumulto ou perseguição. O bendito Senhor lhe concedeu provar de Sua própria
alegria e da alegria dos anjos quando alguns pecadores contritos o buscaram:
"entre os quais foi Dionísio, areopagita, uma mulher por nome Dâmaris, e
com eles outros." (Atos 17:34). Mas na cidade militar de Filipos, e nas
cidades mercantis de Tessalônica e Corinto, o número de conversões parece ter
sido muito maior do que na altamente educada e civilizada cidade de Atenas.
Isto é profundamente humilhante para o orgulho do homem, e para os vangloriosos
poderes da mente humana. Uma Epístola foi escrita aos filipenses, duas aos
tessalonicenses, e duas aos coríntios: mas não temos nenhuma carta escrita por
Paulo aos atenienses, e não lemos de ter ele outra vez visitado Atenas.
A VISITA DE PAULO A CORINTO
A
conexão de Corinto com a história, com os ensinos e com os escritos de nosso
apóstolo é quase tão íntima e importante quanto Jerusalém ou Antioquia. Corinto
pode ser considerada seu centro na Europa. Aqui Deus teve "muito
povo" (Atos 18:10), e aqui Paulo "ficou um ano e seis meses,
ensinando entre eles a palavra de Deus." (Atos 18:11). Foi também em
Corinto que ele escreveu suas duas primeiras cartas apostólicas - as duas
Epístolas aos Tessalonicenses.
Corinto,
a capital romana da Grécia, era uma grande cidade mercantil, em conexão
imediata com Roma e com o oeste do Mediterrâneo, com Tessalônica e Éfeso no Mar
Egeu, e com a Antioquia e Alexandria a leste. Assim, por meio de seus dois
notáveis portos, a cidade recebia embarcações tanto dos mares ocidentais quanto
dos mares orientais.
Paulo
parece ter viajado sozinho a Corinto. Se Timóteo foi ter com ele quando em
Atenas (1 Tessalonicenses 3:1), ele foi enviado de volta a Tessalônica, lugar
pelo qual, como veremos em breve, Paulo tinha grande afeição no coração. Logo
após sua chegada ele inesperadamente encontrou dois amigos e companheiros na
obra: Áquila e sua esposa Priscila. Nesta época em particular deveria haver um
número maior de judeus em Corinto do que o normal, "pois Cláudio tinha
mandado que todos os judeus saíssem de Roma." (Atos 18:2)
O
Senhor usou, assim, o banimento de Áquila e Priscila para fornecer um lugar
para Seu solitário servo ficar. Eles eram da sua terra (Israel), do seu mesmo
ramo de negócio, e do mesmo coração e espírito. "E, como era do mesmo
ofício, ficou com eles, e trabalhava; pois tinham por ofício fazer
tendas."(Atos 18:3)
Quão
graciosos e maravilhosos são os caminhos do Senhor para Seu servo. Em uma
cidade de riqueza e comércio cercada de gregos nativos, colonos romanos, e
judeus vindos de todos os cantos, ele trabalha silenciosamente em seu próprio
comércio de modo a não ser um incômodo para nenhum deles. Aqui temos, de certo
modo, um exemplo da mais profunda e elevada espiritualidade combinada com o
trabalho diligente nas coisas comuns desta vida. Que exemplo! E que lição! Sua
labuta diária não gerava impedimento à sua comunhão com Deus. Nunca ninguém
conheceu tão bem, ou sentiu tão profundamente, o valor do evangelho que ele
carregava consigo:as questões da vida e da morte estavam ligadas a isso, e
mesmo assim ele podia se entregar ao trabalho comum. Mas isto ele fez, assim
como a pregação, para o Senhor e para Seus santos. Ele frequentemente se refere
a isto em suas Epístolas, e fala disso como um de seus privilégios: "E em
tudo me guardei de vos ser pesado, e ainda me guardarei. Como a verdade de
Cristo está em mim, esta glória não me será impedida nas regiões da
Acaia." (2 Coríntios 11:9,10)
A
decisão do apóstolo de não ser pesado aos santos, como aqui tão fortemente
expressa, se aplica principalmente, se não exclusivamente, à igreja de Corinto.
Um importante princípio estava envolvido, mas foi um princípio de particular
aplicação ao caso, e não geral. Ele reconhece as dádivas das outras igrejas da
maneira mais grata possível (Filipenses 4) e, ao escrever aos coríntios mais
tarde, ele diz: "Outras igrejas despojei eu para vos servir, recebendo
delas salário; e quando estava presente convosco, e tinha necessidade, a
ninguém fui pesado. Porque os irmãos que vieram da macedônia supriram a minha
necessidade" (2 Coríntios 11:8,9). O apóstolo, sem dúvida, tinha a melhor
das razões para recusar, dessa maneira, a comunhão com a igreja em Corinto.
Sabemos que havia "falsos apóstolos" e muitos inimigos lá, e que
muitas perturbações graves e sérias tinham sido permitidas entre eles, as quais
ele fortemente repreendeu e procurou corrigir. Sob tais circunstâncias, para
que seus motivos não fossem mal interpretados, o apóstolo preferiu trabalhar
com suas próprias mãos do que receber apoio da igreja em Corinto. E, "Por
quê?", ele pergunta, "Porque não vos amo? Deus o sabe. Mas o que eu
faço o farei, para cortar ocasião aos que buscam ocasião, a fim de que, naquilo
em que se gloriam, sejam achados assim como nós” (2 Coríntios 11:11-12). }
Há
outra coisa relacionada a esta característica do percurso do apóstolo que é de
grande interesse. Acredita-se, em geral, que ele tenha escrito suas duas
epístolas aos tessalonicenses mais ou menos nessa época, e alguns pensam que
também a Epístola aos Gálatas. Estas permanecem diante de nós como verdadeiras
testemunhas de sua proximidade com Deus e sua comunhão com Ele, enquanto se
mantinha com o trabalho de suas próprias mãos. Mas quando chega o sábado de
descanso, a oficina é fechada, e Paulo vai à sinagoga. Este era seu hábito.
"E todos os sábados disputava na sinagoga, e convencia a judeus e
gregos" (Atos 18:4). Mas enquanto Paulo estava ocupado, tanto nos dias de
semana quanto nos sábados, Silas e Timóteo chegaram da Macedônia.
É
evidente que eles trouxeram consigo alguma ajuda que iria ajudar a suprir as
necessidades do apóstolo naquele tempo, e assim aliviá-lo de tal trabalho
constante.
A
chegada de Silas e Timóteo parece ter encorajado e fortalecido o apóstolo. Seu
zelo e energia no evangelho são evidentemente fortalecidos. Ele "foi
impulsionado no espírito, testificando aos judeus que Jesus era o Cristo."
(Atos 18:5), mas eles se opuseram à sua doutrina e blasfemaram. Isto levou
Paulo a tomar seu curso com grande ousadia e decisão. Ele sacode a roupa, como
sinal de estar limpo do sangue deles, e declara que dali em diante passará a
tratar com os gentios. Em tudo isto ele foi conduzido por Deus, e agiu de
acordo com Sua mente. Enquanto era possível, ele pregava na sinagoga; mas
quando ele não mais podia estar lá, foi compelido a usar o lugar mais
conveniente que ele podia encontrar. Em Éfeso, ele pregou na escola de um tal
de Tirano; em Roma, ele "ficou dois anos inteiros na sua própria habitação
que alugara, e recebia todos quantos vinham vê-lo;" (Atos 28:30); e aqui,
em Corinto, um prosélito chamado Justo abriu sua casa ao rejeitado apóstolo.
Nessa
particular crise na história do apóstolo ele foi favorecido com outra revelação
especial do próprio Senhor. "E disse o Senhor em visão a Paulo: Não temas,
mas fala, e não te cales; porque eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti
para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade. E ficou ali um ano e
seis meses, ensinando entre eles a palavra de Deus." (Atos 18:9-11).
Porém, novamente, seus implacáveis inimigos se enfurecem. O grande sucesso do
evangelho entre os pagãos excitou a raiva dos judeus contra Paulo, que
procuraram usar a vinda de Gálio, um novo governador, para realizar suas más
intenções.
Gálio
foi o irmão de Sêneca, o filósofo, e, como tal, era muito bem instruído. Ele
era sábio, justo e tolerante como governador, embora desdenhoso em seu
tratamento com as coisas sagradas. Mas o Senhor, que estava com Seu servo como
Ele mesmo tinha dito, usou a incrédula indiferença de Gálio para derrotar os
maliciosos desígnios dos judeus, e para virar suas falsas acusações contra eles
mesmos. Como estavam frustrados em seus propósitos malignos, o apóstolo tinha
maior liberdade e menos aborrecimento ao levar em frente a obra do evangelho.
Seus benditos frutos logo se manifestaram por toda a província da Acaia (1
Tessalonicenses 1:8,9)
A RÁPIDA VISITA DE PAULO A ÉFESO
O
momento chegou em que Paulo achou por bem deixar Corinto e revisitar Jerusalém.
Ele tinha um grande desejo de estar na próxima festa. Mas antes de partir,
recebeu uma solene despedida da jovem assembleia, prometendo (o Senhor
permitindo) retornar.
Acompanhado
de Áquila e Priscila, ele deixa Corinto em paz. Mas quando no porto, antes da
partida, aconteceu uma cerimônia que levantou não pouca discussão. Paulo,
estando sob um voto, raspa sua cabeça em Cencreia. Em sua própria mente, e como
um que era guiado pelo Espírito, temos certeza de que ele estava muita acima e
além de uma religião de festas e votos, mas mesmo assim, inclinou-se, em graça,
aos costumes de sua nação. Aos judeus ele se torna um judeu. A constante
oposição dos judeus à sua doutrina e a violenta perseguição nunca enfraqueceram
as afeições do apóstolo para com seu amado povo: certamente tal proceder vinha
de Deus. Enquanto ele procurava, na energia do Espírito, pregar o evangelho aos
gentios, ele nunca esquecia, em fidelidade à palavra de Deus, de pregar aos
judeus primeiro.
Assim
ele é para nós como a viva expressão da graça de Deus para com os gentios, e de
suas remanescentes afeições para com os judeus.
A
equipe missionária chega a Éfeso. Paulo vai à sinagoga e debate com os judeus.
Eles parecem inclinados a ouvi-lo, mas ele tem um forte desejo de subir a
Jerusalém e celebrar a festa que se aproxima. Assim ele "se despediu
deles, dizendo: É-me de todo preciso celebrar a solenidade que vem em
Jerusalém; mas querendo Deus, outra vez voltarei a vós. E partiu de Éfeso."
(Atos 18:21)
A QUARTA VISITA DE PAULO A JERUSALÉM
Não
nos são fornecidas quaisquer informações, pelos historiadores sagrados, sobre o
que ocorreu em Jerusalém naquela ocasião. Apenas nos é dito que Paulo
"subiu a Jerusalém e, saudando a igreja, desceu a Antioquia." (Atos
18:22). Mas seu intenso desejo de fazer esta visita pode nos assegurar sua
grande importância. Ele pode ter sentido que
tinha chegado a hora quando os judeus cristãos, reunidos na festa,
deveriam ouvir um relato completo da recepção do evangelho entre os gentios.
Colônias romanas e capitais gregas tinham sido visitadas, e uma grande obra de
Deus tinha sido cumprida. Tudo isto teria sido perfeitamente natural e correto,
mas desejamos não remover o véu que o Espírito Santo colocou sobre essa visita.
Paulo
desce de Jerusalém à Antioquia, visitando todas as assembleias que ele tinha
inicialmente formado; e assim, de certo modo, unindo sua obra: Antioquia e
Jerusalém. Até onde sabemos, foi a última visita de Paulo à Antioquia. Já vimos
como novos centros de vida cristã tinham sido estabelecidos por ele nas cidades
gregas do Egeu. O curso do evangelho segue cada vez mais para o Ocidente, e a
parte inspirada da biografia do apóstolo, após um curto período de profundo
interesse na Judeia, finalmente se centraliza em Roma.
O RETORNO DE PAULO À ANTIOQUIA
Após
uma jornada que se estendeu em um espaço de três ou quatro anos, nosso apóstolo
retorna à Antioquia. Ele tinha viajado um longo circuito, e disseminado o
cristianismo em muitas cidades prósperas e populosas, quase que inteiramente
por seus próprios esforços. Se o leitor deseja manter interesse na história de
Paulo, deve notar clara e distintamente as grandes épocas na vida de Paulo, e
os principais pontos em suas diferentes jornadas. Mas antes de começar com
Paulo em sua terceira jornada missionária, pode ser interessante tomar nota de
um outro grande pregador do evangelho que aparece exatamente neste momento, e
cujo nome, ao lado do apóstolo, é talvez o mais importante na história do
início da igreja (N. do T., tirando o nome do próprio Senhor).
Apolo
era um judeu de nascença, natural da Alexandria. Ele era um "homem
eloquente e poderoso nas Escrituras ... conhecendo somente o batismo de
João" (Atos 18:24,25). Ele era devoto, sincero e reto, publicamente
confessando e pregando aquilo que conhecia, e o poder do Espírito Santo era
manifesto nele. Não parece que ele tenha recebido qualquer designação,
ordenação ou sanção de qualquer tipo, nem dos doze nem de Paulo. Mas o Senhor,
que está acima de todos, o chamou, e estava agindo nele e por ele. Vemos assim,
no caso de Apolo, a manifestação do poder e liberdade do Espírito Santo, sem a
intervenção humana. É interessante observar isto. A ideia de um clericalismo
exclusivo é a negação prática da liberdade do Espírito em agir por quem Ele
quer. Mas embora ardente em zelo e um locutor poderoso, Apolo conhecia apenas o
que João (o batista) tinha ensinado a seus discípulos. O Senhor sabia disto, e
proveu mestres para ele. Dentre aqueles que ouviam a seus fervorosos apelos,
dois dos bem instruídos discípulos de Paulo foram conduzidos a tomar um
interesse especial por ele. E embora ela fosse ensinado e eloquente, ele era
humilde o bastante para ser instruído por Áquila e Priscila. Eles o convidaram
à sua casa e, sem dúvida, em espírito humilde, "lhe declararam mais
precisamente o caminho de Deus" (Atos 18:26). Que simples! Que natural! E
que belo! Tudo é do Senhor. Ele ordenou que Áquila e Priscila fossem deixados
em Éfeso - que Apolo deveria vir e animar o povo em Éfeso antes da chegada de
Paulo; e, após ser instruído, que deveria ir a Corinto e ajudar na boa obra
naquele lugar, obra esta iniciada por Paulo. Apolo regou o que Paulo tinha
plantado, e Deus deu um aumento abundante. Tais são os benditos caminhos do
Senhor em Seu pensativo amor e carinhoso cuidado por Seus servos, e por todas
as Suas assembleias.
A TERCEIRA VIAGEM MISSIONÁRIA DE PAULO
(POR VOLTA DE 54 D.C.)
Tendo
passado "algum tempo" na Antioquia, Paulo deixa o centro gentio e
parte para outra viagem missionária. Nada é dito sobre seus companheiros nesta
ocasião. Ele" passou sucessivamente pela província da Galácia e da Frígia,
confirmando a todos os discípulos" (Atos 18:23), e também dando instruções
para a coleta em favor dos santos pobres em Jerusalém (1 Coríntios 16:1,2). Em
pouco tempo ele chegou ao centro de sua obra na Ásia.
Éfeso.
Nesta época era a maior cidade da Ásia Menor, e a capital da província. Devido
à sua posição central, era o ponto de encontro comum de várias personagens e
classes de homens. Por esta altura, Apolo tinha partido para Corinto, mas ainda
havia outros doze discípulos de João em Éfeso. Paulo fala com eles sobre seu estado
e posição. Devemos tomar uma rápida nota do que ocorreu.
O
batismo de João requeria o arrependimento, mas não a separação da sinagoga
judaica. O evangelho ensina que o cristianismo é fundamentado na morte e
ressurreição. O batismo cristão é um símbolo significativo e expressivo dessas
verdades. "Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela
fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos." (Colossenses
2:12) Como esses homens eram inteiramente ignorantes sobre as verdades fundamentais
do cristianismo, supomos que eles nunca tinham se misturado com cristãos. O
apóstolo, sem dúvida, explicou para eles sobre a eficácia da morte e
ressurreição de Cristo, e sobre a descida do Espírito Santo. Eles creram na
verdade e receberam o batismo cristão. Então Paulo, por sua capacitação
apostólica, impõe suas mãos sobre eles, e eles são selados com o Espírito
Santo, "e falavam línguas, e profetizavam" (Atos 19:6).
Imediatamente
após a menção desse importante acontecimento, nossa atenção é direcionada às
obras do apóstolo na sinagoga. Durante três meses ele pregou a Cristo
ousadamente lá, disputando e persuadindo seus ouvintes "acerca do reino de
Deus."(Atos 19:8). Os corações de alguns "se endureceram",
enquanto outros se arrependeram e creram; mas enquanto muitos dos judeus
tomaram o lugar dos adversários, e "falaram mal do Caminho perante a
multidão" (Atos 19:9), Paulo age da forma mais definitiva possível. Ele
"separou os discípulos" da sinagoga judaica e deles formou uma nova
assembleia, se reunindo com eles "diariamente na escola de um certo
Tirano" (Atos 19:9).
Este
é um ato profundamente interessante e instrutivo por parte do apóstolo, mas ele
age conscientemente no poder e na verdade de Deus. A igreja em Éfeso é agora
perfeitamente distinta, tanto em relação aos judeus quanto em relação aos
gentios. Aqui vemos ao que o apóstolo, em outro lugar, se refere em sua
exortação: "Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem
aos gregos, nem à igreja de Deus." (1 Coríntios 10:32). Onde esta
importante distinção não é vista haverá grande confusão de pensamento tanto
quanto à Palavra quanto aos caminhos de Deus.
O
apóstolo agora aparece como o instrumento do poder de Deus de forma notável e
marcante. Ele comunica o Espírito Santo aos doze discípulos de João, separa os
discípulos de Jesus e formalmente funda a igreja em Éfeso. Seu testemunho ao
Senhor Jesus é ouvido em toda a Ásia, tanto pelos judeus quanto pelos gregos;
milagres extraordinários são operados por suas mãos e enfermidades fugiam de
muitos apenas ao tocar a borda de suas vestes. O poder do inimigo desaparece
diante do poder que está em Paulo; as consciências dos pagãos são alcançadas, e
o domínio do inimigo sobre eles se vai. O medo caiu sobre muitos que
"seguiam artes mágicas", e eles mesmos queimaram seus livros de magia
que, no total, custariam hoje em dia cerca de R$1.300.000,00. "Assim a
palavra do Senhor crescia poderosamente e prevalecia." (Atos 19:20). Assim
o poder do Senhor foi demonstrado na pessoa e na missão de Paulo, e seu
apostolado estabelecido de forma inquestionável.
O
apóstolo havia agora passado cerca de três anos de incessante trabalho em
Éfeso. E ele mesmo diz, ao se dirigir aos anciãos em Mileto: "Portanto,
vigiai, lembrando-vos de que durante três anos, não cessei, noite e dia, de
admoestar com lágrimas a cada um de vós." (Atos 20:31).
É
também suposto que, durante este período, ele tenha feito uma rápida visita e
tenha escrito a Primeira Epístola aos Coríntios.
O TUMULTO EM ÉFESO
Um
grande e abençoado trabalho tinha agora sido cumprido pela poderosa energia do
Espírito de Deus, por meio de Seu servo escolhido, Paulo. O evangelho tinha
sido pregado na capital da Ásia, e tinha sido espalhado por toda a província. O
apóstolo agora sentia que seu trabalho tinha terminado ali, e planeja ir a
Roma, a capital do Ocidente e metrópole do mundo. A Grécia e a Macedônia já
tinham recebido o evangelho, mas ainda faltava Roma. "E, cumpridas estas
coisas, Paulo propôs, em espírito, ir a Jerusalém, passando pela Macedônia e
pela Acaia, dizendo: Depois que houver estado ali, importa-me ver também
Roma." (Atos 19:21)
Mas
enquanto Paulo fazia os arranjos para a próxima viagem, o inimigo planejava um
novo ataque. Seus recursos ainda não tinham sido esgotados. Demétrio excita a
multidão ignorante contra os cristãos. Um grande tumulto começa, sendo as
paixões dos homens despertadas contra os instrumentos do testemunho de Deus. Os
oficiais de Demétrio levantaram o clamor de que não somente a profissão deles
corria perigo, como também que o templo da grande deusa Diana corria o risco de
ser desprezado. Quando a multidão ouviu essas coisas, se encheram de raiva e
gritaram, dizendo:"Grande é a Diana dos efésios." (Atos 19:28). A
cidade inteira estava agora imersa em confusão, mas Paulo misericordiosamente -
pelos seus irmãos, e por alguns dos principais governantes da Ásia que eram
seus amigos - se abstém de comparecer ao teatro.
Os
judeus evidentemente começaram a temer que a perseguição se voltasse contra
eles, pois a maioria das pessoas não sabia com que propósito tinham ali se
ajuntado. Eles, então, põem um certo Alexandre diante da multidão,
provavelmente com a intenção de transferir a atenção para cima dos cristãos;
mas no momento em que os pagãos descobriram que ele era um judeu, a fúria deles
aumentou: o grito de guerra foi novamente levantado, e por duas horas inteiras
as pessoas gritavam: "Grande é a Diana dos efésios.". Felizmente,
para todas as partes, o escrivão da cidade era um homem de grande tato e
admirável política. Ele acalmou e dissolveu a aglomeração. Mas, para a fé, era
Deus usando a eloquência persuasiva de um oficial pagão para proteger Seus
servos e Seus muitos filhos que estavam ali.
O
tão afamado templo de Diana foi contado pelos antigos como uma das maravilhas
do mundo; o sol, diziam, não via nada em seu curso mais magnífico que o templo
de Diana. Era construído com o mais puro mármore, e levou 220 anos para ser
terminado. Mas com a disseminação do cristianismo, se afundou em decadência, e
quase nada dele agora sobrou para nos mostrar como era. O comércio de Demétrio
era a confecção de pequenos modelos em prata do santuário da deusa. Estes eram
colocados nas casas, guardados em memoriais e carregados em viagens. Mas como a
introdução do cristianismo necessariamente afetou as vendas desses modelos, os
artesãos pagãos foram instigados por Demétrio a levantar um clamor popular em
favor de Diana contra os cristãos.
A PARTIDA DE PAULO DE ÉFESO PARA A MACEDÔNIA
Atos
20. Após o tumulto ter cessado, o perigo acabado e os manifestantes dispersos,
Paulo se despede dos discípulos, os abraça, e parte para a Macedônia. Dois dos
irmãos efésios, Tíquico e Trófimo, parecem tê-lo acompanhado, mantendo-se fiéis
a ele em meio a todas as suas aflições. Eles são mencionados com frequência, e
inclusive aparecem no último capítulo de sua última epístola, em 2 Timóteo 4.
O
historiador sagrado é extremamente breve em seu registro sobre o proceder de
Paulo neste momento. Toda a informação que ele dá é comprimida nas seguintes
palavras: "Saiu para a macedônia. E, havendo andado por aquelas terras,
exortando-os com muitas palavras, veio à Grécia. E, passando ali três
meses..." (Atos 20:1-3). É geralmente suposto que essas poucas palavras
abrangem um período de nove ou dez meses - do começo do verão de 57 d.C. até a
primavera de 58 d.C. Mas esta falta de informação é, felizmente, suprida nas
cartas do apóstolo. Aquelas que foram escritas durante essa jornada nos suprem
com vários detalhes históricos e, o que é melhor, elas nos dão, da sua própria
caneta, uma imagem viva dos profundos e dolorosos exercícios da mente e do
coração pelas quais ele estava passando.
Parece
que Paulo tinha combinado de se encontrar com Tito em Trôade, que lhe traria
notícias direto de Corinto sobre o estado das coisas por lá. Mas semana após
semana se passou, e Tito não aparecia. Sabemos alguma coisa sobre as obras
dessa grande mente e coração nesse tempo pelo que ele mesmo diz: "Ora,
quando cheguei a Trôade para pregar o evangelho de Cristo, e abrindo-se-me uma
porta no Senhor, não tive descanso no meu espírito, porque não achei ali meu
irmão Tito; mas, despedindo-me deles, parti para a macedônia." (2
Coríntios 2:12,13). Sua ansiedade pessoal, no entanto, não o impediu de ir em
frente com a grandiosa obra do evangelho. Isto é evidente nos versículos de 14
a 17.
Finalmente
o há muito esperado Tito chega à Macedônia, provavelmente em Filipos. E agora a
mente de Paulo é aliviada e seu coração confortado. Tito lhe traz melhores
notícias de Corinto do que ele esperava ouvir. A reação é manifesta: ele se
enche de louvor a Deus: "Grande é a ousadia da minha fala para
convosco", diz ele, "grande a minha jactância a respeito de vós;
estou cheio de consolação; transbordo de gozo em todas as nossas tribulações.
Porque, mesmo quando chegamos à macedônia, a nossa carne não teve repouso
algum; antes em tudo fomos atribulados: por fora combates, temores por dentro.
Mas Deus, que consola os abatidos, nos consolou com a vinda de Tito." (2
Coríntios 7:4-6)
Logo
após isso, Paulo escreve sua Segunda Epístola aos Coríntios, que descobrimos
ser dirigida não apenas a eles, mas a todas as igrejas em toda a Acaia. Todas
elas podiam ter sido mais ou menos afetadas pela condição das coisas em
Corinto. Tito é novamente o servo voluntário do apóstolo, não apenas como
portador da segunda carta à igreja em Corinto, mas também tendo um papel
especial nas coletas que eles faziam para os pobres. Paulo não apenas dá a Tito
estritas instruções sobre as coletas, como também escreve dois capítulos sobre
o assunto (capítulos 8 e 9), embora este fosse mais o trabalho de diáconos do
que de apóstolos. Mas, como tinha dito ele em resposta à sugestão de Tiago,
Cefas e João, de que ele deveria se lembrar dos pobres -"Recomendando-nos
somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também procurei fazer com
diligência." (Gálatas 2:10)
O
espaço que o apóstolo dedica aos assuntos relacionados às coletas para os
pobres é notável e merece nossa cuidadosa consideração. Pode ser que alguns de
nós tenhamos ignorado este fato até agora. Observe, por exemplo, o que ele diz
de uma igreja em particular. Temos boas razões para acreditar que os
filipenses, desde o começo, se importavam com o apóstolo - eles o pressionaram
a aceitar suas contribuições para ajudá-lo, desde sua primeira visita a
Tessalônica até seu aprisionamento em Roma, além de sua generosidade para com
os outros (2 Coríntios 8:1-4). Mas alguns podem imaginar, a partir disso, que
eles eram uma igreja rica. Pelo contrário. Paulo nos diz:"Como em muita
prova de tribulação houve abundância do seu gozo, e como a sua profunda pobreza
abundou em riquezas da sua generosidade." (2 Coríntios 8:2). Eles doavam
com tanta generosidade o que tinham de sua própria pobreza.
O
que os filipenses são nas Epístolas, a viúva pobre é nos Evangelhos - duas
moedinhas era tudo o que ela tinha. Ela podia ter dado uma e ficado com a
outra; mas ela tinha um coração não dividido, e ela deu as duas. Ela, também,
deu o que tinha de sua pobreza, e onde quer que o evangelho seja pregado por
todo o mundo, essas coisas hão de ser contadas como um memorial da generosidade
deles.
Após
Paulo ter enviado a Tito e os que estavam com ele com a Epístola, ele
permaneceu "naquelas partes" da Grécia fazendo a obra de um
evangelista. Sua mente, no entanto, almejava fazer uma visita pessoal aos
coríntios. Mas ele concedeu tempo para que sua carta produzisse seus próprios
efeitos sob a bênção de Deus. Um dos objetivos do apóstolo era preparar o
caminho para seu ministério pessoal entre eles. É comum o pensamento de que foi
durante este período que ele pregou plenamente o evangelho de Cristo aos
arredores até o Ilírico (Romanos 15:19). É provável que ele tenha alcançado
Corinto no inverno, de acordo com sua expressa intensão: "E bem pode ser
que fique convosco, e passe também o inverno" (1 Coríntios 16:6). Lá ele
ficou por três meses.
Todos
estão de acordo, podemos dizer, que foi durante esses meses de inverno que ele
escreveu sua grande Epístola aos Romanos. Alguns dizem que ele também escreveu
sua Epístola aos Gálatas neste mesmo período. Mas há grande diversidade de
opiniões entre os cronologistas sobre este ponto. Pela ausência de nomes e
saudações, como temos na Epístola aos Romanos, é difícil determinar sua data.
Mas se ela não foi escrita neste tempo em particular, mesmo assim devemos
mencioná-la mais cedo, e não mais tarde. O apóstolo ficou surpreso pelo
antecipado abandono da verdade."Maravilho-me", diz ele, "de que
tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro
evangelho" (Gálatas 1:6). Seu grande desapontamento é manifesto no calor
do espírito no qual escreve essa Epístola.
Mas
devemos retornar à história do nosso apóstolo: não nos adentraremos mais a
fundo nas sutilezas da cronologia. Mas após compararmos as últimos escritos,
relataremos o que acreditamos serem as datas mais confiáveis.
PAULO DEIXA CORINTO
A
obra do apóstolo tinha agora sido terminada em Corinto, e ele se prepara para
ir embora. Sua mente se inclinava a ir a Roma, mas havia uma missão de caridade
em seu coração a qual ele devia acatar primeiro. Somos favorecidos com suas
próprias palavras sobre esses diferentes pontos: "Mas agora, que não tenho
mais demora nestes sítios, e tendo já há muitos anos grande desejo de ir ter
convosco, quando partir para Espanha irei ter convosco; pois espero que de
passagem vos verei, e que para lá seja encaminhado por vós, depois de ter
gozado um pouco da vossa companhia. Mas agora vou a Jerusalém para ministrar
aos santos. Porque pareceu bem à macedônia e à Acaia fazerem uma coleta para os
pobres dentre os santos que estão em Jerusalém."
(Romanos
15:23-26). Quanto à sequência de nomes em Atos 20:4 - Sópater, Aristarco,
Segundo, Gaio, Tíquico e Trófimo - supõe-se que sejam irmãos que tinham em mãos
as coletas que tinham sido feitas nos diferentes lugares mencionados. Em vez de
velejar direto para a Síria, ele rodeia a Macedônia, por causa dos judeus que
estavam à espreita. Seus companheiros o esperavam em Trôade. Lá ele passou o
dia do Senhor (domingo) e uma semana inteira, a fim de ver os irmãos.
Devemos
observar brevemente o que aconteceu nesse estágio de sua jornada. Duas coisas,
de imensa importância para os cristãos, estão ligadas a isso - o dia do Senhor
e a Ceia do Senhor. O historiador, que estava com Paulo nesse tempo, entra com
incomum minúcia sobre os detalhes daquele dia.
É
evidente, a partir desta incidental observação, que era o estabelecido costume
dos primeiros cristãos se reunirem no "primeiro dia da semana" com a
compreendida finalidade do "partir o pão". Temos aqui o principal
objetivo e o momento normal da reunião deles. "E no primeiro dia da
semana, ajuntando-se os discípulos para partir o pão" (Atos 20:7; Veja
também 1 Coríntios 16:2,João 20:19, Apocalipse 1:10). Mesmo o discurso do
apóstolo, precioso como era, é mencionado como algo secundário. A lembrança do
amor do Senhor ao morrer por nós, e tudo aquilo que Ele nos deu ao ressuscitar,
era, e continua sendo, o principal. Se houver uma oportunidade também para o
ministério da Palavra, assim como para reunir os pensamentos e afeições dos
adoradores de Cristo, é bom que haja; mas o partimento do pão deve ser a
primeira consideração, e o principal objetivo da assembleia. A celebração da
Ceia do Senhor nessa ocasião foi à noite. No início, o partimento do pão também
era observado em alguns lugares antes do amanhecer, e em outros, após o pôr do
sol. Mas aqui os discípulos não eram obrigados a se reunirem em segredo.
"E havia muitas luzes no cenáculo onde estavam juntos."(Atos 20:8). E
Paulo continuou sua fala até a meia-noite, pois deveria partir no dia seguinte.
Foi uma ocasião extraordinária, e Paulo aproveita a oportunidade de conversar
com eles a noite toda. Ainda não havia chegado o tempo, como disse alguém, em
que os ternos discursos do coração seriam cronometrados, quando a duração da
ardente agonia do pregador pelas almas perdidas seria contada no relógio pela
frieza dos meros professos, ou pela descuidada indiferença dos cristãos
mundanos. Êutico, um rapaz, caiu no sono e "caiu do terceiro andar... e
foi levantado morto." (Atos 20:9). Isto foi visto por alguns como um
castigo pela sua falta de atenção, mas foi um milagre; o rapaz foi levantado de
um estado de morte pelo poder e bondade de Deus através de Seu servo Paulo, e
todos ficaram grandemente reconfortados.
PAULO EM MILETO
O
estágio mais importante dessa jornada é Mileto, embora os diferentes lugares em
que eles passam sejam cuidadosamente notados pelo historiador sagrado. Paulo,
estando cheio do Espírito, dá direções para a viagem. Seus companheiros, de bom
grado, lhe obedecem, mas não como a um mestre, mas como a um que dirige na
humildade do amor e na sabedoria de Deus. Ele decide não ir a Éfeso, embora
fosse um lugar central, pois ele tinha o propósito no coração de ir a Jerusalém
no dia de Pentecostes. Mas, como o navio viria a ser detido algum tempo em
Mileto, ele envia uma carta aos anciãos da igreja em Éfeso para poderem se
encontrar. Dizem que a distância entre os dois lugares é de cerca de 48
quilômetros, de modo que levaria dois ou três dias para ir e voltar. Mesmo
assim, tiveram tempo suficiente para se reunirem antes do navio sair. Assim o
Senhor pensa em Seus servos e faz com que todas as coisas cooperem para o bem e
para Sua própria glória.
O
discurso de despedida de Paulo aos anciãos de Éfeso é característico e
representativo, exigindo nosso mais cuidadoso estudo. Ele põe diante de nós a
profunda e tocante afeição do apóstolo, a posição da igreja naquele tempo, e a
obra do evangelho entre as nações. Ele os exorta com incomum seriedade e
ternura; ele sentia que estava se dirigindo a eles pela última vez; ele os
lembra de seus trabalhos entre eles "servindo ao Senhor com toda a
humildade, e com muitas lágrimas"(Atos 20:19). Ele os adverte contra os
falsos mestres e heresias - os lobos cruéis que entrariam no meio deles, e os
homens amantes de si mesmos que se ergueriam, falando coisas perversas, para
atraírem os discípulos após si."E, havendo dito isto, pôs-se de joelhos, e
orou com todos eles. E levantou-se um grande pranto entre todos e, lançando-se
ao pescoço de Paulo, o beijavam, entristecendo-se muito, principalmente pela
palavra que dissera, que não veriam mais o seu rosto. E acompanharam-no até o
navio." (Atos 20:36-38)
Como
este pensamento sobre Paulo é da mais elevada importância, e marca uma época
distinta na história da igreja, além de lançar luz divina sobre todos os
sistemas eclesiásticos, podemos citar um pensamento abrangente e compreensivo
de outro autor:
"A
igreja estava consolidada sobre uma extensa área do território, e em vários
lugares tinha tomado a forma de uma instituição comum. Anciãos eram
estabelecidos e reconhecidos. O apóstolo podia chamá-los para ter com ele. Sua
autoridade era também reconhecida por parte deles. Ele fala de seu ministério
como algo passado - solene pensamento!...
Assim,
o que o Espírito Santo coloca diante de nós é que, agora, quando os detalhes de
sua obra entre os gentios de plantar o evangelho são relatados como um panorama
entre judeus e gentios, ele diz adeus ao trabalho. Isto para que pudesse deixar
aqueles que ele havia reunido em uma nova posição e, em certo sentido,
entregues a si mesmos. É um discurso que marca a cessação de uma fase da igreja
- a dos trabalhos apostólicos - e a entrada de uma outra: a responsabilidade da
igreja de manter-se firme agora que esses trabalhos tinham cessado; o serviço
dos anciãos, a quem 'o Espírito Santo constituiu supervisores (bispos)' (Atos
20:28); e, ao mesmo tempo, os perigos e dificuldades que se seguiriam após o
fim dos trabalhos apostólicos, complicando o trabalho dos anciãos, a quem a
responsabilidade recairia especialmente.
"A
primeira observação que decorre da consideração deste discurso é que a sucessão
apostólica é inteiramente negada. Devido à ausência do apóstolo, várias
dificuldades surgiriam, e não haveria ninguém em seu lugar para lidar ou
prevenir estas dificuldades. Sucessor, portanto, ele não tinha. Em segundo
lugar, parece que o fato de que esta energia, que freava o espírito do mal, uma
vez que estivesse longe,faria erguer as cabeças dos lobos devoradores vindos de
fora, e dos mestres de coisas perversas vindos de dentro, que atacariam a
simplicidade e a felicidade da igreja. Esta seria assediada pelos esforços de
satanás, uma vez que não possuía mais a energia apostólica para resistir-lhes.
Em terceiro lugar, o que de primordial deveria ser feito para o impedimento do
mal era alimentar o rebanho, e vigiar, quer sobre si mesmos ou sobre o rebanho,
para aquele propósito. Ele então os encomenda - nem a Timóteo nem a algum
bispo, mas de um modo que deixa de lado qualquer tipo de recurso oficial - a
Deus e à palavra de Sua graça. Nesse ponto ele deixa a igreja. Os trabalhos em
liberdade do apóstolo dos gentios estavam terminados. Ele tinha sido o
instrumento escolhido de Deus para comunicar ao mundo Seus conselhos a respeito
da igreja e para estabelecer na mente do mundo o precioso objeto de Suas
afeições, unida a Cristo à Sua mão direita. O que seria dela aqui?"
Atos
21. Com um vento justo, Paulo e sua companhia partiam de Mileto, enquanto os
entristecidos anciãos de Éfeso se preparavam para sua viagem de volta. Em um
curso reto eles velejaram a Cós, Rodes, e daí até Pátara e Tiro. A partir do
que aconteceu lá - tão similar ao que houve em Mileto - é evidente que Paulo
logo conquistou o coração dos discípulos. Embora ele tenha ficado apenas uma
semana em Tiro, não conhecendo os cristãos dali, ele tinha ganhado suas
afeições. "E seguimos nosso caminho, acompanhando-nos todos", diz
Lucas, "com suas mulheres e filhos até fora da cidade; e, postos de joelhos
na praia, oramos." (Atos 21:5). Parece também que um espírito de profecia
foi derramado sobre esses afetuosos cristãos de Tiro, pois eles advertiram o
apóstolo para que não fosse a Jerusalém. Após esperar ali por sete dias, foram
a Ptolemaida, onde ficaram por um dia.
Em
Cesareia, ficaram hospedados na casa de Filipe, o evangelista, que era um dos
sete. Ele também já é bem conhecido nosso, mas é interessante encontrá-lo
novamente após um intervalo de mais de vinte anos. Agora ele tem quatro filhas
virgens que profetizavam. Aqui Ágabo, o profeta, previu o aprisionamento de
Paulo, e rogou-lhe que não fosse a Jerusalém. Todos os discípulos disseram o
mesmo, e suplicavam-lhe com lágrimas para que não fosse. Mas embora o coração
terno e sensível de Paulo deva ter se movido pelas lágrimas e suplicas de seus
amigos e de seus próprios filhos na fé, ele decidiu não alterar sua resolução e
não deixar de lado seu propósito. Ele se sentiu compelido em espírito a ir, e
pronto a deixar todas as consequências à vontade do Senhor.
A QUINTA VISITA DE PAULO A JERUSALÉM
(POR VOLTA DE 58 D.C.)
O
apóstolo e seus companheiros foram recebidos com agrado ao chegarem em
Jerusalém. "E, logo que chegamos a Jerusalém", observa Lucas,
"os irmãos nos receberam de muito boa vontade." (Atos 21:17). No dia
seguinte, Paulo e seus companheiros visitaram Tiago, em cuja casa os anciãos
estavam presentes. Paulo, como orador principal, declarou particularmente as
coisas que Deus fizera entre os gentios por seu ministério. Mas embora
estivessem muito interessados, e louvassem ao Senhor pelas boas notícias, eles
evidentemente se sentiram desconfortáveis. Eles imediatamente chamaram a
atenção de Paulo para o fato de que um grande número de judeus que criam em
Jesus como o Messias eram observadores zelosos da lei de Moisés e eram
fortemente preconceituosos contra Paulo.
Como
satisfazer os preconceitos desses judeus cristãos era agora a importante
questão entre Paulo e os anciãos. Eles sabiam que multidões de judeus,
convertidos e não convertidos, se ajuntariam quando ouvissem da chegada de
Paulo. Por muito tempo eles acreditavam nas mais sérias e pesadas acusações
contra ele - "e já acerca de ti foram informados de que ensinas todos os
judeus que estão entre os gentios a apartarem-se de Moisés, dizendo que não
devem circuncidar seus filhos, nem andar segundo o costume da lei." (Atos
21:21). O que deveria agora ser feito? Os anciãos propuseram que Paulo deveria
se mostrar publicamente como alguém que era obediente à lei. Esta foi a mais
dolorosa e desconcertante posição do apóstolo dos gentios.
O
que ele poderia fazer agora? Será que o mensageiro do evangelho da glória - o
ministro do chamado celestial - se inclinaria às regras dos votos nazireus? Foi
uma questão séria e solene. Se ele se recusasse a ceder à vontade deles, a
suspeita dos judeus seria confirmada; se ele agisse de acordo com o desejo
deles, ele deveria se humilhar - colocar seu elevado chamado em segundo plano,
e se render à ignorância, preconceito e orgulho dos judaizantes. Mas o que mais
podia fazer? Ele estava no centro de um judaísmo fanático, e desejava
honestamente conquistar a igreja de Jerusalém para um cristianismo mais puro e
mais nobre.
Alguns
tomaram muita liberdade em seu criticismo sobre o apóstolo no decorrer desse
tempo. Mas embora seja nosso privilégio humildemente examinar tudo o que o
historiador sagrado escreveu, tememos que alguns se aventuraram longe demais em
dizer coisas duras sobre o apóstolo. Podemos perguntar reverentemente quão
longe o desejo e a afeição de Paulo o influenciaram nesta ocasião, além das
advertências do Espírito através dos irmãos; mas certamente devemos nos manter
entre os limites do que o Próprio Espírito Santo disse pelas Escrituras. Vamos
agora cuidadosamente observar os fatos exteriores que conduziram o apóstolo a
essa memorável época de sua vida.
Roma tinha estado por
muito tempo em sua mente. Ele tinha um grande desejo de pregar o evangelho
naquele lugar. Isto estava correto - estava de acordo com Deus - não era algo
de si mesmo: ele era o apóstolo dos gentios. Deus vinha trabalhando em Roma de
modo abençoado mesmo sem Paulo ou Pedro, pois ainda nenhum apóstolo tinha
visitado Roma. Paulo tinha sido privilegiado por escrever uma epístola aos
romanos, e nessa carta ele expressa o mais ardente desejo de vê-los, e de
trabalhar entre eles. "Porque desejo ver-vos", diz ele, "para
vos comunicar algum dom espiritual, a fim de que sejais confortados"
(Romanos 1:11). Este era seu estado mental e o objetivo que tinha diante de si,
o que também devemos ter em vista quando estudamos esta parte de sua história.
Compare Romanos 1:7-15; 15:15-33.
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